Eu não lembro exatamente de quando percebi que estava apaixonada por você. Apenas de segurar tua mão e pensar no quanto iria doer quando você fosse embora.
Lembro também, claramente, de quando acordei num dia de meio de semana no colchão tão desgastado do seu apartamento e vi que não tava do meu lado, como de costume - o dia que combinamos de eu dormir aí e ir embora de mansinho depois do fim de semana. A dor nas costas depois daquela noite desconfortável era presente, mas tu não era: deixou um bilhete dizendo pra alimentar teu passarinho e que iria atrasar pela noite porque tinha "algo a fazer". Fiquei encarando um fiozinho de luz do sol que chegava do meu lado e logo tomei coragem pra encarar mais um dia sem meu amor - mal sabia eu.
Passei o dia ansiando por sua chegada e cheguei a comer demais, como você diria, "comida de conforto". No intervalo do trabalho sentei em uma cadeira de rodinhas e fiquei passando as fotos na tela do celular, sorrindo enquanto fitava seus olhos distraídos e o sorriso amarelado - pelo cigarro de menta que você fuma com um charme inigualável. (Se estiver lendo isso, espero que não fique brava por ter essa foto no celular. Sei que odeia seus dentinhos separados.)
De noite, no horário que você normalmente chegava, coloquei uma camiseta larga sua (com cheiro de amaciante que você insiste em abusar) e esperei sentada na mesa da cozinha, preparando um leite morno pra quando chegasse - você só tomava leite de soja, eu lembro.
Mas espera. Não quero chegar no final disso agora, não serei tão rápida em explicações como você foi com o nosso relacionamento.
Três dias antes, no caminho pra padaria da esquina - eu tinha esquecido de comprar seu bolo de caixinha de novo (desculpe) - percebemos algo de novo naquele caminho tão rotineiro: um grafite no prédio verde em frente a Avenida. Provavelmente seus vizinhos já tinham reclamado umas dez vezes sobre como os vândalos na rua estavam rebeldes, mas eu e você não lembramos disso na hora. Na verdade, você pediu toda manhosa pra eu tirar uma foto em frente a parede colorida pra tu postar no Instagram. "Tá bom, vai logo. Tô morrendo de fome já."
A pose não poderia ser mais clichê: você sorrindo sem mostrar os dentes com o cabelo voando - e a mecha do dread escondidinha como você gostava. Inesperadamente, tu pediu pra eu segurar sua mão e tirar a foto com a outra, mostrando nós duas de mãos dadas (já sabendo que ia rir da sua bobeira). Segurei e você acabou pegando algo a mais na padaria.
Memórias a parte, o leite esfriou. Esquentei no microondas que teu pai te deu. Liguei pro seu celular e tu disse que tava chegando, "era só o trânsito". Tinha algo a mais naquela voz.
Mas tu nunca chegou. E o leite esfriou de novo. A bateria do meu celular acabou. E eu queria não ter soltado tua mão naquela foto que hoje tá na galeria na última pasta. Ah, e eu fiquei com a tua camiseta, se não se importa.