quando eu me livrei da sua jaqueta.

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Como em um momento de catarse, em busca de purificar-me de tudo que ainda me atormenta, eu tenho uma confissão a fazer.

Sim, eu vesti sua jaqueta. Tantas vezes depois que você se foi que eu ao menos consigo lembrar de todas.

Eu pegava uma taça de vinho e passava em frente ao espelho, só pra vislumbrar mais uma vez como as mangas escondiam meus braços e o tecido tocava minhas coxas.

Tinha seu cheiro, aquele mesmo aroma suave e cítrico que combinava tanto com você. Lembra de como eu costumava chamar-te de limãozinho apenas para ver sua feição emburrada como resposta? Os lábios apertados em um pequeno bico e o nariz enrugado.

Outra confissão é que até hoje eu não consegui lavá-la, por medo de perder sua essência.

Até mesmo depois de ter manchado o colarinho com o vermelho intenso em uma daquelas danças tristes que fazia pelo meu apartamento, apertando o couro em meu corpo pra não me sentir sozinho.

Sei que não deves nem lembrar dessa tão só jaqueta, assim como não se recordas de como ela veio parar aqui.

Mas eu lembro da vez que, tão afobados, retiramos toda a vestimenta do corpo para nos amarmos mais. E ela ficou ali, pendurada no gancho atrás da porta da sala.

Nos dias bons, eu apenas sentava em meu sofá e a encarava, indagando-me se um dia você daria a falta dela ou se apenas se esqueceria assim como fizeras comigo.

Nos dias ruins eu andava até a minha geladeira, podendo ver nossas fotos coladas por todo o canto na porta da mesma. E uma mensagem sua escrita num post it ali, com a caligrafia feia mas seguida de um coraçãozinho bonito.

Contudo, acho que enfim chegou o momento. A hora de aceitar que você jamais passará por aquela porta novamente, jogando suas amadas botas no canto do corredor. E você jamais aparecerá com as costas nuas andando pelo meu carpete com a expressão sonolenta.

Não haverá mais caretas em frente ao espelho enquanto juntos, escovaríamos os dentes, espuma a sujar o espelho. Não haverá mais beijos com gosto de bolo e tardes estirados no chão ao assistir alguma série boba.

E agora, seguro-a em minha mão, sentindo a textura do couro escuro. Ciente de que uma vez que eu a deixo ir, você irá também, pra sempre.

E tento senti-lo. Tento me ligar a você, onde deve estar, será que também segura algo meu aí no seu refúgio que chama de lar? Talvez você esteja se perguntando o que fazer com ele.

Eu só peço pra que deixe ir também.

Pois, dessa vez, estranhamente, não fui mais capaz de sentir-te. Antes sua presença estava lá, mesmo que longe de mim. Mas agora não há nada, só uma vestimenta que não mais significa algo.

Então eu deixo de acreditar em nós. E nossas imagens pela minha casa já parecem sem cor.

Não mais Jungkook e Jimin.

Agora era Jimin.

e

Jungkook.

Em linhas diferentes e tempos distintos.

E como quem diz adeus, eu assisti às nossas memórias desaparecendo, rumo ao esquecimento. E quis lhe perguntar quando foi que você aceitou que tudo tinha acabado, pois pra mim fora quando eu deixei aquela jaqueta deslizar pra fora do meu corpo, caindo diretamente na caixa.

Aquela que possuía os dizeres gravados em caneta preta, em letras maiúsculas:

"Para se livrar."

catarse: processo para trazer à consciência do ser as emoções ou os sentimentos reprimidos, em seu próprio inconsciente, fazendo com que ele seja capaz de se libertar das consequências ou dos problemas que esses sentimentos lhe causam.

catarse; jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora