Capítulo Único

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Os dedos delgados bailavam sobre as teclas do piano com muita maestria, hipnotizando cada ouvinte, fazendo-os flutuar pelo vácuo com pensamentos melancólicos. Esses eram os efeitos que o vinho ou o álcool deveriam produzir sobre cada convidado, embriagando-os com o doce som do piano.

Nem ao menos Glória Sheeran, conseguia reter as sensações que aquele som melódico causava em suas entranhas. Mas diferente dos outrem ao seu redor, não era apenas o som que era produzido que a enfeitiçava. Mas o todo da cena, principalmente o dono daqueles dedos delgados, habilidosos, um dom até então desconhecido por ela, do filho mais novo dos Verniz; Thomas.

Ela estava estupefata. Seu coração antes muito inquieto por apenas estar ali, retumbava e pulsava assiduamente em seus ouvidos, sussurrando novamente seus temores mais temíveis. Nunca conseguira esconder aquilo que desejava tão profundamente que ficasse em oculto, havia trabalhado tanto para encobrir a verdade que seu coração gritava a todo instante durante sua tão infindável adolescência. Odiava aquilo com todas as suas forças.

Nunca o havia superado. O garoto inalcançável, *seu eterno primeiro amor*.

Quando resolveu entrar pelas portas do hall de entrada com seu melhor vestido, a melhor aparência que pode criar com horas de prática na frente do espelho. Estava decidida; Não demonstraria qualquer tipo de fraqueza.

Mas parecia tão fácil em sua cabeça a três horas atrás... Agora seus planos ruíram como muralhas do mais penoso material.

Quem diria que depois de seis anos fora, o Verniz caçula se tornaria ainda mais belo? 

Um homem muito atraente.Pensou formalmente, se impedindo de praguejar. 

Glória nunca havia notado que embora, o pouco tempo que esteve fora de forma proposital havia sido apenas uma desculpa frívola para amenizar os ânimos de seu coração estúpido. Um órgão vital que parecia ter muito prazer em desgastar seu corpo e mente com um homem que nunca a olhou por mais de dois minutos em uma conversa.

Ela não soube explicar muito bem, ou exatamente quando tudo isso começou. Era apenas uma mimada garotinha com os mesmas Mariachiquinhas que por o acaso acabou conhecendo o homem mais sombrio de toda a Nova York, Alan Paul Verniz. O sócio de seu pai de muitos anos, que por acaso ou antecipação das ironias da vida, seu padrinho. Por mais inacreditável que possa parecer, ele permaneceu por pouco tempo em seu campo de visão quando outra figura completamente nova se apossou de sua atenção. E dali, de forma tímida atrás das coxas de seu pai, viu um garotinho muito bem vestido, calado e silencioso. Se ele não houvesse se destacado, ela não o teria notado. Os cabelos muito loiros, as orelhas meio grandes, os lábios finos presos entre os dentes, e sua postura tão rígida e desconfortável para Glória, que com esforço não conseguiu compreender. Sua atenção se fixou no rosto vazio, igual ao do pai, porém havia algo de diferente naquela expressão tão demasiadamente escura. Um algo que tocou seu interesse de forma tão forte, que por um minuto de coragem ela ousou sair de trás das pernas de seu pai, apenas para ver melhor;Tristeza. Um sentimento profundo que deixava os olhos azuis do garoto em um tom cinzento, como o vidro embacado pelo frio. Embora aquilo que deveria parecer uma imagem melancólica e feia, a pequena Glória se deixou encantar por esse detalhe, achando-o o ser mais bonito que poderia ter visto, mesmo no meio de tantos contos de fadas lidos por sua mãe, com seres mágicos, corcéis, fadas e princesas encantadas.

E antes mesmo que pudesse perceber, ela só pensava nele, e tudo o que alguém pudesse lhe dizer sobre ele, Glória ouvia em completo interesse.

Porém, diferente de tudo, havia um pequeno detalhe que ela ignorou durante um tempo. Enquanto durante anos ela o espiou de soslaio, por trás de chicaras de chás, e livros romancistas, teve o prazer de refletir que ele nunca lhe dirigira a palavra, nunca havia se dado o trabalho de dar um passo para cumprimentá-la ou ao menos por acidente trombando com os olhos. Mesmo inserida muitas vezes no mesmo círculo social de Thomas Verniz, eles nunca haviam se falado.

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