Parte 1

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     Foram muitos meses pensando em como contaria esta história, rabiscando em folhas aleatórias e tentando montar uma linha do tempo que hoje já é um pouco confusa em minha mente. Não sentei para começar a escrever até ter todos os fatos organizados cronologicamente, já que nossa mente os distingue apenas por relevância. Apesar de talvez alguns de meus colegas da época discordarem da ordem, é assim que me lembro.

     Vou começar de onde realmente importa, pois tenho algo para contar e contexto surgirá no caminho caso seja necessário.

     I.Vendo Mina

     A Pharmácia parece não ser um bom lugar para interagir com pessoas, eu sempre pensei. Lá estava eu, apoiada no balcão, esperando o atendente pegar o "remédio" da minha mãe e olhando aquelas centenas de garrafinhas bonitas, de outra época. Nunca fui a pessoa mais cativante do mundo, então o homem enrolava de propósito sempre, apenas para me irritar.

      Parece estúpido, mas eu senti um cheiro de flores naquele momento, uma mudança de temperatura e vento nas minhas costas. Ela subia os degraus da entrada, com saltos delicados, o rosto corado e os cabelos voando. Casaco azul marinho, cachecol verde, cabelos escuros. Não consegui tirar os olhos dela e nem sabia o por quê. A observei vasculhando as prateleiras, pegando alguns comprimidos e um absorvente externo, para só depois perceber que ela estava acompanhada por um homem obviamente constrangido. Nisso o atendente me trouxe finalmente a embalagem e me encontrei logo atrás dela na fila do caixa. Ela pegou duas barrinhas de chocolate e pagou, se virou, sorriu pra mim e saiu. Fiquei olhando a saída vazia por cerca de quinze segundos até a caixa me chamar atenção.

      II. Conhecendo Mina

      Seria plausível numa capital assumir que nunca mais a veria, e estávamos numa capital. Mas me surpreendi a vendo sentar-se num sofá redondo do Peggy Sue na mesma noite, com unhas vermelhas segurando um milk shake e lábios vermelhos ao redor do canudo. A figura dela me atraía mais do que a comida, a conversa, a presença dos meus amigos, tudo insignificante enquanto eu observava seu perfil a duas mesas de distância. Ela também estava com amigos, três, e dois pareciam ser um casal.

     Tornou-se bastante óbvio após certo tempo que eu não prestava atenção alguma à conversa de meus amigos, o que trouxe certa animação à mesa; todos tentavam adivinhar o motivo de minha distração. Mas enquanto eles procuravam algum macho solteiro que acreditavam que atraísse minha atenção, eu me questionava qual era realmente meu interesse nela. Havia algo de muito perfeito nela que me instigava e me irritava, me fazia querer conhecê-la por completo, saber que cor de batom perfeito era aquele, mesmo que eu nunca fosse usar, saber o que ela fazia, quem eram os amigos e parentes. Uma curiosidade tão absurda e tão insistente, porém eu sequer sabia seu primeiro nome.

     Após diversas respostas evasivas de minha parte meus amigos desistiram e eu finalmente pude me dedicar aos nachos que acabavam de chegar, sempre de olho na outra mesa. Ela ria bastante, fechando os olhos, o que me fazia sorrir distraidamente junto. E a conversa ia de professores absurdos da faculdade às pessoas horríveis que dividiam nossas salas. Até que minha bexiga decidiu dar sinal de vida.

      Clichê, sim. Enquanto saía do banheiro ela estava escorada à porta, esperando com uma mão na cintura e um olhar que a meu ver era muito perigoso. Muito perigoso. Minhas pernas tremeram.

      "Desculpe-me a intromissão, mas por que me encara tanto?" Ela tinha a voz grossa, aveludada. Dificultou ainda mais qualquer resposta que poderia vir de mim, então gaguejei um pouco.

      "Eu que peço desculpas, não queria incomodar, mas qual batom você usa?" Eu definitivamente nunca fui tão tímida quanto naquele momento. Porém ela riu, descontraída.

      "O nome é Vermelhou. Este daqui." Ela retirou o batom da pequena bolsa, me mostrando. Não fingi interesse, eu realmente estava curiosa sobre tudo em relação à ela e aproveitei a oportunidade.

     "Meu nome é Gabriela." Estendi uma mão, meio afobada. Ela, meio exitante, apertou.

     "E o meu é Mina." Achei que fosse desmaiar no mesmo instante, queria abraçá-la. Eu queria abraçar uma completa desconhecida que encontrei por acidente duas vezes, não parecia comigo mesma. Um pequeno momento de desconforto se passou, em que eu tentava desesperadamente encontrar algo para falar que não soasse estranho, mas ela falou primeiro. " Percebi que você não está no mesmo clima de seus amigos... Aconteceu alguma coisa?"

     "Só estou com muita coisa na cabeça. Não quero falar sobre a faculdade agora e sempre caímos nesse assunto."

     "Ah, você faz faculdade. Que curso?"

     "Engenharia elétrica, mas acho que devia ter feito geografia... Você faz o quê?" Encontrei um gancho na conversa para saber mais sobre ela.

     "Sou formada. Tenho uma loja no Mueller, você deve conhecer, a Adora." Eu não conhecia. "Pegue meu cartão, passe lá um dia e te ajudo a escolher algumas coisas do seu estilo."

     Enquanto eu andava de volta à mesa após ela entrar no banheiro eu parecia não pisar em sólido. Segurava o cartão junto ao peito e parecia ter acabado de ganhar um autógrafo de minha artista preferida. Naquele dia eu dormi como uma pedra e muito pouco, pois passei a maior parte da noite pensando nela e em conversas que hipoteticamente teria com ela.

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⏰ Last updated: Jun 10, 2018 ⏰

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