I
Você poderia dizer que ser mutante já é o suficiente para sofrer discriminação. Sim, você poderia. Porque é verdade. Ser mutante é mais do que suficiente.
E a gente sofre, acredite.
Mas... e ser mutante e negro? Não, melhor: ser mutante, negro e gay. Não! Melhor ainda!: ser mutante, negro, gay e filho adotivo de dois dos mutantes que lideram a luta pelos direitos dos Homo superior ao redor do mundo.
Pois é. Prazer. Meu nome é Carlo e eu sou tudo isso que acabei de dizer ali em cima. Coisa demais pra repetir. Acho que você entendeu. Antes de dizer quem são os meus pais, permitam-me me apresentar.
II
Carlo caminhava pelo Instituto Xavier como quem caminha pela própria casa. Isso porque o Instituto Xavier — a grande mansão fundada pelo professor Charles Xavier, nome-maior na luta dos mutantes pela igualdade — é, de fato, a casa de Carlo. Enquanto seus colegas se dirigiam às salas de aula, Carlo saía descabelado e seminu de seu dormitório. Todos riram. Conheciam aquele garoto e nem se surpreendiam mais com esse tipo de episódio. Mais uma vez, Carlo estava atrasado. O maior problema, ele pensava, era o professor dessa primeira aula: seu pai, Robert.
Dessa vez, Carlo corria corredor afora por um motivo que preferia não espalhar —mesmo que com quase todo outro assunto sua boca se abrisse enormemente sem problema algum.
O rapaz vinha descobrindo uma grande afinidade (ou mais do que isso) com outro jovem mutante do Instituto Xavier, Oliver.
Noite passada, eles dormiram juntos pela primeira vez, e na manhã seguinte Oliver levou consigo, sem querer, uma pasta com os trabalhos de Oliver. Os trabalhos para a aula que tinha com o seu pai...
O rapaz só sentiu falta disso quando acordou. Mas ele não sentiu raiva de Oliver.
Mesmo atrasado, de cueca e meias pelo corredor e correndo o risco de receber um zero (e um grande sermão) de seu pai, Carlo não sentiu raiva de Oliver. Só conseguia vociferar baixinho, com um meio sorriso brotando em seu rosto.
Vinte e três minutos depois, ele estava cruzando a porta da sala de aula. Robert olhou-o torto, mas não disse nada. Por sorte ele estava vestido e o trabalho, de volta às suas mãos, estava muito bem-feito.
Oliver deixou um bilhete na pasta de Carlo: "A noite passada foi quente. Mas acho que não por causa dos teus poderes."
III
Robert Drake — ou Bobby. Homem de Gelo. Norte-americano. Membro original da famosa equipe X-Men. Pai de Carlo.
Roberto da Costa — ou Beto. Mancha Solar. Brasileiro. Membro original dos Novos Mutantes e ex Rei Negro do Clube do Inferno. Pai de Carlo.
Ambos professores do Instituto.
Depois dos trinta anos de idade, perceberam a atração — e, muito mais do que isso, a paixão — que nutriam um pelo outro. Juntaram coragem. Se juntaram.
Decidiram ter um filho. Foram ao Brasil encontrar uma criança que precisasse deles — do amor que eles estavam ansiosos para dedicar, juntos, a esse terceiro e pequeno indivíduo.
Carlo tinha sido abandonado pela mãe carioca. Ele não a culpava. Soube que era pobre e tinha mais seis filhos para cuidar. Não tinha mais condições.
Mas o rapaz teve sorte. Seus pais lhe amavam.
Seria no mínimo altamente improvável que o rapaz, dentre tantas crianças Homo sapiens que poderiam ter sido adotadas pelo casal mutante, também fosse mutante. Mas aconteceu. No DNA do menino, mais tarde, o gene X se manifestaria com força.
Com 14 anos, enquanto descobria os próprios prazeres no banho, Carlo descobria também que conseguia acelerar ou desacelerar moléculas de forma a aumentar ou reduzir — e mesmo retirar completamente — o calor da matéria. Naquele momento, na verdade, ele acabou colocando fogo em sua banheira com a velocidade de alguns poucos instantes. Quase como os desejos que ele descobria sentir.
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Carlo
General Fiction"Você poderia dizer que ser mutante já é o suficiente para sofrer discriminação. Sim, você poderia. Porque é verdade. Ser mutante é mais do que suficiente. E a gente sofre, acredite. Mas... e ser mutante e negro? Não, melhor: ser mutante, negro e ga...