Sem Fôlego

1.2K 77 28
                                    

***

Alfonso afrouxou o nó da gravata. Tentou, pelo menos. Desde que se divorciara os nós de suas gravatas andavam todos imperfeitos demais. Neste caso, sufocando-o.

Ele penteou os cabelos molhados com gel para trás de maneira meticulosa. O jantar que o esperava exigia uma boa arrumação, embora ele estivesse realmente pouquíssimo disposto a isso.

Agarrou as chaves do carro, ligou-o e partiu, a contragosto, em busca de sua própria perdição...

Ela havia deixado que seus cabelos se tornassem loiros de novo, naturalmente, abandonando o castanho-mel pelo qual Alfonso optara uma vez. E estava usando novamente aqueles vestidos justos, junto com os saltos, as lindas pernas de fora, a boca tingida de vermelho. Tudo pelo qual ele havia se apaixonado; assim como tantos outros antes dele; assim como muitos outros depois.

Andava com outros homens, entre amigos, entre amigas, entre todas as pessoas que desejava ainda conhecer. Enquanto Alfonso estava em casa, muitas vezes sozinho, tomando conhaque para amenizar a sua dor.

Ele não podia culpar outra pessoa que não fosse ele mesmo; esse sujeito inseguro e desconfiado. Anos de experiência e o que lhe restara era uma cabeça que só conseguia girar fora da razão quando o assunto era ela. Além de um coração estraçalhado pelas mãos desta mesma doce e picante mulher.

Ela voltou a ser aquela que, em sua mente conturbada, nunca deveria ter sumido e que, intrinsecamente, nunca havia abandonado seu corpo. O corpo esbelto e sedutor que Alfonso mapeara. Conhecia-o tão bem quanto a palma de sua mão. Era aquele corpo que dançava para ele em pé sobre a cama, ou em pé sob o chuveiro, ou estendido dentro da banheira. Era aquele o corpo que lhe pertencia, o único que ele queria, o que lhe roubava o ar.

Contudo ele esqueceu de ver também a sua alma. Ou, se viu, jamais a entendeu.

Anahi gostava dos seus cabelos dourados. Alfonso também, ele lhe disse uma vez, numa tentativa oportunista de persuasão. O mundo inteiro os admirava, por isso ele não suportava a ideia de que pudessem ver seus trejeitos - femininos e tão absurdamente sensuais - com malícia. Ele a transformou para despi-la, a sós, daquela fachada. A Anahi Portilla polida que se exibia ao mundo escorria pelo ralo quando passava pela porta do apartamento onde morava com o marido. Fugia pela janela, evaporava no ar. Não havia sequer seus rastros... Porque ela não existia.

Tarde demais para se dar conta.

Na época, ele vira uma loira vibrante de olhos azuis marcados de preto, de saia de pregas, gargalhando alto, entornando uísque. Fora uma paixão arrebatadora. Anahi tinha 26, ele 36. Enlouquecera com a ideia de não ser bom o suficiente para ela, tão intensa e cheia de energia, sem emprego fixo, sonhando em escrever um livro. Não pensou em acompanhá-la em sua vida, apenas em tirá-la de lá, apresentar-lhe algo novo e sobretudo mais seguro, pois não era páreo pra tão complexa simplicidade.

Agora eles iam fingir comemorar, em um jantar familiar, cinco anos de casamento. Na realidade, exatamente dois meses de separação. Até mesmo os pais de Alfonso sabiam sobre o quanto ela era boa para ele, não podiam aceitar que ele houvesse sido abandonado. Pelo menos Herrera e seus pais compartilhavam o mesmo sentimento, ele costumava pensar, amargamente.

- Olá, Poncho - ela disse assim que abriu a porta. Vestia preto. Segurava uma pequena bolsa com as duas mãos juntas de frente ao corpo. Os cabelos estavam amarrados em um coque. A boca cor nude. Em compensação, os olhos irradiavam um azul brilhante.

Ela sorriu como no dia em que o deixara. Mais do que nunca, Alfonso sentiu vontade de desmontá-la inteira, puxando seus cabelos, marcando sua boca, amassando sua roupa. Mas, desgraçadamente, havia perdido o seu acesso exclusivo.

Sem FôlegoOnde histórias criam vida. Descubra agora