prólogo (GATILHO!)

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O homem tranca a porta do pavimento, enquanto lágrimas aquecem o pequeno rosto de Eleanor. Ela já não sabe mais porque chora, já que isso havia se tornado um hábito. Era a mesma coisa desde que a menina havia completado seus cinco anos de idade. Ganhara como presente de aniversário do tio o abuso e assim havia se repetido. Três anos haviam se passado e ela ainda ganhava o mesmo presente que o daquele ano. Era só sua mãe levá-la à casa do adorado irmão, tio da garota, para passar um final de semana, então sua alma era um pouco mais fragmentada. Tão pequena e já quebrada. O futuro não poderia ser mais feliz ou mais triste do que havia sido seu passado. Sua vida fora destruída e, mesmo com tão pouca idade, ela já tem consciência disso.

Ezequiel Collins é o nome de seu tio, que carrega o mesmo sobrenome que a garota. Ela ria secamente todas as vezes que o escutava, mesmo com o medo, que nunca era demonstrado por ela. Ezequiel era o nome de um Arcanjo, e seu tio, aos olhos dela, poderia representar qualquer coisa que não fosse boa e o mais longe possível de algo divino.

Depois de trancar a porta, Ezequiel se vira e encara Eleanor com seus grandes olhos negros. A menina tinha a impressão de que o tio ficava aguardando aquele momento ansiosamente durante toda a semana, todas as vezes que ele ocorria. Ele ordenou com sua voz áspera que a menina retirasse suas vestes e assim ela o fez. Depois, tirou as próprias, virou a garotinha de costas, curvando-a para cima dos entulhos do depósito apertado e fez o que sempre fazia violentamente. Eleanor fechou os olhos com força, fazendo com que inúmeras lágrimas rolassem. Ela não se permitiria fazer nenhum barulho sequer, não daria mais essa satisfação ao homem.

Tendo terminado o serviço, uma eternidade depois, ele vestiu a calça jeans e bufou. Destrancou a porta e saiu sem dizer uma única palavra, como se nada demais tivesse acontecido. Realmente, aquilo era um fato para ele, que mesmo se satisfazendo com a sobrinha, repetiria o ato com sua esposa, mesmo que não fosse rejeitado por ela.

Eleanor se senta no chão após colocar sua roupa, já não sentindo mais vontade de chorar. Tudo o que sente é um enorme vazio, que a consome de forma rápida, congelando cada um de seus sentimentos. Ela acumula um ódio cego por seu tio há três anos e agora ele parece surtir efeito. Ela já tem esta mesma sensação há meses, mas neste dia está sendo diferente. Todo o sentimento omitido e sufocado durante aquele tempo parece transbordar, vazando por cada um de seus poros, contaminando todo o seu corpo. Ela olha suas pernas curtas e pálidas, onde há marcas de queimaduras feitas por ela mesma, que sempre se culpou por tudo o que passa. Mas desde uns meses, aquilo era feito para um outro propósito: fazer com que ela sentisse algo durante a semana.

Ela sabe que está morta, o que não sabe é o porquê de só ela em seu próprio mundo passar por isso. Só resta para Eleanor uma saída: fazer com que todos sintam a dor que por anos ela também sentiu.

AmissaOnde histórias criam vida. Descubra agora