🔴rec
— Olá, gente! Tudo bem? Comigo, tudo ótimo.
Mentira.
— Bem, como muito de vocês pediram, teremos mais um vlog!
Mentira. Quase ninguém pediu.
— Eu já contei pra vocês sobre quando...
Coloco as palavras em piloto automático, desligando a minha mente de todas essas mentiras consecutivas. Se eu me sinto mal por mentir tanto assim? Nem um pouco, afinal, esse é o meu trabalho: mentir para o entretenimento das pessoas; criar uma vida perfeita, engraçada e bela. Uma vida completamente fora da realidade e do possível, mas que as pessoas acreditem que é a minha realidade.
Afinal, quem iria gostar de ouvir histórias de um ninguém? Sobre uma pessoa que ainda está na escola e sente inveja dos populares por conseguirem se destacar em algo?
Sendo sincero, antes de ser um youtuber eu era assim: um ninguém, literalmente. Eu não tirava notas altas e nem baixas, tinha um pequeno grupinho de amigos e não sofria bullying. Não era o último a ser escolhido nos times das aulas de educação física, mas também não era o primeiro. Todos os dias, observava os populares da escola e me perguntava: como seria se eu fosse um deles?
Decidi começar com o YouTube, fazendo vídeos de jogos em geral. Não que eu fosse o melhor jogador de todos, mas com os efeitos e as piadas certas, conseguia produzir um vídeo legal.
Cinco anos se passaram, e agora estou quase com dez milhões de inscritos.
Algumas pessoas me param na rua e pedem fotos, autógrafos ou mesmo um abraço. Sim, agora posso me considerar "popular", assim como eu queria.
Se estou feliz? Não.
Mas já estive, alguns anos atrás. Mas era apenas uma ilusão, e eu percebi isso ano passado, quando me questionaram se tudo aquilo que eu contava às câmeras era real.
Foi aí que eu percebi que não. Que tudo o que eu contava era apenas um meio que eu usava para escapar da minha realidade sem graça e transformá-la em um lugar mais legal e suportável.
Um ponto de escape. É isso que a câmera e os telespectadores realmente são.
O mais estranho é que, quando eu entro nas redes sociais do meu.. personagem (é uma boa definição para o meu "eu" que fala diante das câmeras), tenho milhões de seguidores e mensagens de amor e carinho, mas quando eu entro nas redes sociais do meu "eu verdadeiro", eu não tenho nada. Nenhuma mensagem no privado. Meus seguidores não passam de cinquenta. Não faria diferença eu sumir por dois dias ou não. Nem por dois anos. Ninguém notaria meu sumiço.
Acabei deletando essas redes. Deixei apenas às do meu personagem. As do meu ponto de escape.
É um quadro viciante. Sinto-me como um drogado, onde a droga é a câmera e os traficantes são os meus inscritos. Se tudo isso um dia acabar, não sei o que farei. Como farei para me adaptar à dura e sem graça realidade, onde eu apenas serei mais um ninguém novamente.
Talvez não me adapte. Talvez eu encontre outro ponto de escape. Talvez.
Mas não quero pensar sobre isso. Não ainda. Por enquanto, há o tráfico. E, enquanto houver o tráfico, irei aproveitar esse ponto de escape; essa realidade moldada por mim mesmo e simplesmente...
Sobreviver.
Afinal, não é isso que eu sempre fiz? O que sempre fazemos? Não venha me julgar, por favor. Eu apenas estou deixando a sobrevivência algo mais suportável. Se você não tem um ponto de escape também, arrume. Acredite: fica bem mais suportável respirar e levantar da cama com ele.
— E foi isso, gente. Espero que tenham gostado! Deixem seu like, comentem e compartilhem com os amigos. E se increvam no canal! É isso. Fui! E obrigado...
... por serem ótimos pontos de escape.
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Youtuber
Short Story"[...] agora estou quase com dez milhões de inscritos. Algumas pessoas me param na rua e pedem fotos, autógrafos ou mesmo um abraço. Sim, agora posso me considerar "popular", assim como eu queria. Se estou feliz? Não."