No mundo em que Alexia nasceu havia um dia para homenagear e demonstrar seu amor por aquela que lhe trouxe à vida, um dia chamado Amarisdom. Quando criança, era um dos dias preferidos de Alexia, todas as festas, decoração e amor. Mas hoje era só um dia que ela preferia esquecer.
Era nova demais quando sua mamma percebeu que ela não era como as outras crianças. Quando diziam que Alexia era uma menina e ela não precisava se importar tanto com estudos, afinal seu futuro era ser uma dona do lar como garotas supostamente deviam ser, ela apenas se escondia e continuava a estudar. Ela também entendia mais de mecanica do que seus irmãos mais velhos, construía pequenas bugigangas e arrumava cada pequena coisa quebrada em sua casa. Os outros diziam que era estranha, mas sua mamma viu algo mais. A criança tinha um potencial que ninguém esperava.
Quando o papa de Alexia começou a se incomodar com o comportamento da filha, a proibiu de ficar com a cara dos livros ou de passar horas na garagem empilhando partes de aparelhos eletrônicos. Até mesmo a ameaçou de tirá-la da escola. Segundo ele, Alexia era bonita e esperta e devia usar suas habilidades manuais para aprender a bordar, limpar e cozinhar para ser uma boa esposa no futuro.
E foi a mamma de Alexia que teve a ideia de um forte escondido no gigantesco jardim, um antigo coreto abandonado e cercado de cipós e samambaias, para o qual as duas levaram os livros escondidos, amarrados em suas pernas e barriga, por debaixo das roupas. Assim Alexia podia estudar em paz e, para todos os efeitos, mãe e filha estavam apenas dando um passeio tranquilo nos arredores da mansão, enquanto faziam tricô.
Alexia se lembrava de horas e horas e horas que passava engolindo livros, enquanto sua mãe ficava ao seu lado, inventando qualquer coisa para matar o tempo. Às vezes a menina levantava os olhos para a mãe e encontrava seu sorriso fácil, seu olhar de orgulho, que lhe aquecia o coração. Momentos assim estavam gravados na memória de Alexia como se fossem um sonho tão bom que era difícil acreditar que aconteceu.
Nos dias de Amarisdom, Alexia não poderia ficar mais grata. Ela tentou, a cada ano, fazer a melhor festa, a mais bonita, a que mais agradasse sua mamma. E lhe dar todos os braços, todos os beijos, todos os cafunés do mundo.
Foi num Amarisdom que ela sussurrou no ouvido da mãe: Quando crescer, eu vou mudar a história, eu vou vencer tudo, graças a senhora. Eu vou te dar o universo, mamma.
E a mãe de Alexia lhe abraçou com força, com tanta força, como se desejasse que nunca mais pudessem estar longe.
No entanto esse foi o último Amarisdom que sua mamma viu chegar.
Nada foi o mesmo depois.
Não havia mais tanta alegria nos estudos, nos inventos, nas teorias. Mas Alexia continuou, porque não fazia sentido jogar a dedicação de sua mãe no lixo depois de tudo que passaram. Ela enfiou sua cara nos livros, cada vez mais e mais. Já tinha pulado duas séries na escola e ainda era, de longe, a melhor aluna de sua turma. Seus professores falavam sobre mandá-la para universidades em outros mundos, lugares em que sua capacidade seria reconhecida. Os amigos da família ficavam em choque, como podia uma moça se destacar tanto na escola? Não era a posição em que uma jovem mulher devia estar, eles diziam.
Foi quando seu pai descobriu seu forte secreto.
Por um momento inteiro, Alexia achou que apanharia. Mas seu pai calmamente disse que, por conta da mentira e o absurdo da situação, Alexia seria tirada da escola e iria para um escola de boas maneiras para moças. E no ano seguinte, quando atingisse seus dezesseis anos, começaria a busca por um noivo. E Alexia devia ser grata por ter todas essas oportunidades, afinal, ela vivia debaixo do teto de seu papa.
Então Alexia saiu de casa.
Esse foi o passo necessário para que, em poucos anos, ela ficasse conhecida por praticamente todos integrantes da Venus e Pignus, como Alexia O'Blazz, a criadora dos portais instantâneos, uma das Peculiari base mais reconhecida em todos os tempos. Não tinha sido nada fácil o caminho até ali, mas ela ainda estava longe de alcançar o que desejava. Porque de nada adiantava poder estar em qualquer lugar do universo se ela não pudesse conquistar sua ambição mais profunda, e estar em qualquer lugar do tempo.
Alexia foi chamada de cientista louca e, mesmo com seu prestígio, muitas portas foram fechadas em sua cara.
Demorou até que conseguisse apoio. E quando conseguiu, a jovem percebeu que a teoria era muito mais simples do que a prática e falhou.
E se levantou de novo. E falhou de novo.
E se levantou de novo. E falhou de novo.
E tantas outras vezes.
Numa noite daquelas em que passou trancada em seu laboratório, ela questionou o porquê. Era uma questão de honra agora? Ou ela só queria voltar e abraçar sua mãe uma vez mais? No mundo em que estava agora, era só um dia comum, mas em seu mundo era Amarisdom. Alexia não comemorava mais essa data.
E ela virou a madrugada, não trabalhando, mas se questionando, tentando entender, se entender. Estava cansada de perder, estava exausta do mundo lhe dizer que ela não era capaz. Provavelmente todos os outros estavam certos e ela errada. Era hora de parar. Lutar sozinha não tinha sentido.
Quando o dia amanheceu, Alexia desligou os equipamentos, limpou as bancadas, tirou seu jaleco e soltou o cabelo. Era o fim de um sonho. Mais tarde ela deveria prestar contas a Tobielli sobre o que a levou a abandonar o projeto pelo qual mais lutou.
No caminho para casa, D'Klau ligou. Era o médico responsável pela equipe de Alexia e um amigo pessoal. Como era cedo demais para D'Klau estar ligando para falar de assuntos corriqueiros, Alexia se preocupou. O exame de saúde trimestral tinha sido semana passada e ela tinha certeza que estava com algum problema de imunidade ou um novo vírus esquisito, porque não se sentia bem há algumas semanas.
Ela atendeu a ligação. A voz do amigo estava alegre, no entanto. E quando ele deu os resultados dos exames, o mundo parou de girar.
Era Amarisdom.
Alexia desligou a chamada. Ela ainda estava na calçada, parada.
Colocou as mãos sobre a própria barriga, quase com medo de tocá-la e tudo se tornar mais uma perda.
Ela nunca tinha pensado em ser mãe. Embora tivesse sido treinada para ser uma mulher do lar desde criança, se afastou tanto dessas ideias que chegou a deixar de lado a possibilidade.
Mas sua mamma tinha lhe mostrado que mães vêm em todas as formas. Ela não era nada como esperado, mas ainda assim, ali estava.
Alexia olhou para cima. O vento quente tocou seu rosto e bagunçou seu cabelo. As pessoas passando na rua olhavam para ela, confusas. As pessoas não podiam entender, mas era Amarisdom, e o coração da moça estava novamente aberto para um tipo de amor que ela imaginou que nunca mais poderia sentir. Era Amarisdom e ela reforçou sua promessa, porque não poderia dar o universo para sua mamma, mas ela daria a alguém que ainda nem tinha nascido. Era Amarisdom e Alexia estava dando meia volta, amarrando seu cabelo e chamando um carro para voltar para o laboratório, porque ela não desistiria, não importava quantos anos levaria para chegar onde queria.
YOU ARE READING
Amarisdom
General FictionNo mundo de Alexia, Amarisdom é como o dia das mães é chamado. Ela não comemora esse dia há vários anos. Mas essa é uma data na qual presentes inesperados e incríveis podem chegar. One-shot em homenagem ao dia das mães, publicada aqui ligeiramente a...