O Bergantim

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                                                                                                   I


       — Norte! Vamos para o Norte. — respondeu o capitão. O bergantim de guerra acabara de ser reformado após duas lutas com corsários do rei. O navio possuía dois conveses suficientemente grandes para dar trabalho por dois dias. Em cada canto do navio via-se alguém fazendo alguma coisa. O capitão era frio com a tripulação; "coisas de capitão" pensavam alguns, mas ele era imponente e inspirava confiança e respeito para com todos naquele navio.
       — Levantar âncora! — ordenou o capitão e o barulho de correntes rompiam o som do mar naquela manhã de verão. Um dos marinheiros que estava preparando a vela do mastro principal começou a cantarolar uma canção muito conhecida entre eles e aos poucos os homens começaram a cantar o refrão que até mesmo o capitão, homem que pouco expressa seus sentimentos, escondido atrás de sua extensa barba negra com duas tranças verdes uma em cada lado do queixo, também começou a cantarolar.
       Ele andava pelo convés em passos firmes. O modo como conduzia o seu navio e falava com sua tripulação o tornava temeroso, imponente e impunha respeito. Somando a aparência com sua voz rouca, mas audível, podia fazer os seus inimigos tremerem de medo. Apesar de toda a frieza de sua imagem, conferiu a bússola, virou o timão com toda a força para estibordo e depois levantando os olhos, fixou-os o horizonte e continuou a cantarolar a animada canção.
       Os primeiros raios de sol começaram a surgir no horizonte que os cercava e enquanto os homens cantarolavam e se movimentavam para lá e para cá, o capitão passou o comando do leme para um dos marinheiros que estava distraído olhando hipnotizado para este mesmo imenso horizonte. Então se afastou e olhou para os lados e retirou do bolso de sua calça um anel prateado com uma caveira entalhada nele que emitia um brilho verde-escuro quando a luz do sol o iluminava. Porém, na sombra ele parecia um anel velho e emitia um brilho indefinido de cobre com prata.
       — Podemos liberar alguns homens para descansar, capitão? — o marinheiro que cuidava do timão interrompeu os pensamentos do capitão que de súbito escondera novamente o anel no bolso.
       — Sim, pode mandá-los descansar nesta parte da manhã. Vou me retirar à minha cabine e não quero ser perturbado até a hora do almoço.
       — Sim, capitão.
       "O capitão está de novo com aqueles malditos pensamentos" sussurravam alguns. "Algo de ruim vai acontecer" pensavam outros. Olhares discretos seguiam o capitão que se movimentava pelo convés. Não se ouviam mais vozes, nem o barulho de correntes ou dos barris sendo arrastados. Apenas os passos firmes do capitão que se misturavam com o som das ondas do mar batendo no casco do navio. Quando o capitão fechou a porta, todos voltaram ao que estavam fazendo.

       ~~~

       Depois de algumas horas, o capitão foi até uma parte do navio que, devido a situação em que ficou depois da última batalha, poderíamos chamar de cozinha. Ele encontra o seu amigo de infância Rick Dawkin. Dawkin não gostava de navegar, mas ao saber que seu amigo passaria por mares onde outros navegaram e falaram de animais e criaturas estranhas que não estão escritos nos livros o fez deixar a noiva semanas antes de seu casamento e partir para esta aventura que talvez fosse a única que teria além de uma vida em família.
       — Bom dia, senhor Dawkin. Algum problema?
       — Bom dia, capitão Edvar Berett. Parece que quem está com problemas não sou eu. Aqueles pensamentos estão te perturbando de novo? — enquanto aguardava a resposta, pegou dois copos e um pão enorme que acabara de sair do forno que repousava num cesto e os pôs sobre a mesa.
       — Tentei disfarçar o máximo possível. — resmungou o capitão.
       — Então não deu certo, pois você está parecendo um enorme farol iluminando uma noite de intensa neblina. Por que você não me conta o que realmente aconteceu? Talvez eu possa te ajudar preparando um remédio para tirar essa sua dor de cabeça que tanto você se queixa quando está em terra firme.
       — Meu caro amigo, você sabe muito bem que eu não quero que mais pessoas próximas a mim morram por causa disto. — sussurrou o capitão enquanto segurava o anel que agora estava num bolso do casaco.
       — Mas você tem que se livrar desse objeto que te assombra. Vamos, diga-me: o que realmente aconteceu naqueles anos na ilha do Insularo de Kranio?
       O capitão Edvar Berett retirou o anel de seu bolso e colocou-o numa pequena caixa de madeira pintada de preta que por dentro era revestida de um tecido da mesma cor. Rapidamente guardou os dois no bolso logo que o cozinheiro apareceu trazendo um jarro com uma bebida. Edvar esperou o cozinheiro voltar à dispensa onde pegaria mais mantimentos para o preparo do almoço. Então começaram a comer e beber tentando disfarçar o nervosismo e continuaram a conversar, mas sussurrando temendo que outro alguém ouvisse a conversa.
       — Você conhece a história, já te contei umas trezentas vezes.
       — Não! A história inteira! Eu quero ouvir a história inteira. Vai amigo, deixe-me saber o que realmente aconteceu. Só assim poderei te ajudar.
       — Você não entende! Isto é perigoso demais. Só de ter contado a você já estamos correndo riscos. É melhor você saber pouco. Depois de muito tempo reencontrá-lo e ter aceitado o convite de ser o médico da minha tripulação em meu navio você já está ajudando muito. Bem, eu tenho que ir e conferir as munições antes de atracarmos num porto mais próximo e cometer o erro de não comprarmos o suficiente. Com licença.
       Antes que Rick insistisse novamente em convencer o amigo a contar-lhe toda a história, Edvar levantou-se e foi até o depósito de munições. Rick continuou ali sentado tentando terminar o seu café da manhã. Mas não conseguia, pois essa história o perturbava muito. Ele sabia que não ia adiantar ficar insistindo. Queria muito ajudar o velho amigo. "Não vou desistir e pensar em uma outra forma dele me contar toda a história daquele anel!" — pensou consigo enquanto se dirigia ao seu consultório improvisado mordendo o último pedaço de pão.

       ~~~

       No depósito de munições, Edvar Berett conferia cada item minuciosamente. Passando pelos barris empilhados cheios de pólvora. Com um pequeno martelo dava pancadas leves neles ao mesmo tempo em que aproximava o ouvido prestando a atenção nos diferentes sons produzidos pelas batidas na lateral do barril começando da parte de baixo até próximo da borda. Algumas vezes repetindo as batidas umas três vezes. "É só para ter certeza!" — pensava. Não estava muito satisfeito com a quantidade de pólvora. Receoso de que aquela quantidade não era suficiente para aguentar um outro ataque. Enquanto escrevia em seu bloco de anotações, ia desviando a cabeça dos muitos objetos pendurados e nunca esbarrava neles e alguns marinheiros consideravam isto uma habilidade que chamava a atenção.
       Alguns tripulantes já trabalhavam para o capitão há muitos anos e nunca o viram mandar alguém fazer a conferência, nem mesmo o contramestre. Depois de fechar as portas do depósito, guardou suas anotações num bolso que ficava na parte interna de seu casaco. Decidiu subir até o convés para ver se terminaram de arrumar as partes danificadas.
       No convés, o capitão apoiou suas mãos na amurada e inclinou o corpo para ver a lateral direita do navio que mais sofreu com o ataque trinta dias atrás. Ele confere os calabres, passa em torno de algumas pilhas de caixotes e para embaixo da gávea e com a sua voz imponente chama o marinheiro Gunters que está no cesto atento a qualquer sinal de terra firme. Gunters era um dos marinheiros mais velhos da tripulação e mesmo contrariando as orientações do senhor Dawkin de que por ter idade avançada não deveria se arriscar tanto. Ele continuava a subir até o cesto da gávea. Dizia ele que era o que mais gostava de fazer num navio como este. A sua visão, diziam alguns, não é mais como antigamente. Porém, mesmo não tendo uma visão tão boa assim, outros dizem que ele tem a estranha capacidade de sentir o cheiro de terra firme. Os que gostavam de brincar com Gunters diziam que a experiência que ele adquiriu vinha das fezes que as gaivotas faziam em seu nariz, que era grande. Seja qual for o seu truque, o capitão ainda confia nele.
       Contudo, hoje é o dia de duvidar de tudo e de todos...
       "Estamos navegando há trinta dias rumo ao Norte e nenhum sinal de terra. Conferi os mapas... Não posso ter errado" — pensou o capitão pegando a luneta e mirando-o para o horizonte.
       — Senhor Gunters! Está me ouvindo?
       — Sim, senhor capitão!
       — Consegue ver a montanha a estibordo?
       — Tem muito nevoeiro. Não consigo ver mais nada além do nevoeiro.
       — Então prossiga na missão. — respondeu o capitão inconformado e recolhendo a luneta no casaco.
       Edvar Berett era minucioso na leitura dos mapas e cálculo das rotas. ""Será que dessa vez eu errei e deixei passar algum detalhe? Vou conferir". Edvar virou-se e andou a passos largos de cabeça baixa fazendo os cálculos antes mesmo de ter os mapas em suas mãos. Desviando de um marinheiro que limpava o chão e de objetos deixados no convés tentando lembrar das anotações que fizera. Quando lá de cima na gávea, Gunters grita:
       —  Capitão! Estou vendo a montanha.
       Com a luneta em mãos, Edvar tenta com muito esforço enxergar algo no meio daquele intenso nevoeiro. Todos que estavam no convés pararam e ficaram boquiabertos ao verem surgindo no meio do nevoeiro a alta montanha que ficava no meio da ilha. Era ao mesmo tempo belo e misterioso.
       — Lançar âncora! Recolham as velas, seus tolos! — ordenou o capitão e todos começaram a se movimentar. — Imediato, cuide para que os canhoneiros estejam prontos para o imprevisto. Peça para um dos oficiais avisarem os dez homens mais experientes se arrumarem com armas e prontos para carregarem peso, pois iremos à ilha comprar mantimentos e munições. Partiremos em trinta minutos.
       — Sim, senhor capitão. — respondeu o imediato que se virou rapidamente e quase derrubou o senhor Dawkin que estava chegando para falar com o capitão.
       — Eu ouvi gritos. O que está acontecendo? Seremos atacados?
       — Meu caro amigo, tanto tempo neste navio e ainda não se acostumou?
       — Eu acho que nunca vou me acostumar a toda esta agitação.
       — Vamos até o tombadilho para ver melhor. Está vendo aquela ilha? Eu e alguns homens vamos lá comprar suprimentos como munição, comida e também remédios para os feridos da última batalha. Precisarei deles em breve.
       — Sabemos que eu não entendo muito de navegação, mas por que estamos tão longe da ilha? Esta ilha não tem um porto?
       — Não podemos nos arriscar. Estamos seguros desta distância de qualquer ataque de canhões.
       — Mas você conhece esta ilha, não? Seremos atacados? Não quero morrer tão cedo e tão longe de casa!
       — Não se preocupe. Não seremos atacados... ainda. — o capitão tenta acalmar seu amigo e deixa escapar um sorriso. – Tudo vai depender de quem está na ilha. Se for amigo... voltaremos com tudo o que precisamos e sairemos o mais rápido possível daqui. Se for inimigo... é melhor o senhor preparar a sua mesa com as ferramentas, pois teremos muito sangue que vai pintar o navio e tingir toda esta água a nossa volta!
       O senhor Dawkin tinha experiência em lidar com feridos de guerra, porém não pôde disfarçar a preocupação. O capitão não se deixava abalar, já sabia o que estava por vir e ficaram ali parados no tombadilho. O capitão apontou com a luneta a ilha e sua incrível montanha que surgia do nevoeiro que agora se dissipava revelando sua beleza sombria.
       — Mas insisto em saber se o senhor capitão já esteve aqui antes.
       — Sim, senhor Dawkin. Já estive aqui, mas faz algum tempo. — respondeu o capitão não muito contente com a insistência do amigo. — Acho melhor nos prepararmos e ir até lá quando anoitecer.
       — Como queira. Vou preparar a mesa... — disse o senhor Dawkin se afastando do capitão e sumindo no meio dos marinheiros se movimentando no convés.
       O capitão faz um gesto e o imediato se aproxima rapidamente.
       — Verifique se o navio está totalmente arrumado e os dez homens que pedi estão prontos?
       — Sim, senhor capitão. – respondeu o imediato que depois deu um assovio chamando o grupo. – Aqui estão eles.
       — Muito bom. Pode se retirar.
       Os dez homens que o imediato escolheu estavam perfilados e o capitão passou por eles fazendo uma revista procurando por algo errado nas armas, nos sapatos, nas calças, nas camisas, coletes, chapéus..., mas logo percebeu que pareciam ter sido mastigados e cuspidos por uma baleia e depois deixados na praia para secarem ao sol. O capitão insatisfeito com suas aparências, mandou-os se lavarem e que os oficiais levariam para eles uma vestimenta mais descente. Um dos marinheiros que carregava em sua cintura dois machados ergueu a mão direita até a altura do queixo esperando chamar a atenção do capitão para falar com ele.
       — Diga, marinheiro.
       — O senhor disse para estarmos prontos em trinta minutos...
       — Eu sei, mas tive que mudar os planos — interrompeu o capitão — e partiremos para a ilha assim que anoitecer e, antes que eu esqueça, os senhores receberão também com suas vestimentas alguns lenços pretos que deverão cobrir todo metal reluzente de suas roupas e armas...
       — Mas esses lenços poderão atrapalhar na hora de usar as armas, capitão! — interrompeu o outro marinheiro que segurava uma pistola Flintlock que conseguira na última batalha.
       O capitão se aproximou a passos largos e todos já sabiam que o companheiro tinha errado por ter falado com o capitão sem antes levantar a mão. Costume que o próprio capitão criou para que houvesse uma certa disciplina a bordo.
       — Minhas desculpas, capitão. Isto não acontecerá mais. — falou o marinheiro retirando o chapéu e abaixando a cabeça.
       — Nós todos estaremos armados naquela ilha, mas devo avisá-los de que não precisarão disparar uma arma sequer a não ser que eu tenha mandado. A ordem é não se precipitarem. Estejam atentos ao que eu mandar fazer e não se afastem do grupo. Por enquanto é só. Dispensados.
       Todos os dez homens fizeram um gesto batendo com a mão fechada no peito e se retiraram. O capitão ficou ali parado olhando para o céu por algum tempo e depois chamou o senhor Gunters gesticulando para que ele descesse. No convés, os dois se afastam e o capitão dá ordens para que ele volte a subir até a gávea quando estiver escurecendo; com uma luneta vigiar o lado leste da ilha e aparecendo algo diferente avisar sem alarde com uma pequena lanterna o imediato e alguns canhoneiros que estarão de guarda. Depois de ter passado as instruções, pediu ao senhor Gunters que fosse se alimentar e descansar e se preparar para a noite. Gunters não gostou muito do fato de ter que usar uma luneta para vigiar, mas sendo à noite e com a visão um pouco falha é melhor usá-la! Mesmo não sabendo o que o capitão espera que seja visto.

       ~~~

       A noite chega e na cabine o capitão, um pouco nervoso, pega um pequeno saco de couro e guarda nele algumas moedas de ouro de um baú que estava trancado por dois cadeados. "Isto deve ser o suficiente" — pensou o capitão voltando com a mão no baú e pegando mais um punhado de moedas. Neste instante, ouviram-se batidas na porta. O capitão guardou rapidamente o saco de moedas no casaco e com um golpe com sua bota fechou o baú.
       — Entra!
       — Com sua licença, capitão? — disse o canhoneiro que estava iniciando sua ronda. — O Gunters viu algumas luzes se acendendo na margem.
       — Obrigado, marinheiro. Pode voltar ao seu posto.
       — Sim, capitão.
       Assim que o marinheiro fechou a porta, o capitão trancou o baú com os dois cadeados e o guardou num fundo falso logo abaixo de sua mesa. Conferiu nos bolsos do casaco negro se ali estavam o saco com as moedas, sua luneta, sua bússola e o mais importante de todos: a caixa com o anel. Pegou a chave da porta da cabine e a trancou. Já no convés, apenas com gestos ele chamou a todos e eles foram chegando o mais próximo ao capitão que falou:
       — Boa noite, senhores. Vou alertá-los novamente de que é importante que não hesitem ao que vocês forem ver ou ouvir naquela ilha. Mantenham-se atentos ao que eu fizer e disser. Não exponham suas armas. Cuidem para que as partes metálicas de suas vestimentas estejam sempre cobertas. E mais uma coisa: não comam e nem bebam do que oferecerem. Alguém tem alguma pergunta?
       — Sim. E se acontecer algo ao senhor ou a alguns de nós, o que deveremos fazer, já que não poderemos usar as armas? — perguntou o canhoneiro dos dois machados cobertos com os lenços pretos pendurados na cintura.
       — Se algo acontecer com um de vocês ou com alguns a ordem para quem não estiver envolvido é largar as mercadorias, sair correndo para os barcos, retornar ao navio e esperarem aqui até o amanhecer. — respondeu o capitão olhando para as luzes acesas na ilha. — Mais alguma pergunta? Não? Então vamos.
       Apesar de parecerem nervosos e curiosos por não saberem o que encontrarão na ilha, ninguém ousou encher o capitão com perguntas e talvez fazê-lo pensar que estavam com medo. Porém, eles até pensaram que seria bom um pouco de atividade em terra firme para aliviar o cansaço de não terem entrado em uma outra batalha. "Finalmente um pouco de diversão" — pensou um dos canhoneiros.
        Depois que todos desceram do navio em dois barcos, o capitão fez um sinal com a mão, os pares de remos foram colocados na água e com movimentos suaves, para não fazerem tanto barulho, começaram a se movimentar em direção à ilha.



                                                                                           II



       Os dois barcos vagarosamente se aproximavam da praia. Sem pressa. Parecia que não ia chegar nunca. Alguns murmuravam pela demora, outros pelo calor que fazia naquela noite com poucas nuvens. Dos seus rostos escorria suor e podia-se pensar que estavam com medo, mas eles eram os melhores da tripulação. Tinham muita experiência em batalhas. O que iriam encontrar naquela ilha é o que lhes deixavam aflitos. Atacar navios, portos e ilhas em mares conhecidos era bem diferente e de todos ali, só o capitão parecia conhecer aquela ilha.
       Finalmente os barcos chegam à praia. Todos desembarcam. Conferem seus pertences e acessórios. O capitão dá mais uma olhada em volta de onde estão e ordena que dois deles permaneçam ali com os barcos. Outros dois começaram a acender as tochas e uma delas ficou com o capitão. Ele pegou um dos cestos em forma de cilindro que parecia pesado e o pendurou no ombro esquerdo. Alguns pegaram caixas. Os outros pegaram cestos e sacos de couro.
       Ao adentrar a mata, mal podiam ver seus próprios pés. Nem a luz da Lua conseguia ultrapassar as copas das árvores e suas folhagens. Nem sons de animais que tem hábitos noturnos se ouviam em meio à densa vegetação. A forma como o capitão se movimentava por entre as árvores confirmava o que alguns canhoneiros apostaram em conversas no navio: "o capitão já estivera ali naquela ilha". Estavam andando rápido demais e não dava tempo para desviar dos galhos finos chicoteando em seus rostos. O marinheiro que portava os dois machados na cintura, conhecido como Hakilo, olhou para trás e não viu mais a luz das tochas dos que ficaram na praia.
        Muitos passos depois eles pararam. Na frente deles surgia uma enorme clareira que mesmo má iluminada dava para perceber que era perfeitamente circular. O capitão pede sussurrando para que eles fiquem um ao lado do outro na borda e ele começa a andar até o centro da clareira e para. Todos estavam com os olhos bem abertos, atentos, repassando na mente as recomendações que o capitão dissera no navio. Neste instante, uma figura sinistra e de difícil definição surge de dentro da vegetação e para na borda do círculo no lado oposto. "É homem, mulher..., mas o que é isso?" — sussurravam alguns. Como um reflexo de autodefesa, os marinheiros empunham suas armas esperando um ataque da figura sinistra, mas o capitão pede a eles para que se lembrem de não se precipitarem e que se acalmassem, pois estava tudo sobre controle.
       — Capitão, quem é ele, ela... essa coisa, sei lá? — perguntou Hakilo.
       — Essas criaturas são chamadas de Akr'ombroj. — respondeu o capitão.
       — Como assim "essas criaturas"? Só estou vendo uma.
       — As outras estão logo atrás de vocês. — apontando com a mão na direção deles.
       Todos eles se viraram e viram as outras duas criaturas paradas imóveis atrás deles. Alguns deram um salto de susto. Outros arregalaram os olhos espantados e curiosos por nunca terem visto algo parecido. Por mais que se esforçassem em saber como eles eram não adiantava. Não era possível definir o formato de seus corpos. A única coisa possível de se ver eram os seus olhos. Os olhos deles eram brancos e reluziam à luz da Lua como lobos famintos escondidos na sombra prestes a atacar sua presa. Olhar para aqueles pontos brancos brilhantes em meio à silhueta negra parada ali diante deles era de hipnotizar e causar medo ao mesmo tempo. A admiração pelas criaturas foi interrompida pelo capitão.
       — Senhores, não queria estragar este momento de contemplação e admiração destas criaturas, mas temos que prosseguir e evitem olhar de novo diretamente nos seus olhos.
       Então, o capitão começou a andar na direção da criatura que estava só e parecia ser o líder dos três porque portava uma lança com um crânio humano e começou a falar na língua deles. Após alguns instantes de conversas Hakilo interrompe o capitão e pergunta:
       — Senhor! O que este Akr'ombro está dizendo?
       Mas ele não responde. Apenas vira a cabeça olhando furiosamente para o marinheiro e volta a conversar com a criatura. Ele pega o cesto pendurado em seu ombro, desfaz o nó que prende a tampa e o arremessa aos pés da criatura. Parte do seu conteúdo se esparrama na frente do Akr'ombro líder. A criatura se aproxima e pega um pedaço do que parecia ser de carne com pele ainda pendurada e mau cortada. A criatura leva o pedaço próximo ao seu rosto iluminado pela luz da lua e o cheira como um cachorro e abre sua boca onde podia-se ver fileiras de dentes afiados como as de um tubarão. As suas mandíbulas se abriram como as de uma serpente e abocanharam uma grande parte. Após mastigar algumas vezes, ele aponta sua lança para as outras duas criaturas que se aproximam pela lateral do círculo, uma de cada lado e apanham o cesto e o que caiu dele e somem adentrando a mata. Logo depois, o líder, ainda mastigando a carne abocanhada, faz um gesto com a lança apontando para os visitantes e depois na mesma direção onde os outros Akr'ombroj haviam sumido.
       — Vamos, peguem suas coisas! — ordenou o capitão.
       Enquanto adentravam a mata, Hakilo, intrigado com o que aconteceu, pergunta ao capitão:
       — Senhor, agora posso interromper e lhe fazer uma pergunta?
       — Diga.
       — O que foi aquilo tudo? O que foi que aconteceu?
       O capitão explica que Akr'ombroj – do idioma adotado e falado pelos piratas e marinheiros não ligados à marinha real – pronuncia-se acrômbroi quando se referir ao conjunto deles e acrômbro, a um deles. Estas criaturas são guardiões da ilha. Para poderem chegar onde querem, terão que passar por seus domínios. O líder só concorda que passem vivos se pagarem tributos.
       Hakilo estava confuso. Sabia que tributos eram pagos com dinheiro. O capitão não pagou com ouro. Quis saber com o que o capitão pagou as criaturas.
       — Aquele cesto estava cheio de sal grosso.
       — Eles se contentaram com sal grosso apenas? E sal grosso é fácil de se encontrar.
       — Junto com o sal grosso tinham pedaços de gatos e ratos. Nesta ilha, gatos e ratos curtidos em sal grosso é raro. Eles comem isto como aperitivo!
       — Se os pedaços de gatos e de ratos curtidos em sal grosso são aperitivos... Então, qual é a comida preferida dessas criaturas? — todos param de andar e olham para o capitão temendo a resposta.
       — O prato principal é carne humana curtida com água do mar!

~~~

        No navio, o imediato fazia sua ronda noturna pelo convés. Passava pelos guardas e verificava se estava tudo bem. Olhou para a gávea no mastro principal e ficou desconfiado de que algo estava errado. Chegou perto do mastro e chamou pelo senhor Gunters. Mas ele não respondeu. Insistiu. Nada de responder. "Esse velho não presta mais pra nada. Acho que está dormindo" — disse consigo e depois ordenou para que um dos guardas pegasse sua luneta e ficasse de olho nos marinheiros que estavam na ilha e que ficasse atento a algum sinal de perigo. Chamou um outro guarda e o mandou subir e acordar o Gunters que provavelmente estava dormindo. Chegando lá em cima o guarda ficou espantado com o que estava vendo:
       — Senhor! Aqui só tem uma luneta e pedaços... eu acho que são... de panos. São pedaços rasgados de roupa.
       — Raios! Desça daí agora. – ordenou o imediato que agora estava olhando para os lados e correndo pelo convés procurando por algo diferente nas laterais do navio.
       — O que o senhor acha que aconteceu ao senhor Gunters?
       — Não sei. Vá lá embaixo e acorde a tripulação. Verifiquem cada canto deste navio. Eu acho que temos uma visita indesejada no navio. Rápido. Vai.
       — Sim, senhor.
       — Ei, rapaz! Algum sinal deles? – perguntou o imediato ao guarda que ficara no lugar do senhor Gunters. Mas para sua surpresa o guarda também sumiu. O imediato procurou por ele no convés, mas não o encontrou. "Talvez ele tenha caído do navio" – pensou, mas não tinha ouvido nenhum barulho diferente. E voltando para o lugar onde estava, olhou para o chão e só encontrou a luneta.
       Empunhou a pistola e desceu ao deque inferior. Temia que o invasor tivesse pego alguém como refém. Perguntou aos guardas pelo senhor Gunters e ninguém o viu em parte alguma. Aos poucos, chegavam os guardas de outras partes do navio com a notícia de que estava tudo em ordem. Faltavam os alojamentos, a cabine do capitão e a enfermaria. Então, o imediato lembrou do médico, o senhor Rick Dawkin, que permanecera em seu quarto e desde a tarde não tinha saído. "Pode ser que o Gunters esteja com o médico" – pensou. Chamou dois guardas para acompanhá-lo. Correram até o alojamento do médico. Quando chegaram em frente à porta, o imediato levantou a mão fechada no ar e todos ficaram quietos. Ele olhou para a fechadura da porta e percebeu que estava quebrada. O imediato balançou a cabeça e todos empunharam suas espadas, ele abriu a porta e entraram. Ficaram todos surpresos em ver a bagunça que se encontrava o alojamento.
       Neste instante ouviram-se gritos. Um guarda passa apressadamente pelo meio dos homens que estavam parados na porta e quase sem fôlego fala para o imediato que algo de estranho estava acontecendo na ilha.
      
~~~

       No meio da ilha havia um vilarejo formado por embarcações que mais pareciam ter perdido o rumo e atravessado a praia e ido direto para o centro, amontoando-se em várias pilhas de embarcações velhas e quebradas. E o que era impossível de acreditar que em meio àquela confusão visual e quase indefinível de sucatas de embarcações havia uma entrada e parados em frente a ela estava o capitão e os outros marinheiros que surgiram logo atrás. Os marinheiros olharam para todos os lados procurando os Akr'ombroj, mas eles tinham sumido na mata. Hakilo conferiu se seus machados ainda estavam em sua cintura e ficou mais tranquilo em saber que ainda os tinham. O capitão olhou para trás para ter certeza de que todos estavam ali e apontou com a mão para prosseguirem e foram andando até o armazém que era todo branco já amarelado de tão velho e queimado pelo tempo e com os beirais das portas e janelas pintadas de vermelho.
       — Senhores, aqui estão os pacotes com o ouro que precisam para comprar os suprimentos. Façam isso o mais rápido possível. Não fiquem negociando preço, descontos, etc., o povo daqui não gosta de gente assim. Não importa o preço que pedirem pelas mercadorias, apenas peça a quantidade de que precisamos, coloque-as nas bolsas e sacos e voltem para a entrada do vilarejo e me aguardem lá. Não entrem na mata sem mim. Aconteça o que acontecer não empunhem suas armas. – falou o capitão e jogou os pequenos pacotes de moedas de ouro para cada marinheiro.
       Hakilo não contendo a curiosidade ao perceber que o capitão não os acompanharia no armazém perguntou:
       — Senhor, capitão. Desculpa perguntar, mas nós poderíamos saber para onde o senhor está indo no caso de precisarmos procurá-lo?
       Os outros se entreolharam com um meio sorriso e também temendo a resposta da ousadia de Hakilo em fazer aquela pergunta para o capitão.
       — Não importa para onde eu vou. Quanto menos vocês souberem é melhor. Agora para de se intrometer nos meus assuntos e faça o que lhe mandei! – respondeu o capitão deixando eles para trás e apressando o passo em direção a uma rua escura.
       Os marinheiros começaram a rir de Hakilo que estava com o rosto vermelho da mistura de vergonha e raiva. Pediu para que eles parassem de caçoá-lo e fechando as mãos desferiu socos no ar ameaçando bater neles.
       — Vocês são uns idiotas! Seus ratos podres! Vocês não perceberam que tem algo de estranho no ar?
       — Deixa disso, Hakilo. 'Tá ficando doido? Você enfiou espinha de peixe no nariz? – diziam os marinheiros entrando no armazém, deixando Hakilo ali parado olhando o capitão sumir em uma das ruas estreitas e pouco iluminadas pensando no que o capitão estaria envolvido e qual o verdadeiro motivo deles estarem naquela maldita ilha. "Não era só por causa dos suprimentos para a tripulação e o navio... Pelas barbas do camarão, capitão. Não faça besteiras. Hoje não está uma noite para confusões." – pensou Hakilo olhando para a Lua que agora estava brilhante bem alto no céu sem nuvens.
       Àquela hora da noite não se viam muitas pessoas andando por aquelas ruas estreitas. Os amontoados de embarcações se separavam em grandes quarteirões. Algumas tinham placas de madeira com desenhos grafados que indicavam o que vendiam ou faziam. Então, uns seis quarteirões de onde ele deixou os marinheiros, ele entrou à direita numa rua que existia uma placa num arco bem na entrada com o desenho de uma garrafa e um caneco. Algumas tavernas estavam abertas. Podia-se ouvir os barulhos feitos pelos copos batendo nas mesas, músicas e gargalhadas, bêbados brigando ou caindo no chão... tudo que marinheiros à procura de diversão encontrariam por ali, mas esse não era o seu objetivo. Capitão Berett continuou andando, chegou à uma outra taverna muito maior que marcava o final da rua.
       O capitão se aproxima da entrada e imediatamente os seguranças que estavam cada um ao lado de um canhão instalado em cada lado da porta, se posicionam na frente dele impedindo-o que entrasse. O capitão estendeu a mão aberta mostrando duas moedas de ouro para eles dizendo que tinha dívidas para acertar com o Blanka Bucanero. Um dos seguranças encosta o rosto na enorme porta e dá algumas batidas. Em seguida a porta revelou uma pequena abertura onde apenas se podia ver um par de olhos. Os dois sussurram algo e o segurança se virou para o capitão perguntando qual era o nome dele. Após o capitão se apresentar, os dois sussurram novamente, a pequena abertura se fecha e uma sequência de sons de fechaduras e ferrolhos soam atrás da porta começando de cima, passando pelo meio e terminando bem próximo ao chão.
       A porta se abre e os seguranças acompanham com os olhos atentos a entrada do capitão na taverna. A entrada dava para um corredor estreito todo decorado com panos nas paredes e grandes quadros pintados com cenas de navios em guerra. Ao passar por uma cortina no final deste corredor, ele observa o grande salão. Assistir as belas dançarinas no palco, ao fundo, e a outras atrações menos interessantes como bêbados que tentavam equilibrar copos de cerveja na testa; arremessar dardos em azeitonas presas com os dentes; aguentar por mais tempo a palma da mão sobre a chama de uma vela... tudo isso seria um deleite para qualquer um que tenha acabado de sobreviver à uma batalha como o capitão Berett, mas  não era o seu principal objetivo. Ele tinha negócios mais importantes para resolver ali. A diversão terá que ficar para depois.
       Do lado direito fica o balcão onde os atendentes retiravam as bebidas. O capitão foi até uma das mesas próxima ao balcão que estava livre e se acomodou. Um atendente da taverna se apresenta e o capitão pede uma bebida que não demorou para chegar.
       Antes de terminar de dar mais um gole de sua bebida, uma pessoa desceu a escada que fica do lado do balcão: meia idade com cabelo comprido e branco o deixava à mostra embaixo de um lenço amarrado na cabeça; barba branca; bem-vestido; ostentando anéis de ouro.
       A sua presença chamou a atenção de alguns. Ao descer as escadas ele foi diretamente à mesa do capitão e pediu mais duas bebidas.
       — Senhor Edvar Berett, ou melhor, capitão Edvar Berett. Seja bem-vindo à minha humilde taverna. Cansou de saquear os navios no Mediterrâneo e veio para o leste à procura de aventuras ou riquezas, capitão...
       — Pode parando com este papo. – interrompeu o capitão. — Você sabe que estou aqui apenas para resolver o que foi combinado, senhor Blanka Bucanero.
       — Por que tanta pressa? E eu não sou bucaneiro. Meu tio era bucaneiro e famoso por ser um dos criadores dos anéis da caveira. Me chame de Frederico Low, ou simplesmente de capitão Fred Low.
       — Conheço a fama de seu tio, o Ned Low. Dizem que ele cortava as orelhas de seus prisioneiros e os forçava a comê-las no jantar.
       — Sim. Também tento seguir seus passos... Mas, como estava dizendo: Eu era um corsário e há muito tempo deixei de ser e depois de ganhar muito dinheiro descobri esta ilha, tornei-me o líder e aqui estou desde então para a felicidade de todos que moram aqui.
       — Para a felicidade dos que moram aqui? Você os aprisionam aqui!
       — Dívidas. Eles não conseguem pagar o que devem, então eu os deixo ficarem aqui sobe meu comando, me servindo como bons trabalhadores até que eu considere pago a dívida.
       Neste instante, o capitão retirou de seus bolsos internos vários sacos de moedas e os colocou em cima da mesa. O capitão Fred Low pegou um dos sacos, esparramou o seu conteúdo pela mesa; pegou uma das moedas e a mordeu para verificar se era mesmo de ouro e disse:
       — Você pode me dizer a quem devo libertar com estes míseros saquinhos de moedas?
       — A filha do comodoro espanhol. – o capitão já suspeitando da resposta negativa de Low, insiste: — E quero voltar ao meu navio com ela antes do amanhecer.
       Low deu uma longa gargalhada, empurrou todo o dinheiro de volta e respondeu:
       — Eu não acredito no que meus olhos viram e meus ouvidos ouviram: o temível capitão Edvar Berett veio pagar a dívida de seu... inimigo? Você quer comprar a liberdade da filha do comodoro espanhol com isto. Ah... espere um pouco.... já sei! Se eu aceitar a proposta você a leva até o comodoro espanhol que lhe pagará mais pelo resgate ou você usará o golpe do resgate e pedirá mais que o que ele deve aqui, pois ele vai ter a garantia de que ela vai ser libertada... blá, blá, blá...
       — Será que vale tanto assim se arriscar por uma garota que você nem conhece? – continuou o capitão Low. — Já lhe passou pela cabeça que pode ser um truque dos espanhóis para te prender assim que descobrirem que você a tirou daqui? Já olhou para as mesas e percebeu que podem ter espiões espanhóis aqui esperando só o momento de lhe darem a ordem de prisão e seu maravilhoso plano de ganhar mais dinheiro ir para o fundo do mar? É bem possível que estejam infiltrados entre nós. Como sou considerado o líder desta ilha e não quero problemas com os espanhóis, deixarei eles levarem você e ficarei muito contente.
       O capitão já estava ficando impaciente com a conversa. Olhou para os lados e percebeu os seguranças de Low se posicionando em todos os cantos da taverna. "Se ele continuar falando, eu não conseguirei sair desta ilha antes que amanheça. Preciso fazer alguma coisa" – pensou o capitão. Então, ele enfiou a mão no casaco, mas foi interrompido pelo capitão Low:
       — Nem pense nisso, capitão Berett! Como você pôde perceber, cada canto desta taverna tem um segurança meu. Qualquer movimento errado, capitão... você morre. Eu sei que o que você quer usar e está aí no seu bolso vai, de certo modo, resolver o seu problema e causar outro. Eu sei de seus passeios por Córsega e Sardenha há alguns meses.
       — Eu acho que você está enganado, meu caro capitão Low. Faz uns meses sim que estive navegando, mas apenas transportando mercadorias nos portos da América do Sul.
       — Não minta pra mim capitão Berett! Meus informantes não erram. – capitão Low retira um mapa do casaco e o abre sobre a mesa na frente do capitão que ainda estava com a mão no casaco. — Veja, você reconhece o mapa?
       Capitão Berett observa o mapa cuidadosamente e procurando por um código que costuma fazer nas bordas de seus mapas que só ele conhece o significado. Ele gostaria de dizer ao capitão Low que ele estava tentando enganá-lo, porém após algumas olhadas pelo mapa, ele encontra o código ali com tinta vermelha desbotada, bem no canto superior direito na parte de trás.
       — Como conseguiu isto?
       — Não importa como. E, sim, que saiba que tenho informantes espalhados pelo mundo afora. É uma forma de me proteger dos inimigos de meu pai que ainda insistem em se vingarem.
       O capitão Berett não conseguiu esconder a raiva nos olhos. Voltou a mão para debaixo da mesa e ao mesmo tempo os seguranças do capitão Low recuaram.
       Neste mesmo instante, uma moça apareceu parada no alto da escada. O capitão Berett, desconfiado, fixou seu olhar nela tentando enxergar mais detalhes que confirmem que aquela moça poderia ser a filha do comodoro. Detalhes que lhe chamavam a atenção eram seus olhos verdes e cabelos negros bem lisos caídos pelos ombros.
       Quando o capitão Berett estava com o comodoro para negociar o resgate de sua filha, ele lhe mostrou um quadro feito por ela. Um autorretrato. Ela o pintou quando tinha quinze anos de idade. As moças de famílias nobres são tão bem tratadas que não mudam muito e nem aparentam a idade que tem, mesmo após dez anos.
       Olhou novamente para ela. Agora estava descendo as escadas. Viu os seus olhos. Lindos olhos verdes, porém tristes.
       — Sim, capitão Berett. É ela mesma. – disse Low enquanto Luna se aproximava deles. — Vamos sente-se aqui nesta cadeira, minha cara. Tragam uma bebida para a moça!
       A moça permaneceu calada. Estava olhando para todos os lados do salão como se estivesse procurando alguém ou uma saída. Parecia esperar por um descuido do capitão Low e de seus guardas para sair correndo. Capitão Berett percebeu e não queria que ela cometesse alguma idiotice, então tentou um diálogo com ela.
       — Qual o seu nome senhorita? – perguntou o capitão Berett.
       — Posso saber primeiro quem é o senhor?
       — Perdão. Este lugar não me inspira gentilezas... Sou o capitão Edvar Berett.
       — O que vai adiantar o senhor saber o meu nome? Aqui nesta ilha o meu nome é o menos importante... O meu pai lhe deve dinheiro também? Veio aqui me cobrar pelas dívidas de meu pai? Estou aqui para ser comprada e vendida novamente como "escrava"?
       — Não, senhorita. Não precisa ficar com tanta raiva assim. Estou aqui para levá-la ao seu...
       — Chega de apresentações! – interrompeu o capitão Low. — Você está muito nervosa moça. Acalme-se. O plano dele é pagar a dívida que seu pai me deve e levá-la de volta para ele. Veja que plano magnífico este do capitão Berett! O que o capitão não sabe é que você só sai daqui quando o seu pai pessoalmente vier aqui e acertarmos as contas!
       Capitão Berett percebendo que o comentário do capitão Low era uma resposta negativa a sua petição, voltou a insistir no seu pedido de pagamento da dívida do comodoro em troca de sua filha de uma forma agora mais ameaçadora. Mas, o capitão Low continuou não aceitando e nervoso com a insistência do capitão Berett, ordenou para que dois dos seus seguranças se aproximassem da mesa. Capitão Low se levantou e disse, em tom ameaçador, que lhe dá mais uma chance de estar vivo, porém que volte para o seu navio com sua tripulação e suprimentos.
       — Desista também do plano de resgatar a filha do comodoro. – disse o capitão Low se retirando da mesa.
       — Não irei embora sem a garota. As suas ameaças não me assustarão e nem me farão mudar de ideia. Só saio desta ilha com ela, pagando ou não a dívida que seu pai lhe deve.
       Capitão Berett levantou-se e antes mesmo de qualquer outro movimento, os seguranças apontaram suas espadas para a sua direção quase que ao mesmo tempo. Silêncio. Os frequentadores já estavam acostumados à verem brigas com marinheiros bêbados apontando armas, mas naquela taverna, não. O capitão Low não permitia esse tipo de coisa na sua taverna e punia severamente os que desobedeciam suas regras.
       — Vamos, capitão Berett. Aceite a minha proposta e assim pouparemos derramamento de sangue. Não quero ver um velho amigo que vive se escondendo do seu verdadeiro destino: conquistar o mundo como um dos possuidores dos anéis da caveira!
       Agora todos se espantaram mais ainda após o capitão Low ter falado do anel da caveira. Capitão Berett pegou o anel disfarçadamente e o segurou, temendo que Low soubesse que estava com ele. Então o capitão Low continuou:
       — Você vai se arriscar por uma mulher que acabara de conhecer e seu pai, um oficial da marinha espanhola, ganancioso, bêbado e que não sabe perder em jogos de azar?
       Neste mesmo instante, ouvia-se barulhos de objetos se quebrando vindos do corredor à entrada da taverna. Estava ficando mais alto. O capitão Low faz um sinal com a mão e um dos seguranças que estava próximo da porta retira um trinco de uma pequena abertura. Antes mesmo que pudesse ver o que estava acontecendo do outro lado, a porta e o segurança são arremessados. Ambos caem sobre uma mesa. De imediato ninguém conseguiu entender o que estava acontecendo e permaneceram parados. Aguardaram por quem ou o que fez tudo aquilo.  O corredor estava escuro. Outro segurança surgiu no ar pelo corredor pousando sobre outra mesa. As batidas no chão continuaram mais rápido e mais alto. Ao sair do corredor, a figura estranha permaneceu em pé na entrada do salão. O responsável por aquela bagunça se anunciou com um urro.
       — É um Akr'ombro! – começaram a gritar e a correria se iniciou. Pessoas subiam pelas escadas,  pulavam atrás do balcão, procuravam desesperados por janelas...
       Diferentemente dos frequentadores desesperados da taverna, capitão Berett, capitão Low, Luna Dellmar e os seguranças ficaram ali esperando o próximo movimento da criatura.
       — Mas que ousadia! Invadir a minha taverna... – capitão Low continuou falando na língua da criatura, mas ela não respondeu. Ficou ali parada olhando para o local como se estivesse procurando por algo. Então, o capitão Low percebeu algo de errado com a criatura: ela não tinha olhos brilhantes e possuía cinco dedos como os humanos.
       — Ataquem homens! Ele não é um Akr'ombro!
       Os seguranças relutantemente começaram aos poucos a atacar a criatura que com socos e golpes com a lança jogava-os pelos ares. Corpos inteiros e partes deles voavam pela taverna. Um dos corpos caiu na mesa onde estavam e Luna foi puxada pelo capitão Berett: — Vamos garota, eu vou te salvar. Venha comigo.
       — Peguem eles! – ordenou o capitão Low a três seguranças que estavam perto dele. Antes que desse o primeiro passo, dois outros seguranças caíram em cima destes.
       — Seus imprestáveis. Vou ter que fazer isto sozinho? – capitão Low pegou sua espada e correu atrás do capitão Berett e Luna que ainda estava no chão.  Quando a criatura viu, pulou na frente do capitão Low e lhe deu um soco no peito. Ele foi jogado para trás do balcão onde já estavam escondidas algumas pessoas que trabalhavam na taverna.
       Luna se levantou e os dois começaram a correr para o corredor que agora estava pegando fogo por causa das velas caídas no chão. Capitão Berett retirou o casaco e o passou pelo ombro de Luna cobrindo com ele a cabeça dela e a sua enquanto corriam. O fogo lambia o teto e as paredes que já não tinham mais os grandes quadros que mostravam as batalhas de outrora; apenas molduras queimadas.
       Agora, já fora da taverna, os dois pararam em frente e viram pedaços dela caírem e o fogo tomando as paredes externas e o teto.
       — Esta rua vai ficar cheia de gente. Temos que nos encontrar com minha tripulação na entrada da vila e irmos para o navio. – disse o capitão Berett.
       — Por aqui é mais rápido. Vamos! – disse Luna apontando para um beco no quarteirão próximo.
       No beco, Luna e o capitão andavam rápido e silenciosamente. Luna espiou para ver se não tinha mais ninguém. Um grupo de pessoas que corria gritando ordens para pegarem água para apagar o incêndio.
       — A entrada do vilarejo fica a alguns metros por aquela direção. – disse Luna. — Mas, antes de continuarmos. Por que deveria confiar em você, senhor Berett?
       — Apenas confie. Não vou forçá-la a vir comigo, mas você escolhe: fica aqui e passa o resto da sua vida pagando pela dívida de seu pai ou retorna comigo para sua casa; viver sua vida maravilhosa no luxo. O meu objetivo é tirá-la daqui desta ilha e devolvê-la ao seu pai, o comodoro.
       — Não gostei da forma como você está se referindo a mim com essa coisa de viver sua vida maravilhosa! Por um acaso você sabe como é ser filha de um oficial da marinha e viver numa mansão sozi...
       — Não. Não sei como que é viver assim. Só sei é que devemos sair daqui agora. – interrompeu o capitão.
       Luna, que estava com muita raiva, virou-se com tudo e deu de cara com algo na sua frente e o baque a fez cair dura no chão daquele beco úmido e escuro. Tonta, levantou a cabeça e mesmo no escuro percebera que havia trombado com o que ela menos esperava encontrar naquela hora: um Ark'ombro. Ele estava ali parado na sua frente e não pensou mais em nada, desesperadamente foi se afastando da criatura até se esbarrar nas pernas do capitão que a impediu de continuar.
       — Calma, calma. Ele não vai lhe fazer mal. – o capitão tentou ajudá-la a se levantar, mas ela continuava a gritar e se agitar muito. — Fique quieta! Calma! Calma. – depois de muita insistência, ela se levantou e ficou atrás do capitão tentando se proteger.
       — Ainda bem que você está aqui. – falou o capitão com a criatura. — Vá na frente e veja se os seguranças do capitão Low não estão no caminho.
       A criatura sumiu num piscar de olhos. Luna não conseguia entender. Pegou um pedaço de madeira que estava jogado no chão e se afastou do capitão apontando-lhe o pedaço de madeira.
       — Mas o que está acontecendo aqui?
       — Não se preocupe, ele está do nosso lado.
       — Como pode?
       — Depois eu te explico.
       A criatura reaparece atrás dela e ela se vira, agora apontando o pedaço de madeira para a criatura. A criatura balança a cabeça positivamente e o capitão toma a garota pelos braços.
       — Depois você brinca com isto. Agora nós temos que correr. – disse o capitão.
       Os três saíram correndo o mais rápido que podiam descendo aquela rua mau iluminada. O grupo de batedores do capitão Berett já os aguardavam na saída do vilarejo.
       — Vejam! É o capitão. Espera! Quem são aqueles que estão com ele? – disse Hakilo olhando espantado para a criatura Akr'ombro.
       — Homens, não se preocupem! Eles estão conosco. Peguem os mantimentos e corram para dentro da floresta. – ordenou o capitão que passou no meio deles e sumindo na densa floresta sendo seguido por Luna e o Akr'ombro. Os olhares de espanto e medo que os batedores faziam enquanto a criatura passava os fez paralisarem por um momento.
       Ao fundo descendo a rua em que eles estavam, uma multidão dos comparsas e seguranças do capitão Low esbravejavam com tochas, armas de fogo e espadas.
       O silêncio aumentava assim que eles chegavam perto da floresta. Todos eles estavam pasmos olhando para os pontos brancos brilhantes escondidos na escuridão da floresta. O silêncio é quebrado quando o capitão Low ordena que todos parem de olhar para os pontos brancos e que se afastassem da borda.
       — Seus idiotas! Querem virar comida dessas criaturas repugnantes! – exclamou o capitão Low que enquanto via todos acordarem, pegou um anel do bolso de seu enfeitado casaco vermelho e o colocou. De repente algo de estranho estava acontecendo com o capitão Low. Neste mesmo instante, os olhos famintos e brilhantes dos Ark'ombroj na escuridão da floresta foi diminuindo. Não havia mais nenhum deles.
       Segundos depois, o capitão Low percebendo que não estava mais sendo vigiado pelos Ark'ombroj entrou correndo na floresta atrás dos fugitivos.
       No meio do caminho o capitão Berett para e ordena que os outros continuem e o esperem no navio. Antes que alguém se manifestasse contra a sua ordem ele já havia sumido. Começaram a ouvir barulhos de árvores se partindo. Todos ficaram parados por um instante. Até ensaiaram movimentos com as armas, mas ao perceberem que Hakilo arregalou os olhos puxados e saiu correndo o mais rápido que pôde. Os outros ficaram se entreolhando como se esperasse que algum deles desse a ideia de voltar e ajudar o capitão e desobedecesse suas ordens.
       Porém os sons estavam mais altos e o grupo voltou a correr em disparada em direção aos barcos na praia. Hakilo pensou que chegaria primeiro na praia, sua baixa estatura não lhe dava esta vantagem, foi logo alcançado pelo outros.
       Os marinheiros já foram jogando as cargas nos barcos e empurrando-os para fora da areia.
       — Ei! Esperem! Olha lá do outro lado. – Hakilo gritou.
       Ao longe se viam duas luzes de tochas se aproximando deles. Os que não estavam ocupados pegaram suas armas. Hakilo pegou uma das tochas que estava fixada na areia e fez movimentos no ar. As luzes distantes responderam com movimentos semelhantes.
       Era o senhor Montis. Um pouco mais calmos, todos voltaram a arrumar os barcos.
       — Quem é o senhor Montis? – perguntou Luna.
       — É o contra-mestre. – respondeu Hakilo fixando novamente a tocha na areia.
       Os dois homens se aproximaram. Montis perguntou pelo capitão Berett que não estava junto deles, mas antes que respondessem, um barulho que parecia com um assovio estava vindo do alto fez todos olharem para cima.
       — Protejam-se! – gritaram todos. Uma árvore cruzando o céu caiu bem próximo deles. A queda apagou as tochas. Agora eram iluminados pela luz da Lua.
       — É melhor vocês me explicarem tudo quando chegarmos ao navio. Não sei o que está acontecendo, mas ser morto por uma chuva de árvores não é uma boa ideia. – disse Mortis subindo em um dos barcos.




                                                                                     III



       Mais gritos aterrorizantes saiam do meio da floresta. Enquanto remavam, Hakilo havia percebido que a criatura Akr'ombro não estava com eles. Pensou que por não caber nos barcos, ele os acompanharia pelo mar. Olhou ao redor e não o encontrou. "Deve ter voltado para a floresta", pensou.
       — Então, quem é a moça? – indagou Montis.
       — Sou Luna Dellmar...
       — Filha do comodoro Dellmar?
       — Sim, o capitão a resgatou das mãos do capitão Low! – respondeu Hakilo.
       Chegando no navio, o senhor Montis ordena que todos ocupassem seus lugares e se preparassem para atacar.
       — Senhorita Dellmar gostaria que a senhorita acompanhasse Hakilo a um lugar um pouco mais seguro do navio...
       — Mas eu quero ajudá-los!
       — Senhorita, não posso deixar que se machuque ou que algo pior lhe aconteça. Caso isso aconteça o capitão nos mataria.
       Hakilo levou a moça para o lugar que Montis ordenou.

       ~~~

       Os primeiros raios de sol desta longa noite começavam a surgir no horizonte. O barulho na ilha cessara quando outro som se fez ouvir: um tiro de canhão. O tiro acertou uma das velas fazendo um enorme buraco e derrubando um dos marinheiros que a preparavam.
       O navio que surgia por detrás da ilha faz seu outro ataque. Agora atingindo outra vela. "Se continuarem assim, eles vão atingir os mastros e ficaremos vulneráveis" – pensou Montis, então deu ordens para preparar os canhões. Ele chamou um dos marinheiros que estava de guarda naquela noite e perguntou se já haviam encontrado o senhor Dawkin. O marinheiro respondeu que não. Naquela situação, Montis não podia esperar encontrarem o senhor Dawkin e nem esperar o capitão voltar da ilha.
       — Raios! Tubarões me mordam! Todos aos seus lugares! Canhões a estibordo! Artilheiros! Mirem no mastro real... Quando estiverem prontos, fogos à vontade!
       Gritos de comandos ecoaram por todo o navio e uma saraivada de tiros enchia o ar com fumaça de pólvora. Segundos depois, podiam-se ver os resultados dessa ofensiva. O mastro real do navio inimigo foi atingido!
       Um dos artilheiros subiu até o convés para saber o porquê de não se prepararem para atirar de novo.
       Enquanto os homens gritavam vitória, Montis ordenou para que recolhessem a âncora e partissem para o mar aberto antes que o navio inimigo se recuperasse.  "Agora que estamos em vantagem". Mas não havia munição suficiente para mais uma investida como aquela. Muita coisa foi deixada para trás lá na ilha com os eventos daquela estranha madrugada.
       O vento soprava a favor do bergantim, mas não era o suficiente. Da gávea, o marinheiro avisava que o navio inimigo continuava seguindo-os. Montis separou um grupo para prepararem os remos e com isso aumentar a velocidade do navio e ficar fora do alcance dos canhões inimigos. Os homens colocavam todas as suas forças para mover os pesados remos. Agora o navio estava deslizando rapidamente e cortava o mar como uma navalha. Para trás ficaram a ilha e o navio inimigo. Minutos depois, o senhor Montis calculou a distância, depois, ordenou para que parassem de remar e descansassem.
       Senhorita Luna subiu até o convés e ficou por alguns momentos calada olhando em direção à ilha que desaparecia no horizonte. Lembrou-se dos dias ruins nela e de tudo o que acontecera naquela noite. Odiou pensar na ousadia de seu pai, o comodoro, ter contratado um pirata vir buscá-la. Ela já não gostava do pai pela posição política e militar que ocupava. "Agora não filha! Estou ocupado conquistando mais um espaço no oceano", era o que ele dizia sempre que ela precisava de sua atenção. Depois da morte de sua mãe, o comodoro não se importava mais com a família. Luna foi criada pelos tios e avós maternos desde os dez anos de idade. O tio era instrutor de arco e flecha. O sonho de seu tio era ensinar um filho a arte do arco e flecha, vê-lo crescer e se tornar um dos maiores arqueiros do reino. Mas seus tios não podiam ter filhos e viram em Luna a oportunidade de criá-la como filha e ensinar-lhe a arte da arquearia.
       O tempo foi passando e num certo dia Luna viu o seu tio que estava numa área um pouco afastada da casa. Ele segurou o arco firmemente com sua mão esquerda e com a direita tirou três flechas da aljava. Colocou-as no arco. Esticou a corda e as três flechas cruzaram o ar e atingiram o centro de um alvo que estava a uns trinta metros. Isso a encantou de tal forma que ela sentiu vontade de aprender, mas de imediato o seu tio não aceitou, pois esta arte só era ensinada aos homens e geração após geração isso nunca foi mudado. Depois de algumas noites pensando, o seu tio pensou bem e decidiu mudar de ideia. Depois da invenção das armas de fogo, a arte da arquearia estava desaparecendo e ele não tinha nenhum parente homem interessado em aprender a atirar flechas. Após o inverno, o seu tio a tornou sua aprendiz.
       Dia após dia seu treinamento dificultava mais. O prazer se tornou obrigação, da obrigação o seu dever. Luna levou tão a sério que treinava quase o dia inteiro.
       Mas, o grande dia chegou. Seu tio, numa cerimônia caseira, a condecorou com o melhor arco feito pelas suas próprias mãos. De madeira nobre e com detalhes talhados, o arco faria qualquer inimigo tê-lo como troféu.
       Luna começou a competir nas feiras da cidade. Com sua habilidade ganhava as competições. Os prêmios garantiam a comida e outros mantimentos para os seus tios.
       Mas a vergonha da derrota e a cobiça de seus oponentes nas competições fizeram com que a casa de seus tios fosse constantemente invadidos por ladrões contratados para pegarem o arco de Luna. Ela escondia muito bem o arco. Porém, numa dessas invasões, o seu tio tentou se defender, mas os ladrões estavam em maior número e os dois acabaram morrendo. Quando Luna voltou da cidade, encontrou os tios mortos. Ela jurou vingá-los.
       Saiu a perambular pelas ruas e vilas atrás dos assassinos. Um a um sucumbiam ao poder de suas flechas. Sua vingança não ficou apenas em matar os assassinos de seus tios, ela se estendeu aos que os contrataram.
        Mais tarde descobriu que alguns deles eram homens que trabalhavam para o seu pai, o comodoro Dellmar. O seu pai descobriu que era ela que assassinara seus homens e armou um plano para detê-la. Ela foi presa e julgada. Sentenciada à morte por enforcamento. Porém, o comodoro não queria a filha morta. Armou outro plano. Para não atrapalhar os negócios de seu pai, Luna foi levada por um certo capitão que se dizia rei de uma ilha distante que pouca gente conhecia. O homem que a manteve presa nesta ilha até esta manhã se chama capitão Low.

       ~~~

       Seus pensamentos são interrompidos por um alvoroço no castelo de popa. Do cesto da gávea, um marinheiro dá a notícia: — O navio inimigo está afundando! - Montis com sua luneta confere a estranha notícia. O fato de ver um navio afundando não era novidade. Nenhum dos tiros foi o suficiente para afundá-lo. A maior parte deles só atingiu a parte superior do navio e mesmo que tivessem acertado a lateral baixa não o afundaria assim tão rápido.
       O alvoroço agora passou para a amurada. Subindo pela escada de corda a razão de toda a agitação: o senhor Gunters e o capitão Berett. Luna não queria acreditar no que estava acontecendo. Como conseguiram escapar? Como poderiam ter chegado ao navio a esta distância em tão pouco tempo? Enquanto Luna ficava remoendo em suas dúvidas, os dois recebiam as notícias do que estava acontecendo. O capitão Berett ordenou para que continuassem com o plano. Antes de sair do convés, o capitão olha para Luna e deixa um sorriso discreto por saber que ela estava bem.

       ~~~

       Já é noite. Depois do jantar, Luna voltou ao convés. Minutos depois, alguém se aproximou. Era o capitão. Os dois ficaram ali olhando para o horizonte escuro.
       — A senhorita está bem? Quer que eu peça a um de meus homens para lhe trazer algo quente para beber? – perguntou o capitão um pouco receoso.
       — Obrigada, capitão. Estou bem. Mas, ainda estou confusa. E se me permitir fazer algumas perguntas: Como vocês conseguiram sair daquela ilha? Como conseguiram nadar tão rápido a ponto de nos alcançar naquela distância e...
       — Senhorita. Somos marinheiros! Nascemos no mar. Temos habilidades que algumas pessoas que apenas usam os navios para viajarem...
       — Desculpas como estas não me convencem, capitão. Seus homens podem ter acreditado nesta história, mas não me convenceu. Sei das habilidades dos marinheiros de muitos navios que eu já viajei. Eu acho que sei o que vocês fizeram e tem a ver com este anel que você está carregando aí.
       O capitão ficou surpreso com o comentário, talvez devesse falar sobre o anel, mas teria de ter certeza de que ela era confiável. O que ele sabia dela ainda não era o suficiente.
       — O que mais você sabe sobre o anel?
       — Não muito. Ouvia histórias dos viajantes que visitavam a ilha do capitão Low. Fiquei sabendo também que existem outros anéis. Seus criadores foram os piratas mais temíveis.
       Capitão Berett ficou curioso e perguntou à ela como ficou sabendo dos outros anéis. Luna hesitou por um instante.
       Ela disse que ouvira a história durante sua forçada estadia na ilha do capitão Low. Em uma das noites, quando foi servir o jantar do capitão Low, a porta de seu escritório estava entreaberta e ouviu o capitão conversando com um homem que parecia ser importante, já que ninguém que vivia naquele lugar se sentava para conversar com o capitão. E em uma dessas idas ao seu escritório ouviu o capitão Low dizer que precisava da ajuda daquele senhor para conseguir os outros anéis. Ela achou estranho, essas histórias que os velhos contavam não passavam de contos para assustar os jovens que sempre se diziam valentes e que quando se tornassem homens e tivessem seus próprios navios navegariam até achar a Ilha da Caveira. Muitos saíram em busca dessa ilha e nunca mais voltaram. Muitos pais e esposas choraram suas perdas e por isso, os velhos foram forçados a pararem de contar estas histórias. E com o passar dos tempos foram esquecidas.
       — Então ele também está atrás dos anéis da caveira! – disse o capitão Berett levando a mão até o queixo e alisando sua grande barbicha. — Você sabe mais do que eu pensei e está correndo um grande risco. Vamos continuar esta conversa em minha cabine.

       ~~~

       Depois de servir o chá para Luna, o capitão Berett continuou a conversa alertando-a dos perigos que ela está correndo sabendo desta história. Mas ele sentiu que poderia confiar nela.
Depois de uma breve pausa, o capitão resolve contar a ela qual a verdadeira história sobre os anéis da caveira.
       A conversa durou a noite toda. Cansada, Luna foi para o seu quarto. O capitão, porém, pensava numa forma de encontrar o seu amigo, o senhor Dawkin. Ele queria ficar só. Ficar sozinho o ajudava a pensar melhor. Desceu até o armazém de munição e começou a fazer a contagem de alguns barris. O cansaço era maior e o capitão acabou dormindo.


                                                                                                     IV



       — Capitão, acorda! Estamos chegando à ilha Konkurado. – gritou Hakilo descendo às escadas. O capitão saltou sonolento em meio aos barris, ajeitou a roupa e olhou pela portinhola e viu que já era dia. Mandou Hakilo preparar os barcos em uma hora e que o imediato escolhesse alguns homens para desembarcar com ele no porto.
       O capitão pegou suas anotações e foi até seu quarto. Retirou o anel do bolso e o guardou na caixa que foi trancada num baú que depois escondeu num fundo falso no chão. No convés, Luna fica sabendo e pede ao capitão que a levasse também. O capitão estava relutante quanto ao pedido de Luna, mas, depois de muita insistência, ele permitiu que ela fosse com eles.


        ~~~


        No porto, uma velha placa grande de madeira corroída pelo tempo dá as boas vindas aos visitantes com os dizeres "Bem-vindos à Konkurado: onde a vida é um jogo e você não vai querer perdê-la".
       Konkurado é uma ilha onde os piratas se reúnem para se embebedarem e ganhar dinheiro em jogos de azar. Os piratas mais conservadores não frequentavam a ilha por preferirem seguir o código de conduta dos piratas: não roubar; não brigar; não desertar; não jogar. Esse último, o "não jogar", era o que menos importava nesta ilha.
        Nas feiras, nos bares, nas praças, todo lugar disponível tinha alguém jogando, perdendo, ganhando... Qualquer diferença de opinião ou assunto polêmico era motivo para se desafiar o oponente num jogo.
       Ao desembarcarem, o capitão os orientou a não se envolverem em brigas e tomarem cuidado com o tipo de jogo escolherem, pois não ficarão por muito tempo na ilha. Luna precisava comprar roupas e esse era um dos motivos que o fez mudar de ideia e deixá-la vir para a ilha, além de fazê-la parar de reclamar.
       O capitão ordenou que Hakilo a acompanhasse. Os homens do capitão Low poderiam estar por perto. Quanto ao capitão, ele tinha outros planos. Ele soube que naquela ilha tinha um caçador de recompensas que estava usando um anel semelhante ao seu. Disseram que ele ganhou de um forasteiro num jogo. Era necessário investigar tal informação.


       ~~~


       Luna e Hakilo encontraram uma pequena feira onde se vendia de tudo. Essa feira era próxima às arenas de jogos. Dava para ouvir os gritos das multidões. Hakilo percebeu que Luna estava interessada.
        —Desculpa, Luna. Mas não podemos ir até lá. Nós temos que voltar e aguardar o capitão Berett no porto.
        —Vai ser rápido. Aliás, já comprei o que precisava. Vamos!
        Hakilo viu que não ia adiantar insistir. Resmungou muito. "Tenho que protegê-la com minha própria vida" – lembrou e imaginando a punição por deixá-la sair andando sozinha. Mudou de ideia e a acompanhou.
        Luna e Hakilo não acreditaram no que estavam vendo. Grupos de pessoas cercavam as arenas. Algumas arenas eram maiores, outras menores, apresentavam seus espetáculos que faziam as pessoas aplaudirem muito se divertindo com o sangue jorrando no ar dos competidores que eram golpeados. De todas as arenas que eles estavam vendo, uma chamou mais a atenção de Luna: a do arco e flecha. Luna puxou o braço de Hakilo e ambos foram passando por meio das pessoas. De onde estavam se via toda a arena. Esta arena era um pouco diferente das outras, pois foi construída a alguns metros abaixo do nível da rua, cercado com troncos de árvores.
       Ela pensou, então, na oportunidade de participar de um desses jogos e ganhar dinheiro para pôr em prática o seu plano de vingar-se do capitão Low. Luna aproveitou o descuido de Hakilo que assistia atento a preparação da próxima luta e foi até à entrada da arena que ficava do outro lado. Hakilo quando percebeu já era tarde. Luna estava se dirigindo até o centro da arena.
       A baixa estatura de Hakilo dificultava a chegada até a entrada da arena. Quando conseguiu, deu de cara com dois seguranças parados na entrada. Seguraram os braços de Hakilo, um de cada lado. Deram dois passos para frente e o soltaram. Sentado ali no chão, balbuciou alguns palavrões, mas os seguranças nem deram a atenção.
       Era tarde demais. As cornetas anunciavam o próximo combate.
       — Pelos dentes do tubarão banguela! Ela não deveria ter feito isto comigo. O capitão vai me matar! Raios! – resmungou Hakilo.

       ~~~

       Sua garganta estava seca. Seus olhos ardiam com a luz do sol daquela manhã quente de verão. Depois das cornetas soarem mais uma vez anunciando o seu adversário, Luna olhou para cima e ao redor. Toda aquela agitação e barulho faziam ela sentir um calafrio.
       Sentiu mais ainda a pressão quando o seu adversário entrou triunfante por um outro portão. Uma chuva de pétalas de diversas flores anunciava a entrada do adversário. Ele aparentava ter uns dois metros de altura, ombros largos que apoiavam as ombreiras cheias de cravos pontiagudos de aço de sua armadura que o faziam ser mais assustador. Ele se aproximou do centro da arena que o distanciava de Luna por um círculo pintado no chão. No centro, havia um largo tronco de árvore, cortado a um metro do chão que fora trabalhada de forma que servisse como uma mesa. Sobre esta mesa improvisada repousavam duas espadas.
        A plateia ficou em silêncio. Todos voltaram seus olhos para um grupo de homens que estavam se acomodando em seus lugares numa espécie de arquibancada particular e um deles era o que parecia ser o mais importante. Ele fez um simples sinal com sua mão direita e a plateia voltou a fazer barulho, mas agora gritavam o nome do seu favorito a vencedor.
       — Troglo! Troglo! Troglo! – gritava repetidamente a plateia.
        Troglo aproximou-se, pegou a espada de lâmina larga com desenhos talhados no lado contrário do fio de corte formando gomos que pareciam o dorso de um crocodilo e a levantou até a altura de seu ombro direito. A luz do sol refletia no rosto de Luna por meio da espada.
        Luna tentava virar o rosto para não ter a visão prejudicada pelos raios de sol refletidos da espada. Sabia que aquilo era um truque muito usado nos combates: atordoar o oponente para depois aplicar o golpe fatal. Distrair a sua atenção era poder ter a chance de golpeá-la primeiro antes dela alcançar a outra espada sobre a mesa para se defender.
       Foi como ela imaginou: a espada do seu oponente cortou o ar fazendo um zumbido que passou do lado direito de Luna que inclinou-se para o lado oposto do golpe. O trajeto da espada terminou fincada na mesa e a arma que a ajudaria durante a luta estava partida ao meio.
        Troglo aplicou tanta força naquele golpe que a sua espada penetrou profundamente na mesa dificultando a sua remoção. Logo, Luna viu nisto uma vantagem para conseguir uma outra arma. Uma luta corporal com este brutamontes não era aconselhável, então ela aproveitou o momento e correu em direção à uma clava com espinhos pontiagudos pendurada na parede atrás dela. Mas ela foi interrompida por algo que segurou sua perna de apoio e ela caiu no chão.  Virou-se e viu que era uma corrente com uma pequena esfera de ferro na ponta. Tentou retirá-la, mas Troglo a puxava com a mão direita enrolando a corrente no braço esquerdo. A cada puxada da corrente, Luna sentia que agora era o seu fim. "Não era assim que eu queria morrer" – pensou Luna.
       Agora ela estava bem perto, Troglo a suspendeu no ar e preparou para dar um soco mortal em Luna quando ela jogou um punhado de areia que estava em suas mãos no rosto dele. Troglo soltou a corrente e deu dois passos para trás. Luna conseguiu se soltar da corrente e correu novamente em direção à clava, mas outra arma lhe chamou mais a atenção: um arco e flechas numa aljava que estavam pendurados por uma corda amarrada em uma das grades de proteção da arena. Quando Luna alcançou os objetos pendurados, teve dificuldades em desatar o nó que os segurava.
        Neste momento, Luna foi surpreendida por outra arma arremessada por Troglo. A machadinha passou rente a sua orelha direita indo parar direto na corda. O oponente conseguiu retirar a sua espada da mesa e correu em direção a Luna. Sem demora, Luna jogou a aljava no ombro, empunhou o arco e com uma flecha apontou para o oponente que já estava bem próximo dela. Sem conseguir manter a mira, apontou em direção ao peito do oponente e atirou.
        A plateia ficou em silêncio.
Luna abriu os olhos e viu Troglo ali parado com um olhar aterrorizante. Uma mistura de ódio e dor. Segundos depois, ele caiu de joelhos e o seu corpo caiu para o lado.
        "Finalmente morreu". Ela levantou-se e foi até o corpo. segurou a flecha e com força a retirou do pescoço do oponente.
        Alguns em meio à plateia começaram a questionar a vitória de Luna. — Foi trapaça! – gritavam, iniciando assim uma discussão. Mas esta foi interrompida por um tiro de pistola. Enquanto os assustados corriam para todos os lados,  surgiu uma outra pessoa do meio deles com esta pistola apontada para cima.
       — Não quero mais confusões aqui. A moça venceu e pronto! – disse o homem abaixando sua arma.
       Mas alguns ainda insistiam dizendo que o arco e as flechas penduradas não faziam parte das armas da arena. Mais uma vez a discussão começou e o homem os interrompeu com outro tiro para o alto.
       — Os senhores vão concordar comigo que as regras dessa arena não dizem nada a respeito de que não possa ter armas penduradas e que quem tem direito a colocar mais outro tipo de arma de sua escolha são: o juiz da arena; o jogador que fez a maior aposta nos vencedores das últimas três lutas e, principalmente, o dono da arena.
         Todos olharam para o juiz que balançava a cabeça concordando com o que o homem dizia. Depois procuraram pelo jogador que fez a maior aposta, mas ninguém se manifestou.
Um organizador da arena foi até o juiz, cochichou algo em seu ouvido. O juiz  se levantou e disse bem alto:
        — O apostador que teve o direito de adicionar armas na arena foi o senhor Montis. Autorizado pelo dono da arena.
        — Prazer em conhecê-los senhores. – se apresentou o senhor Montis guardando a pistola no coldre.
       — Mas quem é o dono da arena que permitiu esta trapaça? – insistiam alguns apostadores na intenção de causar confusão e fazer o juiz anular a luta para conseguir de volta o dinheiro perdido pela derrota de Troglo.
       Lá de dentro da arena, surge um outro homem que se apresentou:
       — Sou eu o dono desta arena, senhores. Para quem não me conhece:  Capitão Edvar Berett ao seu dispor! – o capitão surgiu do portão principal da arena indo em direção à Luna e a pegou pelo braço conduzindo-a para fora da arena até um local em que pudessem conversar.
        — Deixe eu entender o que aconteceu: você deixou este arco para que eu o pegasse, certo?
       — Na verdade foi o senhor Montis que o pendurou...
       — Que seja! Eu só não entendi como que o senhor Montis sabia que eu tenho habilidade com o arco e flecha?
       — Eu que contei para ele. Eu sei muito bem de suas habilidades com o arco. Quando você era mais jovem, estava indignada com os vários assaltos e roubos que estavam acontecendo. Você reuniu alguns amigos arqueiros e criou um grupo para proteger as pessoas que moravam nos vilarejos próximos da fazenda de seu tio. É uma longa história.
       Um garoto surgiu em meio a multidão e se aproximou do capitão:
       — Capitão, o senhor Montis disse que está se aproximando um navio com uma bandeira de uma caveira vermelha e fundo preto.
       — São os homens do capitão Low. Obrigado garoto. Volte e avise o senhor Montis para preparar nossa partida... Luna, não espero que você me perdoe por não ter te encontrado antes, mas compreenda que agora preciso de você e da sua habilidade com o arco. Mas agora vamos para o navio.

       ~~~

       — Ajude-me a encontrar os outros anéis principais e impedir que o comodoro os consiga primeiro. Se ele conseguir juntá-los, a força que emana dos anéis reunidos lhe dará um grande poder. Como foram forjados em lugares e tempos diferentes, também não se sabe como vão reagir e o comodoro e as pessoas que estiverem por perto podem sofrer graves danos.
       — Sim, você já me disse que existem outros. Mas o seu não é o principal? Não é o que comanda todos os outros?
       — Não. E precisamos pegá-los antes dos outros. E só eu sei o quanto isso será muito perigoso se juntarmos os anéis principais.
       — Mas quantos são?
       — Três. E um deles se encontra na América do Sul. E é pra lá que nós estamos indo.

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