Introdução

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Abri os olhos sobressaltada, deparando-me com as habituais paredes amareladas daquela divisão pouco decorada. Obriguei-me a procurá-lo porque precisava dele para me acalmar, como ele sempre faz. Mas ele não estava ali e o meu batimento cardíaco permaneceu inconstante, e culpablizo mais um dos muitos pesadelo que continuo a ter sobre o dia em que a minha vida mudou por completo.

Não me lembro de muito, mas posso-vos contar aquilo que me contaram. 

Tudo aconteceu na madrugada de um sábado. Ele e os seus amigos saiam de uma discoteca, alcoolizados e desnorteados. Os cinco caminhavam com alguma dificuldade até ao carro, prontos para regressar a casa.

A música da rádio escoava pelo veículo e os cinco iam tendo conversas fora do normal devido ao efeito que o álcool produzia nos seus corpos.

Enquanto eu ia no táxi, olhava o telemóvel sem prestar atenção ao caminho ou ao que o taxista me explicara sobre o seu trabalho. Não sei porque o fazia, talvez por se sentir sozinho.

Um ruído estridente da buzina desperta a minha atenção e o meu olhar encara um automóvel aproximar-se do táxi a uma velocidade impetuosa. Os batimentos do meu coração pareceram parar, tanto como a minha respiração, ao ver o carro colidir no veículo que me transportava.

Os meus olhos fecharam-se ao sentir uma dor aguda em todo o meu corpo, e por momentos, pensei que aquele tivera sido os últimos segundos da minha vida.

E quando dei por mim, estava aqui deitada, ligada a vários fios que me permitiam viver. Sobrevivi, mesmo todos acreditando que isso não iria acontecer.

A rapariga que está no outro lado do quarto, embora não saiba nada à cerca dela, sei que, tal como eu, grita durante a noite em pânico devido aos seus pesadelos constantes. E, por a situação dela ser tão idêntica à minha, torna-se difícil esquecer o que me aconteceu. Tudo se repete na minha cabeça quando o sol se começa a pôr e revivo o momento em que me enfiei naquele táxi, naquela noite.

A minha atenção rapidamente foi desviada da rapariga de cabelos escuros para a porta que acabara de ser aberta. Um sorriso alastrou-se nos meus lábios ao vê-lo, também ele a sorrir.

“Como estás?” O loiro pergunta enquanto se senta na corroída cadeira, ao meu lado.

“Melhor.” Sorri-lhe ao ver um pequeno ramo de flores revelar-se por detrás das suas costas. “Porque compras-te isso? Não era preciso.” 

Ele então apercebe-se que me referia ao pequeno presente que ele trazia e, confiante, ele elevou-as até ao meu olhar curioso para as observar de perto. De seguida, substituí-as pelas velhas e secas margaridas que estavam no vaso.

"Gosto de mimar quem merece.” Ele replicou sorridente, deixando-me vagamente envergonhada pelas suas abordagens diretas.

"Podias ter trazido chocolates também." Brinquei, mas ao contrário de um riso, recebi somente um sorriso fraco.

Depressa o silêncio instalou-se no quarto, ouvindo-se somente a minha respiração agora visivelmente mais calma, ao sentir a sua mão pousar em cima da minha, deslizando levemente o seu polegar sobre a minha pele arrepiada.

“Fazes-me bem.” Disse com alguma fragilidade na voz e suspirei ao sentir os seus lábios em contacto com a minha testa.

“Desculpa.” Ele replicou baixo e eu franzi a testa em confusão.

“Porque me pedes desculpa?” Eu falei, desta vez sem falhas na minha voz. “Só me tens feito bem.”

“A culpa de estares aqui todos os dias é minha.” Ele murmurou, deslizando a sua mão da minha para a sua coxa e senti a falta de contacto.

Ele é o único que me fornece sem saber segurança e bem-estar que eu mesma nunca conseguiria encontrar sozinha. Sinto-me protegida e forte desde o momento em que ele entra por aquela porta e quando ele sai, um vazio apodera-se de mim. Um vazio inexplicável, que ninguém consegue substituir a não ser ele. Por isso, eu murmurei com um pequeno sorriso no rosto, “Eu prefiro que as coisas tenham acontecido assim.”

Survive [Hiatus]Onde histórias criam vida. Descubra agora