Que o Julgamento Comece!

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Ao primeiro toque dos sinos seus olhos pausadamente abriram-se. Um fato curioso, quando se observa as circunstâncias com a qual fora, e que agora se apresentava.

"Eis que enfim acordastes", como um sussurro a voz lhe dissera. À sua frente estava a verdadeira personificação da escuridão; ungida por preto, compactuada com o além. Os fios de seu cabelo não levantaram-se por ele já estar morto. Em verdade, estava um passo à frente da profunda morte, e um passo à menos do descanso.

Estava no limbo.

"Morri!" disse ele, enquanto olhava ao seu redor.

O barco continuava a andar, passando pelas escuras águas, atormentadas pelo remar do ser que remava. Ser este, que não se despunha a olhar para trás, vigiando agora o caminho pelo qual passavam.

"Morrestes", finalmente respondeu, mesmo que tivesse certeza que o humano que estava embarcado soubesse disso muito bem. O humano, porém, não esboçou reação se não a de profundo pesar.

"Eu vou pro inferno, não vou?" perguntou, olhando para a profunda água sem fundo.

Um riso. Se ainda escutasse poderia jurar que tinha escutado o ser rir. E escutava.

As águas ainda ondulavam, mas seu fluxo atingiu a inércia. O humano, hesitante, olhou para o ser que guiava, este que agora olhava diretamente para si. Os olhos arregalados em meio à uma face obsidiana, e as mãos apodrecidamente em carne viva; este, escarneceu em um riso maquiavélico até partir ao meio o barco, afundando pesadamente o remo. O humano se agarrou ao pedaço de barco restante, encolhendo-se em tão mísero estado que a figura não desfez seu sorriso.

"Estás morto. Mas não irá ao inferno. Assim como também não adentrarás tu ao Céu!"

"O QUÊ?! " gritou o humano com impertinente penúria.

O remo atingiu o rio, afundando ao fundo deste, com agora sua inércia sendo atordoada pelo pisar obscuro do ser ao resto do barco, que em passos lento buscava pegar o humano pelas vestes. Quando enfim o alcançou, lançou-lhe ao outro lado, com ele atingindo a terra seca e infértil. De maneira confusa, pôde ele ver que tinham chegado ao outro lado sem que o barqueiro rema-se.

"Não é de minha incumbência dizer-te-lhe o que te espera, mas é minha obrigação desejar-lhe sorte. Sorte a tu, humano, que sem direito ao Céu e ao Inferno criastes a primeira recusa múltipla", e voltou a rir enquanto pegava outro barco trazido por ondas calmas, mas espertas.

Atordoado, o que antes vivia em primeira instância não logrou de seus dons, mantendo-se em transe profundo por similar gargalhada que tal ser brandava. Ao sentir algo subir por seu corpo, levantou-se, vendo que vermes estavam tentando consumí-lo. Somente nesse devido momento pôde notar que suas vestes ainda eram as mesmas, e que por mais que o ser houvesse confirmado que estava morto, ele próprio não se lembrava do motivo. Não se lembrava, mas sentia uma leve dor em seu estômago, e ao abrir sua blusa, percebeu que a área se encontrava com cor estranha, e inchada. Lamurias fizeram de seu tormento fútil, e pelo único caminho restante vinham mais gritos de dores. Mas, o que poderia ele, um ser agora morto de forma desconhecida fazer? O ser que o trouxera somente voltaria para trazer outro, e não para levá-lo. Então, seguiu o único caminho que lhe restava, descendo inclinados degraus, enfim chegando ao ponto de ondem vinham murmúrios. Pessoas estavam aprisionadas, em igual situação constrangedora, despidas da vergonha comum a alguém vivo. Com certo estranho sentimento passou por elas, descendo mais degraus para chegar a um lugar relvado por árvore escuras, mortas de presença; exatamente igual ao local, que desprovia de uma só alma morta.Seus passos prosseguiram, até enfim escutar barulhos vindos de algum lugar adentro. Mas, adentrar a relvas escuras, sem luz, não lhe parecia boa ideia mesmo depois de morto. O ser que se escondia nas sombras observou enquanto consumido pelo medo tal deprimente alma se ia.

"Vejo que ainda prossegues o mesmo!"

Com tal afirmação decidida sendo dita, o que antes vivia voltou, observando o ser que agora saia das sombras, mostrando o brilho antes abafado pelas relvas.

"Você me conhece?" perguntou, e outro respondeu com um lindo sorriso pacífico: "Conheço mais do que imaginas, e do que sabes".

As palavras saiam de forma tão confiante do outro que parecia ser verdade, mas aquilo não lhe pareceu correto, afinal, quem saberia tanto sobre ele? Imaginava que o ser poderia bisbilhotar sua vida, mas não imaginava o quanto aquele em particular poderia saber. Tomando outra forma o espírito abriu assas brancas; brancas ao ponto de parecerem roubar a luz do próprio sol, voltando a recolhê-las.

'Se eu lhe dissesse antes: 'Eu cuidei de você' sem usar normas e padrões aqui impostos, acreditarias em mim?'.

O humano sentia que deveria mentir, mas o olhar penetrante e claro do espírito quase o incitavam a dizer a verdade, por isso, negou.

"Então acreditas no que podes ver? Mas o que vê pode enganar-te!", e dizendo isso avançou. Garras apertaram fortemente a garganta do antes vivo, com esse percebendo que os olhos de tal criatura agora eram escuros, carregados por um único feixe vermelho que transpassava maldade. Seu corpo agora era regido por uma cor tão escura quanto a relva, e um rabo surgiu, mostrando que agora era um quadrúpede

"Posso devorar-te, ou mandar tal corpo patético como este seu para o baixo piso do inferno!'' disse com a boca aberta, escancarando tal esqueleto dentário digno de bestas infernais; e continuou: ''MESMO ASSIM, ainda acreditas em mim, somente porque viu uma forma patética reluzente!?"

O humano afirmou. Afirmou, porque era de sua natureza não contestar quando via estar em desvantagem.

"Tolo! Tolo! '' O ser brandiu '' Inocente es tu! Mas não sou eu quem te julgará, e dirá o que és, porque a mim nunca me coube isso. Assim como também nunca foi minha obrigação fazer isso, mas você é burro, e eu queria te dizer isso por todos os anos que tive que te aturar!", o ser gritou, deixando aos poucos o linguajar formal a medida que voltava aos poucos a forma anterior.

O antes vivo respirou fundo, vendo que podia respirar. Vendo que não estava morto, afinal.

"Você está vivo. Assim como também está morto'' Explicou ''O barqueiro deve ter te dito isso''.

"Por que agora fala como se fosse um humano?"

"Irei parecer melhor só por palavras?"

Dessa vez o humano negou firmemente. Não queria passar pela mesma situação anterior por ter escolhido a resposta errada.

O ser estendeu a mão a ele, que a aceitou.

"Não deveria ser aqui seu destino, mas antecipado pela curiosidade acabastes descendo mais do que deveria, não me esperando. Se cruza-se aquele portal estaria no segundo piso, e de lá para baixo iria se deparar com coisas muito piores", enquanto falava, o humano admirava enorme beleza, como também, não poderia se esquecer da mesma dose de maudade que lhe fora apresentada. O belo espírito o envolveu em assas, abrindo segundos depois, deixando a vista o lugar aonde o ser deprimente passaria por julgamento. Uma cadeira estava à sua frente, sendo nada mais que uma simples cadeira, mas à frente desta havia um júri.

"Sente-se" pediu o espírito. Assim o fez, encostando as costas na dura madeira da cadeira. Agonizando em nervosismo, engoliu em seco algo sem gosto que desceu por sua garganta.

Todos remetiam seus olhares ao centro, aonde este estava. Um ser, parecido com uma criança, sentava-se no centro de uma alta plataforma que se tal ser penoso se lembrasse assimilaria ao posto de juiz.

"Então... Começaremos agora a cerimônia que determinará o futuro da humanidade! " o agora não mais humano inclinou a cabeça, querendo explicações, mas não se atreveu a fazê-las "Decidiremos o futuro de todos os seres pertencentes a esfera azul usando como base este humano!O julgamento deste decidirá o futuro que daremos a todo o resto da humanidade!"

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