De olhos cansados e mente avoada, assina seu cartão de ponto e confere o horário. Oito horas e um minuto. Tomas o escritor sem realizações preso em um bloqueio criativo. Dirige limusines para uma companhia chamada "Son limusines", em São Paulo. Seu chefe um chinês velho e emburrado que havia imigrado a vários anos e construiu um pequeno império em torno de amizades políticas e contatos empresariais. — Deveria fazer mais networks. — Dizia Tomas.
Há algum tempo estava sem dinheiro, por conta da crise ao qual passava o país, acabava recebendo bem menos pelos contos publicados. Seu sonho e plano era ter um original publicado. Resolveu voltar seus esforços a escrever um livro, que planejava vender e pagar suas contas. Afinal, ouviu em algum lugar que os tempos de crise, são aqueles em que mais se gasta com entretenimento, seja livro, seja cinema ou até mesmo, prostitutas. Mas para isso, teria que se submeter às vontades banais do senhor Son Gang.
— Não pode fumar na limusine. — Dizia Son Gang, falando alto como de costume. — Fica cheiro ruim, cliente não gosta.
— Desculpe senhor Son, não vai se repetir.
— Tomas, hoje depende de você. Né. Tem cliente muito bom. Empresaria. Faz ela gosta da gente. Faz tudo que ela manda. Fica o dia inteiro com ela. E posso promover você. Seria bom? Né?! — Apesar de Tomas não querer trabalhar para sempre com isso, ele sabia que uma promoção seria bem-vinda em tempos de vacas magras, porém estava engajado em terminar o seu livro o quanto antes, precisava de tempo livre.
— Senhor, de noite eu tenho que sair um pouco mais cedo...
— Não pode sair cedo. Só sair quando cliente não precisa mais.
Tomas suspirou. — Tudo bem senhor Son.
— Vai limpar carro. Pega cliente no Congonhas portão três às dez e meia.
Tomas foi limpar o carro, já pensando que de noite, se a cliente não o liberasse cedo, teria que ficar até mais tarde para tentar continuar seu livro. Aquilo já o deixou estressado e queria um cigarro. Usou o aspirador de pó na limusine e saiu, sabendo que economizaria tempo passando no lava-rápido próximo dali, mesmo que tivesse que pagar do próprio bolso, tempo é um recurso em falta. O carro já estava lavado enquanto fumava fora da limusine, olhou e relógio e viu que estava atrasado. Entrou no carro jogando a bituca na calçada e pisou fundo no acelerador.
Quando chegou ao portão três do aeroporto, abriu o pedido e viu o nome da cliente.
"Eristéia Xanthopoulo". — Deve ser gringa, espero que saiba falar português. — Pensou. Escreveu o nome dela na parte de trás de um caderno que sempre manteve no carro para anotar suas ideias. Usou desta vez como placa de identificação, já que suas ideias não andavam tão boas assim.
Olhava as pessoas saindo e imaginava como a empresária seria. Até que em meio a pessoas saindo e entrando do aeroporto, uma mulher saiu. Foi difícil não reparar ela, usava um turbante preto e um óculos escuro, sua camisa também preta folgava que contrastava com a pele pálida do decote ousado. Usava uma saia até os joelhos e um salto alto. Levava uma mochila de rodas na mão direita e um blazer dobrado no braço esquerdo. Ela desfilou em direção ao Tomas, que ficou sem jeito.
— Sra. Eristéia, muito prazer, sou Tomas, serei seu motorista. — Disse ele rápido e um pouco nervoso. Ela ficou em silêncio, o que o deixou mais nervoso. — Deixe que eu coloque no porta-malas. — Ela soltou a mochila e entrou no carro enquanto ele guarda a mochila. — Tomas ficou intrigado por uma mulher daquele nível não esperar ele abrir a porta.
Ele sentou no banco do motorista, a divisão estava aberta. — Para onde vamos? Senhora?
Sentada no fundo da limusine aparentava não ter ouvido o que ele disse. Ele se virou para perguntar de novo. Ela reagiu tirando os óculos arredondados de uma grife famosa e o encarou. Tinha olhos com ires púrpuras que demonstravam confiança e ferocidade, malicia e maldade. Tomas sentiu-se intimidado, mas seguiu corajoso, pensou que ela provavelmente usava algum tipo de lente.
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Arauto do Caos
Short StoryUm autor com bloqueio criativo ainda é um autor. Um escritor com bloqueio criativo não escreve. E que escritor pode se chamar de escritor sem escrever? Tomas é um escritor, mas ainda não é um autor reconhecido. Para conseguir seu primeiro livro publ...