O que aconteceu naquele verão.

69 7 5
                                    

Há quem diga que todas as noites são de sonhos.

Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

- William Shakespeare, Sonho de Uma Noite de Verão (1594-1596).

As mãos de Simon passeavam calma e delicadamente pelo torso esguio de Isabelle enquanto os dois rodopiavam pelo imenso salão repleto de pessoas mascaradas que riam e se esbaldavam com os pequenos aperitivos que eram servidos.

A música ficou mais rápida e Simon começou a dançar de verdade, jogando a garota no ar para então embala-lá em seus braços, passeando mais livremente pelo cômodo agora que os convidados se dirigiam as mesas dispostas pelo espaço ou dançavam mais reservadamente. Os olhos do garoto brilhavam por trás da elaborada máscara enquanto a respiração de Isabelle se tornava mais ofegante e suas bochechas rosadas. Aquilo era fácil, Isabelle pensou, há muito que não se sentia tão plena. Estar com Simon era como uma brisa fresca em um dia quente, não havia preocupações nem obstáculos que os dois não pudessem ultrapassar, não havia nada nem ninguém capaz de pará-los, ao menos não naquela noite.

Foi tudo muito fácil. Em um minuto os dois estavam no meio do lugar, atraindo toda atenção, no outro, estavam correndo rapidamente pelos extensos corredores do casarão, parando uma vez ou outra para checar se estavam sendo seguidos. Logo, desembocaram na rua deserta, onde uma simples carruagem com dois cavalos o esperavam, ideia de Clary. Isabelle e Simon se sentaram lado a lado no lugar do cocheiro e partiram em disparada pelas estradas íngremes e desformes da capital. A garota acreditava que o som acelerado de seu coração era audível a quilômetros, a adrenalina a dominava por inteiro. Certamente seria questão de minutos até notarem seu desaparecimento, e logo viriam a sua procura, por isso precisavam ser rápidos.

Em algum momento, Isabelle percebeu que ambos ainda estavam de máscaras, e no meio do processo de retirá-las, beijou Simon, o beijou com tanta intensidade que a carruagem tremeu. Foi algo breve, mas o bastante. Simon sorriu daquele jeito adorável que sabia que Isabelle gostava, e o sentimento que dominou a garota era forte o bastante para impulsioná-la a beijá-lo novamente, agora com mais calma.

Cavalgaram a maior parte da noite e Isabelle adormeceu logo antes do alvorecer, descansando a cabeça no ombro de Simon, que havia diminuído o ritmo e ia mais devagar.

Não havia um ponto de chegada, os dois apenas estavam fugindo em direção a lugar nenhum. Se não fosse pela vontade maluca de Maryse de casar a filha com o visconde Meliorn Faerie, a fuga não seria necessária. Desde que o anuncio do noivado, Isabelle vivia temorosa por seu futuro. O visconde sempre havia deixado explícito seu desejo irracional de desposar a única filha dos Lightwood, custasse o que fosse. Meliorn era conhecido pelo gênio forte e pelo comportamento instável. Todos o receavam, e Isabelle sabia que aquela união era apenas um disfarce para irritá-la, já que a garota sempre havia deixado claro seu apreço por Simon e pela família Lovelace. E Maryse, uma mulher esperta, sabia ler as entrelinhas. Ela sabia que o que a filha sentia pelo garoto era muito mais que apreço.

A única saída era partir. Juntos, Isabelle e Simon arquitetaram um plano de fuga, com a ajuda de Alec e de Clary, e até agora estavam sendo bem sucedidos. Embora não tivessem ideia do que fazer em seguida, saber que agora podiam ficar juntos sem nada os impedindo já era o bastante.

Era verão, a estação mais bela do ano. O sol brilhava entre as folhas de uma árvore, cegando Simon. Os cavalos descansavam sobre a grama e Isabelle estava deitada ao seu lado, observando-o com olhos castanhos amorosos, cheios de devoção. Era estranho que logo ela, Isabelle Lightwood, em toda sua glória e beleza, tinha se apaixonado logo por ele, mas não existia razão nas coisas feitas pelo coração.

Foram incontáveis as noites compartilhadas sob o céu estrelado. Simon gostava de falar sobre constelações e planetas e Isabelle ouvia atentamente. As manhãs eram mais duras. O começo da mesma rotina. Andar sem rumo até encontrar alguém bondoso disposto a acolhê-los, ou um esconderijo entre os bosques onde pudessem passar as noites sem serem incomodados. Isabelle acreditava que poderia viver assim, apenas vagando por aí, contanto que Simon estivesse presente. As noites eram mais fáceis. Poder usufruir da solidão que a escuridão proporcionava e fingir que tudo estava bem.

Também era difícil saber que dias eram, e logo o outono chegaria, levando toda cor e o calor.

Isabelle e Simon viveram uma vida inteira em dias contados de verão, e se amaram com um amor intenso demais para ser descrito com palavras. Compartilharam inúmeras noites sob o céu estrelado, contando histórias e fazendo planos. Se uniram de todas as formas possíveis, carnais e espirituais. Os melhores dias de suas vidas, mesmo que fossem os últimos.

Aconteceu em uma manhã nublada, onde toda a cor parecia ter sido varrida da superfície terrestre. O Sol não brilhava e os pássaros não cantavam. A atmosfera era triste, como se o mundo soubesse do que viria a acontecer.

Isabelle foi a primeira a notar. Estavam em uma ampla campina, onde apenas uma imensidão verde era visível. Seus cavalos e pertences haviam sumido e estavam cercados com o que parecia galhos e troncos secos. Demorou poucos segundos para avistar a figura parada observando tudo com olhos interessados, então o cheiro atingiu as narinas da garota.

Isabelle só teve tempo em acordar Simon, que parecia atordoado. O fogo queimava os tocos de madeira com uma velocidade surpreendente. Meliorn começou a dar as costas para os dois, ignorando os dois. O desespero de Simon era evidente, mas não havia escapatória, não havia nada que pudesse salvá-los.

— Eu costumava imaginar como seria ser amado por você. É reconfortante saber que irei morrer podendo saber como é essa sensação. — Simon disse, e então a beijou, com mais delicadeza que o habitual, como um gesto de despedida. — Eu amo você.

— Eu sei.

Os dois ainda estavam abraçados quando as chamas os alcançaram, os consumindo por completo.

Tudo aquilo não passou de um sonho, um sonho... de uma noite de verão.

FIM.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: May 06, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Noites de VerãoWhere stories live. Discover now