CECÍLIATrês anos atrás
– Filha, levanta dessa cama agora – minha mãe gritava com um ar nervoso e choroso ao mesmo tempo – ou eu vou tirar você daí com um balde de água fria e eu não estou brincando!
– Já tô no banho, mãe! – gritei, enquanto tentava me levantar do chão do banheiro, com a água caindo sobre mim.
Não sabia o que fazer. Não conseguia entender o motivo de tamanho abandono por parte do Felipe. Nós éramos os melhores amigos do mundo e tudo o que uma garota podia querer – encontrar o amor em seu melhor amigo – eu havia encontrado. Nós havíamos nos encontrado nessa linha de mão dupla e nos tornamos namorados. Para isso, assumi os riscos de um relacionamento não aceito pela minha família, por puro preconceito, e havia mudado toda minha vida, ido contra todos para viver esse amor. Mas, e agora?
Saí do banho e me olhei no espelho de corpo inteiro, pela primeira vez naquela semana. Havia tempos que não gostava mais do que via no nele. Emagreci muito em um curto período de tempo. Estava tão magra quanto ele e conseguia ver os ossos da minha clavícula saltados. Meu olhar estava perdido, mas isso era bem óbvio, já que eu mesma me sentia perdida. Além disso, eles estavam com olheiras e vermelhos, sinais da falta de uma boa noite de sono – ou várias. Até os meus cabelos castanhos, que um dia já foram brilhantes, haviam perdido o brilho.
Eu mesma havia perdido o brilho, a confiança e até o amor-próprio. Não sabia mais quem eu era, quem estava comigo e quem havia pulado fora do barco que era minha vida, prevendo que ele afundaria. Mas uma coisa era certa: às 3:23 da manhã, um estranho, que me lembro de tê-lo achado lindo, mas que agora me parecia nublado, estava lá naquela confusão de pessoas bêbadas com beijos triplos ou quádruplos – isso também estava nublado – e além de me levar sã e salva para casa, ainda conseguiu arrancar um raro sorriso sincero do meu rosto.
Resolvi parar com toda aquela tortura em frente ao espelho e vesti uma roupa limpa, peguei minha bolsa, tirei o resto da maquiagem que não havia saído no banho e resolvi sair assim. De cara limpa, pela primeira vez em meses.
Minha mãe me olhou, enquanto eu pegava pedaço de queijo e sorriu pra mim. Vi seus olhos se encherem de lágrimas ao me olhar e, repentinamente, me puxar para um abraço.
– Eu consigo ver seus olhos, filha. Pela primeira vez em nem sei quanto tempo, estou vendo seus olhos e eles estão tristes. – ela disse com pesar.
Apertei a minha mãe bem forte, disse que a amava e saí. Mas não fui à aula. Fiquei vagando por um tempo até que me encontrei sentada na calçada da porta dele.
Liguei. Liguei diversas vezes em seu celular, mas ele não atendeu. Liguei em casa e ouvi o telefone tocar até cair a ligação. Quando sua mãe me atendeu na porta, achei que conseguiria falar com ele. Ledo engano. Como sempre, ele não estava em casa e ela fechou a porta. Muito educada, o que mais doía. Foi aí que me vi no reflexo do celular. Olhos inchados e nariz vermelho de tanto chorar. Foi naquele momento que eu decidi que ainda havia tempo de me salvar e eu precisa fazer isso por mim mesma.
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(Nos)sos Nós
Teen FictionCapítulos novos às SEXTAS! "(Nos)sos Nós" é um projeto de uma vida, sobre vidas. No cenário da literatura nacional, é um tabu falar sobre jovens com doenças incuráveis. Jovens que apoiam uns aos outros, sem competições, sem medos. Jovens que, destem...