Carta na garrafa.

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É isso. Finalmente enlouqueci.
Estou escrevendo uma mensagem para pôr numa garrafa e soltar no mar sem rumo e para ninguém.
Sem sequer saber se vão encontrar e se encontrarem se vão ler ou limpar as partes baixas com essa preciosa folha de papel.
Merda! Eu nem sei se quem encontrar vai saber ler.
Onde estou?
Na Praia que desembarquei após o naufrágio, do outro lado do Mar de brumas e longe de Sodom, mas ainda não o bastante.

O peixe Salgado que encontrei nos barris acabou, a água que coletei da chuva está no fim, o que significa que vou ter que entrar na floresta que rodeia esse lugar e caçar, porém antes de partir vou deixar uma mensagem.
Eu sou um meio orc, um meio humano e, portanto, nenhum dos dois. Motivo maior do meu infortúnio.
Sammai o erudito e escriba real, tem a posse do meu manuscrito agora, lá está minha história e nela você vai encontrar a história de um pária, Cyn dos Olhos Azuis, o desgraçado que vos fala.

Sou "filho" de um Kanog Orc e uma mulher da casa Zabel. Resumindo, nenhum romance aqui, apenas um violador e uma suicida que tentou me levar para o além ainda no seu ventre. Nada de mais debaixo do sol.

Depois disso fui vendido a um circo e recebi a alcunha de Olhos Azuis, atributo que herdei de minha progenitora. Até o dia que uma bruxa entrou em minha vida, mudou meu nome para Cyn e então, minha vida desgraçada também se revelou uma sina insana. Ela dizia que eu deveria ser o Heosphoros. O escolhido para mudar destinos... Quanta balela.

A partir daí, tudo que fiz foi caminhar no proverbial fio da espada. Cada vez mais perto da chama, mais perto da lamina.

Quanta coisa ruim que eu fiz? Quanta coisa ruim que me fizeram?
Existe justificação para o que eu fiz? Existe para o que me fizeram? Essa é uma história sobre certo ou errado?
Creio que não, mas é uma história sobre consequências, com certeza. Eu bem sei que não importa aonde eu vá, nunca estarei longe o bastante delas.
Eu despertei o Leviatã, liberei o caos no mundo e isso é só o começo, posso sentir. As ditas consequências virão com o tempo. Virão através do mar.
Preciso me mover, rápido, Ez Azel está vindo e com ela sua horda de fanáticos orcs.

Disseram-me que eu seria o responsável pelo destino do reino e tudo que aconteceu foi que meu próprio destino foi imposto.

Pela ambição de uns, pelo racismo de outros, pelo medo, pelo ódio e tudo que provém disso. Penso agora se eu tive alguma escolha, alguma alternativa entre morrer ou tentar sobreviver.

Eu não vou me justificar, isso não é um pedido de desculpas. Eu só queria ser um deles e essa é a verdade.

Qualquer um deles. Orc ou humano, ou melhor, um elo. Do meu jeito eu tentei fazer um bem, mesmo sem saber o que isso realmente significava.

O que é fazer o bem para quem nunca experimentou isso de verdade?

São muitas questões que me rodeiam.

Eu queria ter respostas, mas sou uma ilha de dúvidas rodeado de questões por todos os lados.

Acima de tudo, creio que minha historia gira em torno das consequências que ocorrem quando numa sociedade amplamente racista, onde dois povos que poderiam tentar conviver, se veem nas mãos de algo que eles mesmos criaram. Eu, um pária.

Ninguém deveria se tratado como um pária, ou outro como eu pode surgir e fazer até pior. Tudo poderia ser diferente se me dessem uma chance. Talvez.

Talvez se eu fosse amado ou se pudesse confiar em alguém, ser aceito. Um grande talvez. Nunca saberemos.

Estou remoendo esses fatos demais, nessa garrafa deixo tudo para trás e sigo daqui em diante com minha vida, enquanto puder.

Minha historia está com Sammai no outro livro e tudo que eu escrevi foi testemunho da minha verdade. Agora, me vejo diante de um mundo novo, nessa nova terra, acompanhado desse novo velho eu.

Eu sou Cyn dos Olhos Azuis. E não tenho escolha á não ser, seguir em frente.

E essa é a ironia de tudo. Aquele que decide destinos, não tem escolha.

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Carta na garrafa _ Uma historia das Crônicas do Olho AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora