Chega de pesadelos

24 1 3
                                    


Outra vez sonhando com ela, talvez seja o remorso de ter provocado nossa briga e mesmo assim não ceder, talvez seja algo maior dizendo que eu deveria ir atras dela para resolvermos tudo, gostaria de controlar os sonhos, a sensação de vazio daquele lugar era indescritível e as noites mal dormidas estavam me fazendo acreditar que em algum lugar aquilo realmente existia, por algum motivo estava acontecendo desde a terrível noite em que a tinha visto pela última vez.
 Ouvia passos e sussurros distantes, a escuridão era infinita, cercava meu corpo a não ser pela porta de madeira pairando , sem paredes, a cerca de dez metros a minha frente. 
 Meus pés se moveram sem que eu controlasse, o chão era invisível para mim, era como caminhar num abismo, podendo despencar a qualquer momento se aquela força que me mantinha ali me abandonasse. Lembro-me então das vezes que parei diante daquela porta segurando um buquê de rosas brancas como as nuvens, esperando ver aquele sorriso que tanto me encantava e amolecia o coração e o brilho dos olhos, aquele brilho era razão que me fez ficar na cidade inúmeras vezes.
 Sentindo o chão gélido com os pés descalços cheguei até a porta, acho que eu poderia mudar aquele terrível desfecho, mas quando me vi pousar a mão na maçaneta, só quis que acabasse logo e eu pudesse acordar, restou apenas o vazio.
 Se fosse real, encontraria ali uma bela mobília, um ambiente bem iluminado pelo sol com um vaso com flores frescas, pinturas inspirados de cores vivas, o hall de entrada em que ela costumava pegar minha mão e me puxar para dentro entusiasmada em mostrar as flores para a mãe, mesmo que eu levasse todas as vezes.

 Mas infelizmente era um pesadelo, ao dar o primeiro passo através da soleira encontrei-me parado em seu quarto e a porta desapareceu. Era belo em cada detalhe, tinha a personalidade dela gravada como em tudo que ela tocava e deixava seu jeito, seu ar delicado e amoroso, o dossel da cama de madeira tinha rosas entalhadas, um violino repousava na janela e o espelho da penteadeira era duas vezes maior que o habitual, mas não importava, eu já conhecia tudo aquilo e mesmo que eu soubesse de como era reconfortante e acolhedor estar ali, dentro de minha cabeça estava vazio, triste e sem brilho, então vasculhei o quarto com os olhos e encontrei sua delicada silhueta num canto escuro.
 Deixando-se ser conduzido pelo momento caminhei até perto dela, havia apenas a luz prateada da lua, então vi apenas seu belo rosto assustado parcialmente, podia também ver com clareza a mão grotesca que a prendia ali, tinha dedos longos e pontudos, mas o rosto permanecia oculto atras dela. 

 Podia sentir que eu era a única coisa viva ali, pois tudo me sugava qualquer emoção, qualquer energia, até mesmo o medo.
 - Ajude-me. - ela implorou.
 Foi quando para a minha surpresa eu estava livre, pude mexer minhas mãos e braços, não estava mais compelido a deixar o pesadelo terminasse como das vezes anteriores, não hesitei em segurar a mão dela, a pele estava fria como a de um cadáver, mas seus dedos envolveram os meus fortemente. Era a minha chance de mudar o final, eu iria atras dela quando acordasse, pediria perdão, a pediria em casamento.
 Puxei-a para mim esperando que me abraçasse e sua pele quente outra vez tocasse a minha, mas ela não veio, estava presa e agora estava chorando, me senti impotente, era o amor da minha vida e eu sabia disso, mas deixei que o orgulho tomasse conta e me privasse de vê-la, percebia o quanto estava sendo tolo, segurei sua outra mão, deveria lutar por ela, não a mereceria se não conseguisse, no entanto, seu corpo não se moveu.
 - Não pode...É tarde demais...
 Eu não quis aceitar suas palavras, não queria que ela tivesse razão, estava tão mergulhado no momento que me esqueci que estava sonhando, era muito real, seus olhos lacrimejados clamando por ajuda eram reais.
 Vi seus lábios se moverem sem pronunciarem palavra alguma, não consegui entender o que dizia, resolvi puxá-la mais uma vez e eu quem foi puxado e bati contra a parede, ela tinha sido sugada, levada por o que quer que fosse aquilo, esmurrei até ferir meus dedos, mas não havia mais nada.
 Despertei com batidas ritmadas em minha porta, o dia estava nublado e com cheiro de chuva, vesti meu robe e abri a porta do quarto para falar com a criada que vinha avisar que um visitante me aguardava na sala.
 Apesar de ainda abalado pelo terrível pesadelo, desci as escadas rapidamente.
 - Perdoe-me meu estado, acabei de...
 Parei no meio da frase quando vi que era o pai dela que estava me esperando, ele tinha olhos inchados e vermelhos, fiquei paralisado sem conseguir imaginar o motivo da visita, ou apenas entrando em negação.
 - Sinto muito... - a voz dele era trêmula - Achei que deveria ser um dos primeiros a saber. - ele retirou uma rosa seca do bolso - ela se matou noite passada.

A última rosaOnde histórias criam vida. Descubra agora