UBALDO

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Como Jane me irrita com essa cantoria! Se vai amarrar um sapato, canta; se vai fazer uma comida, canta. Porque ela anda tão feliz assim? Aliás, o que ela anda fazendo em casa que demora tanto para aprontar esse menino?

Eu tenho tanto a fazer, cuido de tanta gente e quando chego em casa ainda tenho que cuidar deles e da própria casa também? Que mulher incompetente. Porque me casei com uma mulher assim? Se eu tivesse feito da minha vida o que eu sempre quis, eu não precisaria aturá-la. Mas se eu tivesse tomado o rumo que eu queria eu jamais teria tudo que tenho hoje. Bom, graças a Deus então.

Se bem que, antes de entrar por essa porta eu estava bem mais feliz. Como sempre. Conversar com as pessoas me anima, principalmente com Moisés. Mas Jane me irrita. Apesar de Moisés nunca ter se casado, ele me entende.

Moisés mora só e estávamos lá na casa dele agora falando sobre nossa adolescência e de como éramos naqueles tempos. Agora eu chego aqui e nem tomar um copo d'água eu posso, com essa mulher tagarelando no meu ouvido! Como posso fazê-la se calar?

De qualquer forma, precisamos nos apressar para não chegarmos tarde na igreja...

- Jane, se apressa que Moisés vai conosco e eu não quero me atrasar.

O quê?! Em vez de me obedecer e se arrumar rápido, ela retruca e fala, fala...ai meu Deus como essa mulher fala! Tanta baboseira... e agora sobre meu amigo? Porque você não cala a boca, mulher? Assim vou ser obrigado a agir! Preciso tomar uma providência... Eu sou homem e não vou deixar nenhuma mulher falar assim comigo.

Minha mão voou na boca dela! Eu nem percebi! Enquanto ela falava e eu pensava (ou nem pensava)... ah, a raiva que sinto dela.... só pelo fato dela existir... de estar ali... essa raiva me cega!

E agora ela está se rastejando pelo limpíssimo chão que ela adorava dizer que esfrega. O quê?! Ah, não... você vai mesmo tentar pegar esse vidro? Vai me ameaçar? Quem você pensa que é, sua vaca?

Ah... dentro de mim eu sinto até um certo alívio em descarregar minha raiva nela. E pisar naquela mão... como ela teve a audácia de vir contra mim? Como ela pôde? Ela acha mesmo que pode se rastejar e apontar esse caco de vidro para mim? Ameaçar o próprio marido?! Como ela pode falar mal das pessoas, dos meus amigos? Logo ela, que cantarolada aquela música gospel irritante?!

Eu sou o homem dessa casa. Vou ensiná-la a me respeitar.

Eu segurei mesmo o braço dela... tudo bem, foi com força... mas eu queria só afastar o vidro...

Foi ela que bateu na parede quando eu a arremessei... ela caiu no chão desacordada. Que cínica!

Eu só queria que ela aprendesse a não discutir comigo.

Agora olha o que ela me fez fazer!

Se eu digo que alguém vai para a igreja conosco, vai e pronto. Porque ela me questionou? Ela não tinha nada que se meter. Aliás, ela nem deveria ir mais conosco... Bem feito isso ter acontecido com ela então! Vou deixar ela aí no chão pra vê se aprende...

e para cada pensamento desse eu nem percebia que estava desferindo chutes nela, enquanto ela estava no chão. E, como eu não queria acordá-la, saí.

silenceWhere stories live. Discover now