Capítulo Único

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Barulho. Era o que Marília percebia mais distintamente em meio à atmosfera humana ao seu redor. Não sabia se estava em um fluxo ou era somente uma massa, momentos de confusão eram comuns quando ficava entre tantas pessoas assim. Mas precisava praticar. Era só "lá fora", afinal, onde boa parte da vida se desenrolava. Ou pelo menos a de quem se dispunha. Pôs-se a atravessar a rua ao notar que o sinal esverdeara, seus pensamentos avançando um a um tão rápido quanto seus passos, um hábito que desenvolvera para manter o ritmo de suas ideias.

Era noite e a forte iluminação nos prédios contrastava com a expressão das pessoas pelas quais Marília passava. Não havia luz nenhuma nelas, apenas o cansaço. Sem prazer pelo dia de trabalho. Não, não era assim que eles pensavam. Alegravam-se somente com o fim, esquecendo-se de que o meio também era importante. Logo freou esses pensamentos, porém. Temia que no futuro se tornasse aquilo que tanto observava e achava ruim. Além do mais, tinha seus próprios problemas. Preferia manter-se quieta em suas preocupações ao invés de julgar despropositadamente a vida dos outros.

Sentiu fome e resolveu ir a uma lanchonete perto de onde estava. Era um de seus lugares favoritos na cidade quando se tratava de comida e às vezes, mesmo estando longe, ia até lá para satisfazer uma de suas necessidades mais primitivas. Uns poucos minutos de caminhada e contemplava uma vitrine tomada de doces, salgados e outras guloseimas. Entrou e sorriu, aliviada por estar vazio. Escolheu uma mesa reservada, mas a partir da qual poderia ver a porta. Pediu uma pizza média e um copo de suco de cacau com leite, distraindo-se então com um livro que trazia em sua bolsa.

Algum tempo depois, seu pedido chegou e toda a sua atenção voltou-se para a comida. Adorava fazer aquilo, ainda mais com o barulho de chuva que começava do lado de fora. Ao terminar, pagou a conta e olhou para fora, refletindo se iria esperar a chuva diminuir ou se iria para casa assim mesmo. Nesse momento, a porta do estabelecimento abriu-se e um jovem entrou. Ele era quase alto, meio gordo, cabelos longos encaracolados cobriam seu rosto. Seu corpo tremia e parecia bastante incomodado com alguma coisa. O jovem começou a caminhar em sua direção e alguns olhares levantavam-se em direção a ele, que mantinha a cabeça abaixada a fim de evita-los. Estava a poucos passos de uma cadeira quando seu corpo caiu, como se não houvesse mais vida nele, e o som do impacto soou como um trovão.

Cabeças e corpos levantaram-se, curiosos para saber o que tinha acontecido. Alguns risinhos foram ouvidos, mas ignorados. Marília, preocupada, foi rapidamente em direção ao corpo, levando dois dedos ao seu pescoço para verificar se havia pulso. Percebeu duas coisas: o corpo não era um corpo e ele estava com uma febre altíssima. As pessoas ao redor olhavam para ela esperando alguma resposta, como se fosse a portadora de uma verdade temível e não dita. E de certa forma, era.

- Chamem uma ambulância, rápido! - falou, despertando todos daquela parada temporal.

Enquanto um homem pegava o celular, o rapaz esboçou uma abertura de olhos e, instantes depois, estava com eles abertos. Parecia confuso, sem saber onde estava, com um pouco de medo, talvez. Tentou limpar a preocupação de seu próprio rosto e expressar alguma tranquilidade. Não queria ser responsável por causar mais pânico do que o já presente no local. Procurou a mão do jovem com a sua e apertou-a, não deixando de notar naquele momento inoportuno que eram fortes, mas de certa forma, suaves.

- Qual o seu nome? - perguntou no tom mais calmo que poderia.

- Leonardo - respondeu com alguma dificuldade e tentando levantar-se, o que Marília impediu.

- Você sabe o que aconteceu?

- Não faço ideia. Só lembro de tomar chuva e procurar algum lugar para me abrigar. Fico doente muito rápido e severamente quando isso acontece. Quando chove e eu me molho - parecia bem mais no controle de si. Coerente. Um bom sinal.

S #1 ou A FebreOnde histórias criam vida. Descubra agora