A Princesa e o Guarda

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Nós não vemos a brisa que nos toca, mas podemos senti-la — argumentou, olhando-a fixamente. — Ninguém vê o amor entre pessoas tão diferentes, mas podemos senti-lo.

O jovem estendeu sua mão na direção dela e repousou-a com cuidado em seu peito. Sentiu o coração da moça pular agitadamente.

— Eu posso senti-lo.

Ela tratou de se afastar imediatamente, pois sabia que sua pulsação frenética a entregaria. Seu coração era o único incapaz de esconder aquele sentimento tão possante que a tomava desde aquela noite. Mas o rapaz não se intimidou e deu alguns passos à frente. A jovem quis recuar, porém seus pés simplesmente travaram no lugar.

— Sabemos o que aconteceu ali — insistiu.

A boca dele havia se achegado a dela numa distância que etiqueta alguma jamais permitiria. Eram sequer comprometidos. E, mesmo se estivessem prestes a casarem-se, era inadmissível uma moça a sós com um homem na escuridão da noite em meio ao nada. Ainda mais tratando-se da princesa herdeira.

— Não pode negar que foi real — sussurrou roucamente.

Os lábios do moço estavam mais próximos que o que ela lembrava, e a jovem estremeceu com o som de sua voz baixa e grave porém suave, que sincronizou com a respiração dele tocando sua boca. Ânica fechou os olhos em reação a proximidade do rapaz e recordou aquela noite.

Estavam sob o céu estrelado e iluminados pela luz da lua, como agora. A clareira também era a mesma. O vento que soprava era ligeiramente frio e trazia consigo o perfume da paisagem a volta: centenas de flores brancas cobrindo a vastidão daquela relva em aberto, circundada por imensas árvores. A clareira era para onde sempre iam, desde pequenos. Era difícil sair às escondidas, mas eles sempre conseguiam uma forma de fazê-lo. Lá, não teriam os olhares de reprovação. Lá, eram apenas duas pessoas que gostavam da companhia do outro. Lá, ninguém distinguiria a princesa herdeira do trono do soldado membro da guarda real.

Jason a arrastara do maçante e típico baile em oficialização do noivado com o príncipe. O destino de Ânica seria selado a um rapaz que sequer conhecia, apenas para que reinos formassem alianças.

Estavam em meio a uma conversa, quando, num inesperado instante, seus olhares se cruzaram de uma maneira diferente. Ali, algo intenso os envolveu, e, de repente, pareciam incapazes de desviarem os olhos um do outro. A moça sempre usara seus cabelos ruivos presos em um penteado sofisticado, mas, naquela ocasião, estavam soltos, e ele se viu encantado. Pareciam cascatas caindo por seus ombros, de uma cor flamejante que era como se o sol estivesse presente em plena noite. Ela estava excepcionalmente linda.

Ânica sempre o admirara, o rapaz companheiro e divertido que a fazia rir em seus momentos tristes. Amigos secretos de há muito. Era um homem muito bonito. De porte grande e forte, que estagnaria qualquer moça que o olhasse. Cabelos negros ondulados a altura do ombro, traços harmoniosos no rosto e uma pele bronzeada. Mas Jason era apenas um soldado da guarda real, e seus pais jamais aceitariam sua união com um plebeu. Princesas casavam-se apenas com príncipes. As alianças eram essenciais para o poderio e riqueza do reino.

Quando os olhos expressavam coisas que não conseguiam dizer, ele a chamou para dançar. Uma das mãos dele segurou a cintura dela, e, quando ele a puxou levemente para si, Ânica sentiu um calor estranho subir por seu corpo. Ela repousou sua mão sobre o ombro do jovem e, então, as mãos livres de ambos se entrelaçaram. Começaram com passos lentos, para frente e para trás, os olhares ainda cravados um no outro. Dançaram para um lado e para o outro, os rostos tão próximos que podiam sentir as respirações se misturarem. A música que tocava era o som dos dois corações batendo vigorosamente, e eles guiavam cada passada que davam, numa mágica sintonia que inebriava seus sentidos.

Jason a rodopiou. Ela foi, seguida pelo vento que esvoaçava seus cabelos, deixando o perfume doce das madeixas vermelhas para que envolvesse o rapaz. E, quando voltou, estava em seus braços. Ânica resfolegou, aturdida com tantas sensações que a invadiam. Ele também não estava diferente, sempre nutriu um deslumbre pela ruiva de olhos mais azuis que um céu límpido num dia de sol, os quais via todas as noites sempre que sonhava, mas, jamais teve coragem de admitir, pois havia um grande abismo que os separava.

Naquela noite, porém, Jason decidiu que mudaria as coisas. Não havia mais como ignorar a chama que ardia dentro de seu coração pela princesa. Ergueu sua mão e pôs as mechas de cabelos que caiam sobre os olhos da moça atrás da orelha. Deslizou seus dedos pela pele macia de sua face, até que seguraram o queixo dela.

Jason ergueu, com gentileza, o rosto da linda jovem a sua frente.

Ânica parou de respirar, e seu coração batia tão forte que temeu que ele pudesse ouvir. Sabia o que aconteceria, e desejou saber como seria ter os lábios cheios do rapaz nos seus. Quando os dedos da mão livre de Jason tocaram seu braço e deslizaram por ele, sentiu todos os pelos de seu corpo eriçarem. Não imaginou que outra pessoa pudesse lhe causar tantas sensações.

Ela queria, estava convicta disso. No entanto, quando a boca do jovem ficou a uma milimétrica distância da sua, recuou.

Como diria ao rei e a rainha que não desejava casar-se com o príncipe? Como lhes contaria que seu coração pertencia a um simples plebeu? Ela não tinha coragem, temia também que tentassem contra Jason, por ter tido a audácia de envolver-se com a princesa.

Agora, ele a compelira a ir àquela clareira outra vez. Insistia numa ilusão criada por seus corações. Tratava-se da realidade, não de um conto de fadas. Fora ensinada que o amor não existia, era uma mera fantasia da qual eram adeptos os fracos. Ânica tinha um dever a cumprir. Uma aliança a selar.

Quando voltou a si e pretendeu abrir os olhos, os lábios do soldado haviam se fechado em seu lábio inferior.

Não havia mais volta.

FIM

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