Ela havia acabado de se formar, estava com sentimento de ter super-poderes, talvez a melhor mulher do universo, quase uma personagem da Marvel, ou algo do tipo. O capelo e o canudo eram como símbolos de uma nova era que se instaurava naquele momento.
Seria maravilhoso se todo esse instante triunfal, não passasse de apenas o simples significado da palavra. Na medida em que muitos obstáculos não eram visualizados naquele momento, devido o poder de embaraçar a realidade que certos pensamentos e sensações possuem.
Do que estou falando? Talvez você mesmo já saiba do que se trata, pois muitos moram no mesmo país que essa moça, mas....bem, aí vai:
Ter uma formação hoje em dia não é sinônimo de dever cumprido, no que cabe ao fato de conseguir estudar além do ensino médio e de estabilidade. No Brasil, onde muitos já passaram pela sensação de super-poderes, a maioria chora, ou por vezes se lamenta de não ter feito uma outra escolha profissional para a vida. Aquela mulher viria mais adiante a enfrentar filas para entregar currículo e várias portas na cara, com um: - Não aceitamos currículos.
E mesmo sem entender muita coisa sobre a injustiça de ter formação e não possuir emprego, ela escutava em seu próprio subconsciente aquela música do Skank "te ver", como se fosse um prelúdio do rumo em que a vida dela estava a beirar.
Te ver e não te querer
É improvável, é impossível
Te ter e ter que esquecer
É insuportável, é dor incrívelOs dois primeiros versos rementem-se às oportunidades negadas, nas quais ela quis e tentou exercer simplesmente a profissão na qual se formou. E os dois últimos a outras estratégias para sustentação financeira, enquanto o que desejara não saia do coração para a vida real.
E lá se foi ela para o ramo do artesanato, se aperfeiçoou em fazer topos de bolo, que aos poucos foram se tornaram os melhores de sua cidade.
Agora que você vê que ela obteve sucesso financeiro, talvez pergunte para si mesmo: - Esquecer foi tão doloroso assim? Então digo: - E quem disse que ela esqueceu?
Muitas pessoas acreditam que estabilidade financeira é capaz de tornar a pessoa feliz em sua profissão – engano. Fazer os mais prestigiados topos de bolos, saber que possui o dom do artesanato e acima de tudo poder usufruir do dinheiro e possibilidades desse empreendimento, não se concretizaram na realização pessoal que tanto sonhou: ter sua "profissão de diploma" exercida.
A moça, agora já com traços e experiências da idade achou, ao longo de sua carreira, egoísmo voltar para seu objetivo pessoal e agora sem poder firmar os mesmos detalhes em suas esculturas de bolo, perdeu não somente o vigor, mas o tempo para ser feliz por inteiro. De tanto levar uma vida corrida, com muitas encomendas e prazos de entrega ela deixou novamente de olhar para si, e ingeria pouco líquido, almoçava e jantava as pressas, o que colaborou para problemas renais.
O contrário desta história também acontece. Pois logicamente, um público é atendido pela demanda de sua "profissão de diploma", entretanto a maioria não se realiza, mas se mantém como pode para sua estabilidade financeira.
À nova geração, que inspira atingir uma vida de responsabilidades, a chance de recomeço que ela sonhava se foi, mas deixou um último recado para a moça que a atendia todos os dias nas sessões de hemodiálise:
Minha filha, sei que seus filhos terão desejos profissionais diferentes que os seus, mas deixe-os sonharem com o que querem ser. Incentive-os a lutarem, pois não foi fácil para mim. Quem me observa, pensa que sou feliz por inteiro, mas deixei de persistir um pouco mais nos meus sonhos. Levarei muitos momentos bons, vi meus filhos crescerem, meus bens aumentarem, mas levarei esse sonho dentro de mim que ninguém será capaz de realizar o que não fiz. A vida foi breve, sentirei saudades de nossas conversas, mas deixo este último conselho e espero que um dia sirva.
De sua amiga, a Biomédica.