Prólogo

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Prólogo

Da fuga

Ano 583 da Segunda Era

Outro dia comum em Raython. Chuva, raios, e eu corria atrás da princesa.

Não sei o que ela tem na cabeça, e cérebro não é. Os deuses são justos, sabe. Uma menina tão curvilínea não pode ter um cérebro afiado, é o que digo: ou é bonita ou é inteligente…

E como ela corria. Claro que minha armadura não ajudava muito, mas… sinceramente, se eu quisesse mesmo pegá-la pra levar de volta eu já teria feito. Vamos brincar um pouco, essas perseguições são sempre legais, mesmo com ela matando meus cavaleiros. Trouxe cinco, agora tenho… dois. Pensando bem, acho que… vou deixá-la derrubar os outros dois e então ter uma conversinha particular com ela antes de levar para o pai.

Dei um sorriso discreto. Seria interessante. Eu vou me casar com ela, mais cedo ou mais tarde, então acho que não tem problema, ou tem?

Meus passos quebravam galhos, grossos ou finos. Eu podia ver os cabelos sedosos longos e incrivelmente brancos de Elektra – esse é o nome dela – balançando na minha frente, prendendo-se aos galhos. Aliás, meu nome é Won. Jonathan Won. Mas de que isso importa? Essa saia dela é muito curta.

Água de chuva entrava pela minha cota de malha, mas a blusa branca dela estava completamente seca. Seria muito mais legal se ela não fosse uma maga e não soubesse uma magia que repele as gotas de chuva, porque vocês sabem o que acontece quando se molha uma blusa branca, não é?

Odeio magos. Todos eles. Não há muitos, mas odeio cada um dos que nasceram, e cada um dos que nascerão. Mas isso definitivamente não é da sua conta.

Abri um largo sorriso ao ver que ela achou no fim de sua trilha uma bela falésia. Que ela não escalaria nunca não só pelo salto de sua bota, mas pelo monte ser bem alto, e ela não ter poder pra destruir aquilo. Então agora seria esperar a mocinha assassinar meus colegas inúteis aqui e eu dar um jeito nela.

Elektra se virou, mas seu rosto não demonstrava medo. Pelo contrário, ela parecia estar se divertindo tanto quanto eu. Nas mãos ela trazia um cajado branco. Sua pele era pálida, como todos os que nascem aqui. Mas ela tinha características marcantes, como aquele cabelo branco e seus olhos. Eram cinzentos, pareciam chumbo. E fortes. E me dariam medo se eu não a conhecesse desde que era uma garotinha.

— Princesa, parece que você está bem encurralada. Vamos pra casa calmamente conversar com papai e resolver tudo, entendeu? – eu disse, autoritário, mas sarcástico.

— Você é só um cachorrinho do meu pai, Won, um verme sem vontade própria. – ela cuspiu as palavras. Boca dura, arrogante, estúpida, metida. Sempre foi assim.

Suspirei.

— Anda, não me faz usar a força. – soei mais firme.

Agora seria a hora que ela procuraria me distrair acertando um dos cavaleiros, o da direita – sempre é o da direita – e sairia correndo, de novo. Então eu mandaria o outro homem olhar o que fora atingido e eu conseguiria meu objetivo: ficar sozinho com a princesa.

Mas ela não fez nada disso.

Ela riu.

Riu alto, claramente se deliciando com aquilo.

— Dessa vez eu não entendi, princesa.

— Você não vai me levar pra casa dessa vez, verme.

Revirei os olhos. Era sempre a mesma conversa. Ela não vai matar os cavaleiros? Que merda.

Corri meus olhos pela blusa dela. Estava visivelmente apertada e com três botões abertos. No lado direito, o brasão de Raython. Três botões, pelos deuses. Como é que Phyreon não vê uma coisa dessas? Bem simples. O imperador é do tipo de pai que não liga muito para os filhos. Ainda bem. Pra mim, digo. Aquele decote estava chamando pelo meu nome.

A voz dela me fez olhar seu rosto jovem novamente. Sei, jovem demais. Deveria ser crime meninas de quinze anos serem tão curvilíneas.

— Acha que esse monte de pedras vai me impedir? Acorde, Won. Eu sou uma maga. É óbvio que eu sei uma magia pra sair daqui.

— O quê, a Sellphir? Você não sabe nem a teoria dela. – disse, desdenhoso. Acho que eu sei mais a teoria dessa magia que Elektra.

— Veremos então. Vejo você no inferno, Won.

— Vou até lá te buscar. – respondi, incrédulo de que ela sairia dali . Claro que não acertaria a magia, ela é horrível nessas coisas élficas.

Sellphir. – ela disse.

E contra todas minhas expectativas ela sumiu no ar, deixando uma fumacinha cinza onde estava.

Meu dia comum acabava de ir embora.

Ethernia - Legend of Raython, livro I [Prévia]Onde histórias criam vida. Descubra agora