O Mistério da Corda

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A cidade de Cachoeira do Itaperambique não era bem o que se podia chamar de cidade grande. Com sua modesta população de 642 habitantes, 55 cavalos, mil e tantas vacas e 1383 cachorros — ou melhor, 1384 cachorros... 1385... 1386?! Uau, 1387 cachorros?! Bem, então... com sua modesta população de 642 habitantes, 55 cavalos, mil e tantas vacas e 1387 cachorros (contando com a nova ninhada da cachorra do sr. Samuel), a cidade de Cachoeira do Itaperambique era aquele tipo raro de lugar em que todo mundo se conhece pelo nome e pela profissão. Era um recanto praticamente aos moldes da Idade Média, com Artur Pendragão e seus cavaleiros da távola redonda, mas agora naturalmente em um molde mais regionalista, com Artur da Padaria e os meninos da entrega em domicílio.

Exatamente por não ser uma daquelas cidades grandes em que ninguém se conhece, a interação inter-itaperambiquense parecia uma norma aonde quer que se fosse: na cidade, as pessoas passavam mais tempo proseando que não proseando, e, se o cidadão de Cachoeira do Itaperambique, ao cruzar com um outro na rua, não puxasse ao menos o assunto do tempo, do sermão do vigário, das regalias do prefeito ou da nova ninhada da cachorra do sr. Samuel, seria eternamente malvisto por todos os companheiros.

Em suma, todo itaperambiquense sabia de toda Cachoeira do Itaperambique, e toda Cachoeira do Itaperambique sabia de todo itaperambiquense.

Com esse espírito de união tão bonito entre as pessoas, é natural concluir que qualquer acontecimento na cidade, por mais irrelevante que fosse, se "espalhava assim, ó: como caxumba", de tão rápido (para não perder a oportunidade de citar um clássico trecho da sabedoria popular itaperambiquense).

E, assim, quando uma imensa corda surgiu do nada, da noite para o dia, nos fundos do bazar de Dona Mocinha, em pouquíssimos instantes todos os curiosos itaperambiquenses já haviam se amontoado ao seu redor, os olhinhos arregalados, especulando sobre o que aquele misterioso objeto devia significar.

Uma corda? Uma corda que descia dos céus como o badalo de um sino, como se estivesse pendurada nas nuvens? Não, aquilo definitivamente não acontecia todo dia. Onde devia dar a outra ponta? Estava presa em quê?

Em meio a tantas perguntas sem resposta, os mais ousados até tentaram mexer na corda, sacudi-la, puxá-la, na esperança de encontrar alguma coisa que pudesse explicar aquela tão súbita aparição. Porém, por mais que procurassem explicações sobrenaturais para aquele evento tão incomum na cidade de Cachoeira do Itaperambique, a corda que surgiu na calada da noite parecia ser feita de nada mais nada menos que... corda.

— Deve ser coisa do prefeito — disse um desconfiado itaperambiquense.

Ao que um outro questionou:

— E por que que aquele diabo ia botar uma corda assim, no meio do nada, Zé?

— Pra campanha dele, uai! — Respondeu o homem. — A cada ano que passa ele inventa um trem mais doido pra se reeleger. — E começou a contar nos dedos: — Foi o concurso de cachorro mais bonito, o festival da berinjela, a corrida de vaca...

Mas o segundo itaperambiquense interrompeu sem a menor cerimônia:

— Ah, duvideo-dó! Isso tá esquisito demais pra ser campanha.

— É verdade — concordou Dona Mocinha. — Isso num tem cara de propaganda, Zé. O gordo num deve tá sabendo de nada. Vai é ficá tão de cara quanto a gente quando vir a corda.

— Então o quê?! — Perguntou Zé. — Se num foi o prefeito, quem é que foi?

Nesse instante, porém, do mesmo jeito que uma assombração surge quando repetem seu nome três vezes, o prefeito de Cachoeira do Itaperambique surgiu entre o povo, acompanhado de perto por seu assistente.

O Mistério da CordaOnde histórias criam vida. Descubra agora