Numa casinha branca, lá no sítio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha demais de sessenta anos. Chama-se dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê navaranda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seucaminho pensando:— Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto...Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive emcompanhia da mais encantadora das netas — Lúcia, a menina do narizinhoarrebitado, ou Narizinho como todos dizem.Narizinho tem sete anos, é morena como jambo, gosta muito de pipoca e jásabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos.Na casa ainda existem duas pessoas — tia Nastácia, negra de estimação quecarregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada decorpo. Emília foi feita por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tãolá em cima que é ver uma bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; nãoalmoça nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomodá-la numaredinha entre dois pés de cadeira.Além da boneca, o outro encanto da menina é o ribeirão que passa pelosfundos do pomar. Suas águas, muito apressadinhas e mexeriqueiras, correm porentre pedras negras de limo, que Lúcia chama as "tias Nastácias do rio"  

 Todas as tardes Lúcia toma a boneca e vai passear à beira d'água, onde sesenta na raiz dum velho ingazeiro para dar farelo de pão aos lambaris.Não há peixe do rio que a não conheça; assim que ela aparece, todos acodemnuma grande faminteza. Os mais miúdos chegam pertinho; os graúdos parece quedesconfiam da boneca, pois ficam ressabiados, a espiar de longe. E nessedivertimento leva a menina horas, até que tia Nastácia apareça no portão do pomar egrite na sua voz sossegada:— Narizinho, vovó está chamando!...

Reinações de NarizinhoWhere stories live. Discover now