Coringa

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Ela olhou as cartas à sua frente e uma mão de gelo apertou suas entranhas. Uma olhada rápida para a porta do quarto, como se a encarar fosse adicionar uma trava extra à porta fechada. Nenhum som vinha do outro lado da porta, o silêncio era aterrorizante, como se o onisciente estivesse parando todos os acontecimentos a seu redor para observar a bruxaria prestes a acontecer. Por semanas ela cuidadosamente fez suas pesquisas, sempre olhando duas vezes para ter certeza do browser privado, anotando vagamente e em códigos, pronta para esconder o caderninho no fundo da última gaveta da cômoda, onde a artrite de sua mãe garantia um esconderijo perfeito. A vida inteira ela ouvia histórias sobre as terríveis pragas que caiam sobre aqueles que haviam contato com o oculto.

Ela conhecia pelo menos três histórias sinistras para cada tipo de prática herética, a maioria vindo da própria mãe. Mas ainda assim, ela não conseguia ficar longe do proibido. Desde pequena ela lia histórias fantásticas sobre elfos, anões e magos, contos de deuses e heróis, crenças de civilizações há muito extintas. Ela adorava os livros de garotos bruxos e adolescentes com sangue divino e desenhos de alquimistas capazes de manipular uma alma à uma armadura de ferro. Quando mais nova, ela respondia que quando crescesse ela seria uma cientista, mas no fundo o que ela queria mesmo era ter uma varinha e combater as artes das trevas. Sua curiosidade se estendia até às terras onde seus antepassados adoravam entidades femininas, com pele escura como a dela.

O deque estava bem embaralhado, ela conseguiu convencer a mãe que embaralhar as cartas aliviava o stress e aquilo era somente para brincadeiras inocentes, nada pecaminoso e cruel como aqueles jogos que drenaram as finanças da família quando o pai ainda morava com elas. Há muito tempo ela sabia que nunca seria capaz de trazer um jogo de cartas profano para casa, o que tornou a descoberta que sua sorte poderia ser lida com inocente baralho ainda mais doce e aterrorizante.

Por semanas ela pesquisou e memorizou os elementos, seus significados e suas importâncias, mas nunca ela havia ousado puxar uma carta da pilha. Semanas acumulando a coragem para realizar uma leitura. Ela embaralhou novamente, procurando a coragem para puxar algumas cartas eventualmente, mas logo, a mãe poderia voltar para casa a qualquer momento. Agora ou nunca, certo?

Ela puxou as cartas do topo a sua frente, face para a cama. Ela virou a primeira carta, ela sentiu o coração parando. A primeira carta indicava que ela estava sob stress, mas determinada a lutar até o fim. As outras cartas foram viradas, superação, mudança de direção, deixar o passado para trás, sucesso material, mas espiritualmente insatisfeita, pesadelos, problemas, preocupações e culpa.

Ela juntou todas as cartas com mãos trêmulas, tudo aquilo era assustador, extremamente pessoal e ela temia que o criador fosse abrir o chão e engoli-la por inteiro. Ela jogou as cartas na gaveta como se elas estivessem em fogo ou estivessem prestes a ser consumidas em uma combustão instantânea.

Uma vez escondida em sua cama, com o cobertor protegendo seu corpo inteiro. Ela havia acabado de pôr os pés no mar do ocultismo. Medo com um toque de emoção rodava em seu corpo e ela não conseguia dizer exatamente qual era esta emoção. Ela faria isso novamente, quando tivesse coragem. Afinal de contas, aquilo era só um deque de baralho.

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