Memórias De Drey Müller

1- Passado

Era 6:35 da manhã e a luz suave da manhã filtrava-se pelas cortinas da sala de estar, lançando um brilho dourado sobre as estantes repletas de quadrinhos e livros. André Müller, agora um homem de sucesso e renomado desenhista de HQs, estava sentado em seu escritório, cercado por pilhas de papel e canetas coloridas. Sua mente estava mais focada nas novas histórias que precisava criar do que nas memórias do passado que parecia ter enterrado há muito tempo.Sobre sua escrivaninha, sempre havia uma caneca de café, um presente especial de seu filho, Pedro. O café ainda estava quente, o aroma preenchendo o ambiente e oferecendo uma sensação de conforto.Seu filho, Pedro, um garoto de 10 anos com uma curiosidade insaciável, entrou na sala com um caderno em mãos. Ele tinha um olhar de determinação no rosto, misturado com uma pitada de ansiedade.— Papai, você pode me ajudar com um trabalho da escola? — Pedro perguntou, com um tom que misturava expectativa e um toque de nervosismo.Drey olhou para o filho, sorrindo. A luz que entrava pela janela destacava o brilho nos olhos de Pedro, um reflexo claro da sua própria paixão e determinação. Ele se recostou na cadeira e acenou para que Pedro se aproximasse.— Claro, filho. O que você precisa?Pedro hesitou por um momento, abrindo o caderno para revelar uma folha em branco e um título em letras grandes: "Histórias de Família". Ele levantou os olhos para Drey, que percebeu a pergunta não feita que estava pairando no ar.— Bem, eu preciso escrever sobre os meus avós. E eu queria saber mais sobre o avô que eu nunca conheci. — Pedro disse, com um tom de curiosidade sincera.Drey sentiu um aperto no peito ao ouvir a pergunta. Seu pai, Noé, era uma sombra em sua vida, uma parte do passado que ele havia tentado esconder de todos, inclusive de seu próprio filho. Noé tinha sido uma presença turbulenta, uma figura que evocava tanto medo quanto tristeza em Drey.Flavia, a esposa de Drey, estava na cozinha, preparando o café da manhã. Ela percebeu a conversa e se aproximou, colocando a mão suavemente no ombro de Drey.— Talvez seja um bom momento para você compartilhar um pouco da sua história com Pedro. — Flavia sugeriu, com um sorriso encorajador. — Às vezes, falar sobre o passado pode ajudar a entender melhor o presente.Drey olhou para Flavia, e então para Pedro, que esperava ansiosamente. Ele sabia que era a hora de enfrentar o passado, de abrir a caixa de memórias que havia guardado com tanto cuidado.— Tudo bem, Pedro. Vou te contar sobre o seu avô, mesmo que seja uma história um pouco difícil de lembrar.Com um suspiro profundo, Drey começou a falar. A luz da manhã parecia enfraquecer, dando lugar a um tom mais sombrio enquanto ele se preparava para relembrar o passado.O início da história de Drey começa com um dia ensolarado, mas seu passado é tudo menos brilhante. A narrativa o leva de volta aos anos 70, para um posto de gasolina em São Paulo, onde tudo começou.Maria, uma jovem militante contra a censura da ditadura militar, parou em um posto de gasolina, o vento brincando com suas roupas enquanto ela falava fervorosamente sobre política. Ela era uma artista de rua, apaixonada pela liberdade de expressão, e suas pinturas vibrantes capturavam a essência da luta pela democracia.Foi nesse posto de gasolina que Maria conheceu Noé. Ele era um ex-militar, e suas opiniões políticas contrastavam fortemente com as de Maria. Eles tiveram um debate acalorado sobre a situação política do país, e as tensões entre eles se transformaram em uma atração inesperada. O debate que começou como uma disputa ideológica acabou se transformando em uma conexão profunda.Maria e Noé passaram a se encontrar com frequência, seus encontros se tornando momentos de paixão e conflito. No início, parecia que poderiam superar qualquer diferença, mas logo as tensões começaram a se manifestar de forma mais pessoal.O tempo passou e, de volta ao presente, Drey continuou sua história para Pedro. Ele contou sobre o nascimento de sua mãe, Maria, e como, inicialmente, o amor entre ela e Noé parecia promissor.— No começo, as coisas eram diferentes. Havia uma paixão entre eles que era quase palpável. Mas, à medida que o tempo passava, as diferenças se tornaram mais evidentes.Drey descreveu como a descoberta da gravidez de Maria mudou Noé. Ele começou a se afastar, sua raiva e frustração se tornando mais evidentes. A expulsão do exército apenas acentuou seu ressentimento, e as discussões entre eles se tornaram mais frequentes e intensas.Maria, no entanto, continuava a ser uma presença amorosa e encorajadora para Drey. Ela o inspirava com seu amor pela arte e sua determinação de criar um futuro melhor para eles. Apesar das dificuldades, ela sempre se esforçava para manter um ambiente acolhedor e seguro para seu filho.Drey lembrou-se das noites em que sua mãe ficava acordada, pintando e falando sobre os sonhos que tinha para ele, e das tardes em que ela o levava para a praça e ele se sentia parte de algo maior do que ele mesmo.—Drey se voltou para Pedro, que ouvia atentamente, absorvendo cada palavra.— E o que aconteceu com o avô? — Pedro perguntou, sua curiosidade evidente.Drey hesitou, sentindo o peso da tristeza e da dor. Ele sabia que precisava contar a verdade, mas também sabia que não seria fácil.— Depois de um tempo, as coisas ficaram muito difíceis. O avô se afastou e se tornou uma pessoa que eu não conseguia entender. Quando eu era jovem, ele acabou causando uma tragédia que mudou nossas vidas para sempre.Pedro olhou para o pai, os olhos cheios de perguntas não feitas. Drey sabia que a história estava longe de terminar, mas havia começado a enfrentar o passado de uma maneira que nunca havia feito antes.A manhã continuava tranquila, mas a história de Drey havia trazido à tona uma série de emoções e memórias. Flavia observava de perto, admirando a coragem de Drey em compartilhar sua história com Pedro.Drey continuou a contar sua história, sabendo que cada palavra era um passo em direção à cura e ao entendimento. O passado, embora doloroso, estava agora se tornando parte de um novo começo para sua família.Capítulo