Serendipidade

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Me lembro perfeitamente do dia em que te vi pela primeira vez. Era início de noite e eu estava atrasada para a faculdade. Estava correndo no meio de uma grossa chuva de verão, com três livros pesados em um braço e uma sombrinha na outra mão.

Eu precisava alcançar o ônibus, o sinal para pedestres estava vermelho, mas eu não podia esperar, o ônibus já estava saindo. Comecei a atravessar a rua ainda correndo, quando só ouvi uma freada e uma buzina. Com o susto de quase ser atropelada soltei todos os livros no chão.

Peguei-os rapidamente e sai correndo e gritando para o motorista me esperar. Quando finalmente entrei e pude sentar, eu percebi que um dos livros faltava. O ônibus parou e você entrou.

- Moça, esse livro caiu de novo.

Algumas pessoas poderiam dizer que foi amor à primeira vista, mas eu não acredito nisso. Eu diria "admiração". Primeiro fiquei admirada por sua gentileza de descer do carro na chuva ao perceber que, na minha pressa de correr atrás do ônibus, eu havia deixado um dos livros cair de novo.

Depois fiquei admirada por sua aparência. Sua pele morena, seus olhos castanhos, seu cabelo preto, seus traços encantadores. E também tem sua voz rítmica, forte, mas ao mesmo tempo calma.

Alguns poucos dias se passaram e eu fui levar os meus livros estragados pela chuva para ver se tinha algum jeito de deixá-los menos deploráveis. E quem aparece na loja de consertos? Você. Até porque o dono dela é seu pai. Coincidência?

Quando me vê, você me reconhece, sorri para mim, pergunta como estou, diz que sente pelos meus livros. É, eles foram caros, mas se não fosse por eles terem caído na chuva talvez nunca teríamos prestado atenção um no outro, então para mim tudo bem. Descubro seu nome: Henry, um nome tão lindo, combina com você. Ficamos um bom tempo conversando, descubro que você é meu veterano na faculdade. Não acredito em destino, mas já começo a achar que não pode ser só coincidência.

Nos encontramos novamente na faculdade, depois combinamos de nos encontrar no parque, na sorveteria, no restaurante, no cinema. Conversa vai, conversa vem e descubro várias coisas que temos em comum além da faculdade. Nós dois somos apaixonados por música, artes plásticas, gastronomia, temos o mesmo gosto para livros e filmes, além de compartilhamos um mesmo desejo: Viver para sempre. Fiquei com tanta vergonha quando deixei esse desejo escapar e tão aliviada quando descobri que você também o possuía. Uma coisa tão infantil e distante, não se passa de um sonho impossível é claro.

É obvio que tínhamos nossos desencontros também. Sério, como assim você acha que o número 13 dá azar? É o meu número da sorte! Mas, fazer o quê?

Os dias se transformaram em meses. E quando me dei conta estava namorando aquele cara gentil e bonito que correu atrás do ônibus para devolver meu livro perdido.

Era tudo tão perfeito para ser real. Às vezes eu precisava me beliscar para ter certeza de que não estava sonhando. Lógico que tínhamos alguns problemas, como aquela infeliz briga... Mas prefiro me ater às coisas boas.

Aquele dia em que você me fez uma surpresa na faculdade foi mágico, eu queria te matar, mas devo admitir que foi incrível. Todo o nosso curso estava reunido no Salão de Eventos para uma palestra, do primeiro ao último período, só você não estava. Te procurei durante o evento inteiro e não te achei. Mas no final a coordenadora disse algo como:

"Agora tem um colega de vocês que quer fazer uma surpresa para sua amada... Que também é colega de vocês."

Todos os alunos aplaudiram e olharam para os lados procurando quem poderia ser a garota sortuda. Então você entrou pela porta e eu simplesmente não acreditei no que estava acontecendo. Você cantou uma música que compôs especialmente para mim. Fez um pequeno vídeo de retrospectiva da nossa história. Recebi um buquê de belas rosas vermelhas e os meus chocolates favoritos.

Ao mesmo tempo me senti envergonhada e lisonjeada. "Porque envergonhada? ", você me perguntou quando te disse isso. "Você sabe que morro de vergonha, todo mundo ficou olhando para mim e estão falando de mim até hoje", respondi. "Tenho certeza que estavam apenas admirando o quão linda é e estão falando que você com certeza deve ser a melhor namorada do mundo para receber uma surpresa como essa, o que você é".

Você sempre me fez sentir feliz e especial e nunca soube se eu conseguia o fazer se sentir dessa mesma forma. Então tive uma ideia para te fazer uma surpresa, a qual me pareceu brilhante: Eu vou fazer um jantar!

Pesquisei as receitas de suas comidas preferidas, comprei todos os ingredientes e comecei a cozinhar. Estava tudo perfeito até uma panela pegar fogo. Pois é, isso nunca tinha acontecido comigo, mas quando vou te preparar um jantar dá nisso. A casa não pegou fogo, ainda bem. Só a panela mesmo. E a parede ficou um pouco chamuscada. Saiu tudo bem. Menos o jantar.

Você chegou na minha casa e estava tudo uma bagunça. A casa estava toda cheirando a fumaça, no desespero eu derrubei a panela com o molho e todos os outros ingredientes do jantar ficaram com gosto de queimado (quando se tem uma panela pegando fogo a última coisa que se pensa é apagar a chama do fogão das outras panelas).

Mas você fez tudo ficar mais leve, riu, disse que estava tudo bem, me ajudou a limpar tudo e depois pedimos uma pizza. Meu jantar virou um desastre, mas no final, os momentos e risadas que compartilhamos por causa disso valeram à pena.

Tantos momentos bons para serem lembrados... E aquela briga não me sai da cabeça. Tudo por causa de ciúmes bobos. Brigamos, ficamos quase uma semana sem conversar (nunca antes havíamos ficado tanto tempo longe) e então você chega aqui em casa com um buquê, dessa vez de margaridas. Eu ainda estava irritada, peguei as belas flores e as joguei o mais longe que pude e te mandei embora da minha casa.

No dia seguinte recebi uma ligação de sua mãe. Você voltava para casa e um caminhão não respeitou o sinal vermelho e acabou batendo no seu carro. "Morreu na hora", ela disse, "morreu sem sofrer". Acho que ela disse isso para eu me sentir mais aliviada, mas como era possível? Você não sofreu, tudo bem, mas seria melhor se não tivesse morrido.

Agora cá estou eu. Com o envelopinho vermelho que estava no buquê. Nele um bilhete curto, mas que dizia tudo.

"Querida Maya,

          Nunca se esqueça de que você é a pessoa que mais amo nesse mundo.

                                                                                                                                                Seu, Henry"

Acho que você estava exagerando, aposto que você ama sua mãe mais do que a mim. Mas tudo bem, entendi o que quis dizer.

Eu só queria poder responder que eu também te amo. Gostaria de te abraçar, ver seu sorriso e ouvir sua voz.

Não quero mais viver para sempre. Não sem você do meu lada, nada faria sentido. Seria um sofrimento eterno e não estou disposta a viver assim. De toda forma seria impossível mesmo, não faz diferença. A única coisa que desejo agora é ter você do meu lado novamente.

                                                               *****

Ainda continuamos concordando sobre isso Maya, eu também não quero mais viver para sempre. De que adianta essa vida eterna se você não pode me ver quando te consolo, sentir meu abraço e não ouvir quando digo que te amo?

Enquanto você chora lendo meu bilhete, eu estou ao seu lado chorando também. Sinto sua falta, assim como você sente a minha. Mas ficaremos bem. Um dia ainda vamos nos reencontrar. E talvez depois desse dia possamos viver juntos para sempre.

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Ponderei bastante antes de postar esse conto, mas resolvi me ariscar. Espero que tenham gostado! Por favor, não se esqueçam de votar e me digam nos comentários o que acharam do conto!

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