VINTE E SEIS

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       Ele me prende com força, estou com dores onde o homem me aperta, sinto que meu braço vai se quebrar e junto todas as energias que sobraram, pego sua própria arma e com todas as forças que me restam, rasgo sua garganta no meio. Ele desmaia instantaneamente em cima de mim e seu sangue explode em meu corpo. Enojada, empurro o corpo sujo de sangue e me afasto, arrastando-me no chão para qualquer canto que não seja perto dele. Estou ofegante, minha respiração está quente o suficiente para não me preocupar com o frio da noite. Trêmula, olho para a minha camisa e em vez de branco, um vermelho escuro a tinge como degradês de cima para baixo. Há um pouco de sangue meu misturado com o dele e me sinto tão suja, como se não só minha pele estivesse manchada com seu sangue, mas também a minha alma, minha essência, tudo o que sou. Me sinto obscura, como se um escudo de trevas me cobrisse por inteira, tão próximo de mim que quase consegue tocar meu coração.

Essa é a sensação de matar alguém?

Essa é a sensação de ser uma assassina?

Tento não prestar atenção nisso, mas não consigo.

Sem que eu consiga controlar, meus olhos viram para a esquerda de relance e vejo o corpo do homem esparramado no chão, suado, molhado de sangue e suor e também um pouco de mim. Ele está deitado ali, como um saco de lixo ou qualquer outra coisa dispensável. Recuso-me prestar tanta atenção no mesmo, meus olhos vão e vêm tentando fugir da tentação de verificar o que aconteceu com ele, o que eu causei, o que fui capaz de fazer. Quando estou tão fraca que não consigo controlar minhas tentações, viro o rosto completamente para o lado e pasmo quando não vejo seu peito subindo e descendo.

Mal consigo acreditar no que meus olhos me mostram, o homem está morto, e eu fui a responsável por isso. Assustada, levanto rapidamente, quase sem forças, e me aproximo do homem que tentou me matar. Faço de tudo para colocar em minha cabeça que se eu não fizesse isso, eu estaria em seu lugar, que foi apenas defesa pessoal e que não há nada mais que eu poderia ter feito. Mas nenhuma dessas opções fazem com que eu me sinta melhor, pelo contrário, só fazem eu me sentir pior por ter que arranjar uma desculpa para justificar minhas... escolhas. Coloco dois dedos um pouco abaixo de seu maxilar e não sinto a respiração acentuada de um ser humano, não vejo seu pulmão subindo e descendo, coloco os ouvidos em seu peito e não ouço as batidas de seu coração. Nenhum sinal de vida, simplesmente nada.

E, inevitavelmente, a primeira coisa que penso é na sua família. Ele não era tão velho assim, aparentava ter uns trinta e nove anos. Tudo o que consigo imaginar é na sua família, sua mulher, seus filhos, seus amigos, seu animal de estimação. Uma lágrima quente e áspera desce rasgando minhas bochechas quando penso se ele tem uma filha, que assim como eu, chorou diversas noites sentindo falta do pai. A mesma que sempre sonhou que ele voltaria para casa, com as roupas rasgadas, porém vivo, e diria para toda a família o quanto os amam e sentiu saudade. Mas esse sonho acaba agora, isso nunca vai poder se realizar por minha culpa, coloquei o ponto final da vida de alguém que não merecia, e eu não tinha esse direito. Meu coração se parte em mil pedaços ao saber que posso ser a razão pela qual, nesse exato momento, uma pequena garotinha está chorando trancada em seu quarto sentindo falta do pai.

Um pai que eu tirei a vida.

Levanto num salto e mal consigo sentir minhas pernas. Mal consigo controla-las, mas ando, ando para uma árvore mais distante do corpo, a sétima árvore que encontro, mal sei o que estou fazendo e meus dedos arrancam uma flor amarela, não sei o nome e não estou capacitada para lembrar de nada. Apenas puxo aquela flor de suas folhas e volto para perto do homem, e quando encontro seu corpo novamente, sei exatamente o que fazer.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora