O primeiro pesadelo

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        O primeiro ribombear dos trovões fê-lo tremer. Já o segundo, conseguiu arrancar-lhe um gemido ténue.

        O quarto permanecia escuro, à exceção dos instantes em que mais um trovão o assombrava.

     As suas mãos, rosadas e inchadas, revolviam-se por debaixo dos lençoís. Tentava, em vão, esquecer a tempestade que teimava em perturbá-lo.

        - Mamã - chamava baixinho - mamã...

        Mas ninguém vinha, por mais que ele suplicasse. Então, na sua inocência infantil, pediu às estrelas e à lua, ao céu e às nuvensque fizessem as pazes e voltassem a ser amigos. Pois como a mamã lhe dissera, numa tarde soalheira, as tempestades surgiam apenas quando os astros e todos os seus companheiros se zangavam.

        - Por favor... - choramingou, abraçando o ursinho de pelúcia uma vez mais.

        No entanto, as suas preces não conseguiram alcançar a lua, nem as estrelas, nem as nuvens, nem mesmo o céu. Ou então, estes estavam tão amuados, como ele às vezes ficava com o papá, que se tornaram surdos por momentos.

        - Vá lá... vá lá... - pedia uma vez mias, a ninguém e a tudo.

        Foi então que na penumbra algo se moveu. Seria apenas a sombra dos galhos que dançavam do outro lado da janela, iluminados pela fúria da lua. Porém, a sua mente de criança, fê-lo ver algo mais.

        A sua criatividade moldou uma estranha criaturaque se aproximava suavemente, flutuando num pesaroso movimento.

        Era toda ela rosa e negra, verde e rubra, azul e dourada, era ela multicolor. De um estranho tom, que a cada descer e subir de pálpebras transmutava-se.

        Mas os olhos. Oh, os olhos! Aquelas íris brilhantes e profundas permaneciam iguais. Se lhe pedissem para descrevê-las seria incapaz. Não obstante, a sua imagem ficar-lhe-ia vincada para sempre na sua mente e talvez, num futuro próximo, o viessem a assombrar.

        Quando a distância entre eles se media por um palmo, a criança cedeu ao choro, fungou como se não houvesse amanhã, até ser arrancada da sua cama, deixando para traz o tremelicante e peludo Teddy.

        O monstro, que agora se assemelhava a um grande e estranho felino como aqueles que o rapaz vislumbrara naquele documentário que a mamã o proibira de ver, tomou-lhe o cachaço pela boca e saltou para o exterior, estilhaçando os vidros das janelas, cobertos de autocolantes coloridos.

        A noite acolheu-os, cheia de raiva e frustração. E nesse mesmo instante, para grande espanto do rapaz, tudo amenizou.

        A besta atirou-o para o seu dorço. Receoso, o miúdo, vincou os seus dedinhos gordos no pescoço da criatura, no exato momênto em que o felino começara a voar. Sim, ele rasgava o azul dos céus!

        O vento picava-lhe as faces coradas pelo espanto. Lá em baixo, as casas pareciam de brincar. Soltou um risinho timido que se fundiu com a rizada estridente de um conjunto de bruxas que se aproximavam, sentadas nas suas vassouras mágicas.

        Cada uma com uma verruga num local diferente da cara, narizes tortos e aquilinos, olhos esbugalhados e rubros, mas o mais assutador era mesmo as suas varinhas, apontadas na sua diração.

        A primeira a investir fora a de meias laranjas até aos joelhos. Com destreza, o animal que carrega o rapaz desviou-se. No entanto, já as outras se juntavam àquela que iniciara o ataque, encurralando-os num círculos de vassouras e chapéus ponteagudos.

        O medo assaltou. Fechou os olhos preparando-se para a dor que viesse.

        Mas em vez de dor, sentiu apenas a estranha familiaridade de um desconforto molhado e acordou, envolto em lençoís humedecidos.

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⏰ Última atualização: Jun 20, 2014 ⏰

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