De Volta a Casa do Lago

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"O criminoso, no momento em que pratica seu crime, é sempre um doente". (Fiodor Dostoievski)

- Merda! - Ouvi Bruno dizer esta palavra tantas vezes nos últimos tempos, que me pareceu cômica na situação em que nos encontramos agora.

Engraçado como tudo parece estar em câmera lenta. A pequena Gaia, sortuda, apertou o gatilho e saiu ilesa. Confesso que inicialmente fiquei em choque. Mas a reação de Bruno foi imediata. Em segundos ele imobilizou a menina e tirou a arma de sua mão.

Obviamente não fiquei parado. Nós esquematizamos tudo, caso esta situação viesse a acontecer. Quando vi que ela tinha escapado, peguei o taco de baseball que havia escondido embaixo da mesa e o bati, com a maior força possível, contra a cabeça de Willian. Não gosto muito da ideia de machuca-lo, se tivesse escolha nem teria o colocado nessa situação. Eu gosto do moleque, ele tem potencial.

Engoli o riso quando o babão do Charles se virou para ver o que aconteceu com Will, ouvi o disparo da arma, mas não perdi tempo para ver quem atirou, até porque tenho total fé no meu irmão, mas meu alvo agora é outro. Acertei a cabeça de Charles com o bastão e ele desmaiou igual um pateta.

Não me assusta que Gaia não tenha aguentado o "bostinha" por muito tempo. Ela é rebelde e destemida. Ele é um filho de papai que abaixa a cabeça para tudo que os outro falam. Não sei como ele achou que teria chances contra Will. 

- Essa foi mole, não acha mano?

Me virei e vi Bruno sorrindo com Gaia aos seus pés e a arma em uma de suas mãos. Então havíamos conseguido finalmente. Obvio que o ideal seria se a menina tivesse se matado, assim não teríamos chances de sermos acusados de homicídio, mas pra tudo nessa vida, tem um jeito. 

- Fácil até demais. - Respondi e coloquei o taco na mesa. - Esse é o problema de jogar com crianças.

Fui até onde Gaia está e me abaixei. O estrago foi grande o suficiente, ela não está morta, mas sem ajuda irá sangrar até a morte em pouco tempo. O tiro acertou bem abaixo de sua costela direita. Pelo canto do olho vi que Willian voltou a se mexer, mas Bruno foi mais rápido e deu um chute em sua costela.

- Não gosto de machucar Will, ele é bacana. - Bruno falou, mas logo depois deu outro chute na costela do Willian. 

Balancei a cabeça e voltei minha atenção para Gaia. Não tenho nada contra a menina, se tivesse outra maneira de resolver esta situação, certamente teria resolvido. Ela é como eu, vê os podres de seu pai, como ele acaba com vidas. Ela também não concorda com o que ele faz. Mas não havia outra maneira.

Me levantei e fui até a câmera que estava gravando nosso pequeno show. O Sr. Marriott merece ver o que sua ganância e desprezo causou a própria filha. A filmei deitada no chão, imóvel. Não, este não deveria ter sido o final de Gaia, mas a vida não é justa. Não foi justa com meus pais, ou comigo e meu irmão. Não foi justa com Lottie, e agora não foi justa com Gaia. 

Mas Cornel Marriott, esse sim está recebendo o que merece. Ele também precisava perder algo que gostava, que amava, passar o que passamos, sentir o que sentimos. Perder tudo e ficar sem chão. Foi isso que ele fez com a minha família, e é isso que ele continuará fazendo se alguém não o parar.

- E agora?

Parei de filmar e olhei para Bruno. Ele está recarregado a arma com as balas que havíamos tirado mais cedo.

- Agora, Bruno, seguimos o plano. - Tirei um papel do meu bolso e coloquei em cima da mesa. - Will e Charles serão acordados daqui a pouco por seus pais. Para Gaia, já será tarde demais, não sei quanto tempo ela aguentará se não parar aquele sangramento. Nós iremos deixar o vídeo aqui, junto com a carta. Ligar para eles, avisar onde estão seus filhos, e vamos embora, simples.

O plano não é complicado. Ligaremos para os pais de Will, Charles e Gaia, contaremos onde eles estão, e depois vamos embora. Quando chegarem aqui, encontrarão uma Gaia morta, e os dois meninos desacordados. Além, é claro, do gravador com imagens de tudo que aconteceu e a carta em cima da mesa.

Eles lerão a carta e entenderão porque fizemos isso. E porque eles não irão falar com a polícia, porque caso nos denunciem, Charles e Willian serão os próximos. Eles não colocarão a vida dos filhos em jogo.

- Spencer? - A voz de Bruno não é mais alta que um sussurro, e eu sei exatamente porque ele está falando baixo. Eu também ouvi.

As vozes foram ficando mais baixas ao se aproximarem da casa, e o barulho dos passos mais lentos.

- O que vamos fazer? - Senti o desespero na voz de Bruno. Ele é bom para bolar planos, mas quando estamos em situações como essa, sempre se desespera e acaba fazendo merda.

- Não faremos nada até sabermos quem está...O que você está fazendo? - Bruno levantou a arma e apontou para a porta. - Bruno, abaixa essa arma...

Mas falei tarde demais. Vários policiais, mais de dez pelo que percebi, entraram pela porta com suas armas apontadas para nós. Por um segundo ninguém se mexeu, e então Bruno apertou o gatilho.

- Bruno, não! 

Pulei em cima do Bruno e o joguei no chão. A arma que estava em sua mão voou para longe. Senti algo molhado em meu braço. Já sei o que é antes mesmo de olhar. Fiquei abaixado, com Bruno embaixo de mim, enquanto os policiais continuaram atirando.

- Não estamos mais armados! - Meu grito foi abafado pelo som dos tiros, mas eles pareceram me escutar, pois pararam de atirar segundos depois.

Me permiti olhar para baixo. Meu estomago embrulhou. Bruno foi acertado bem no peito, em cima do coração. Ele está completamente imóvel, o único movimento vindo do seu corpo é o sangue jorrando onde a bala o acertou.

Não lutei quando mãos me agarraram e me prenderam com algemas. Estão gritando alguma coisa para mim, perguntas talvez, mas o zumbido no meu ouvido não permite que eu entenda o que eles falam.

Meus olhos parecem presos ao corpo imóvel de Bruno, e o choque não permite que eu sinta dor, ou medo, ou raiva. Apenas um imenso vazio. Estou sendo arrastado para fora da Casa do Lago. Talvez o certo fosse lutar, ficar ao lado de Bruno, guardar seu corpo, mas meus braços e pernas se recusam a responder aos meus comandos.

É como se meu corpo estivesse totalmente desconectado com meu cérebro. Continuei olhando para o rosto de Bruno até me tirarem da casa. Assim que me arrastaram para o jardim, o vento gelado tocou meu rosto e acendeu com ele uma chama. Por alguns segundos não reconheci o sentimento, não é tristeza, é raiva. 

Fechei os olhos e só consegui enxergar um rosto da minha mente. Cornel Marriott, ele pagará pela morte do meu irmão. 

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⏰ Last updated: May 10, 2018 ⏰

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Círculo Vicioso - Continuação de Roleta RussaWhere stories live. Discover now