cogumelos, botões e canoas

1K 154 134
                                    

A verdade era que Yuqi estava grande demais para simplesmente aparecer no topo da pedra ㅡ que antes fora um vale imenso e inexplorado ㅡ com uma vara de pescar e atirar o anzol ansiosa na lagoa vívida e colorida ㅡ porque os peixes variados nadavam em cardumes bem desenhados e elétricos ㅡ que muito antes também fora um mar extenso num sonho infinito e inimaginável. Mas isso tudo quando era apenas uma criança, frágil para o mundo.

Agora, Yuqi crescera e se tornara uma bela mulher sábia, entregue ao mundo. O mar de seus medos era lago cristalino, o vale se debruçou na beira de seus pensamentos mais embolados. Yuqi era menina grande! Gostava de pensar exatamente assim, embora o olhar distante e azulado denotasse o vasto céu sonhador, tão de menina, tão criança.

A denotação se marcava num círculo cada vez mais redondo e forte à medida em que atirava a vara no lago, frustrada. O objetivo ingênuo e puro de pescar um arco-íris, antiga lenda contada pelos aldeões curiosos e empáticos, isso quando ainda era tão pequena quanto eles e os cogumelos de bolinha a abrigavam ㅡ chamava de casa. A lenda contava que o tal arco-íris era a resposta para a realização dos mais ansiados desejos, dos mais gananciosos. De todo o tipo, na verdade. A pesca do tão raro fenômeno resultava num sentimento ampliado, além da simples realização pessoal e ego. Resultava na felicidade plena e no sorriso sincero, daqueles que Yuqi costuma lançar às pequenas e imperceptíveis coisas; os melhores.

Mergulhou os dedos do pé no cristalino convidativo, um sorriso ansioso despontando nos lábios. Estava gelado, mas um gelado daqueles que a fazia sentir vívida. Observava os morrinhos de casinhas aos redor, suspirando a cada luz que acendia ou a cada borboleta que diminuíra com o passar dos anos. É claro que Yuqi sentia falta de seu corpinho de menininha, de seus botões de pezinhos. Mas, ao brevemente suspirar, transparecia realização própria, acompanhado logo mais de um sorriso sincero e nostálgico.

Os peixes faziam cócegas em seus pés, a vara tremia na mão em resposta. E isso durou até o pôr-do-sol. Mas Yuqi, determinada e crescida, não desistiria facilmente. Ainda que considerassem por aí uma ambição boba e infantil, o azul em seus olhos ousava vibrar mais forte, refletindo um céu inteiro cheio de pássaros na direção dos rapazes e garotas também crescidas, que, entretanto, também precisavam disso, precisavam desse toque infinito, desse espírito eternizado nas coisas boas da vida.

O sol agradeceu ao espetáculo e se despediu lentamente, como se naquele dia quisesse ficar um pouco mais para apreciar o futuro show de sua amiga e amante, a lua. Yuqi ria, assistindo tudo, vendo as pequenas canoas irem embora em direção às casinhas feitas de cogumelo, sentindo os peixes beijarem seus pés de forma amigável.

Em dado momento, quando o sol quase largava mão do céu, sentiu a vara tremer em sua mão e uma pressão lutar ali. A batalha estava em suas mãos, enquanto a boca do dragão abria seu estômago, incendiando por todo lado aquela ânsia que só precisava de carvão. Peguei, peguei! Precisava acreditar que sim ou simplesmente não se chamava mais Yuqi, O Botão Crescido.

Subindo a vara, o pequeno coração pulsando a pura adrenalina envolta num pano de tecido tão delicado quanto seus desejos. Porque os cogumelos cresciam, morriam e deixavam seus brotos para trás; porque as canoas partiam e deixavam rastros que logo mais seriam lavados por outras águas que desaguavam na lagoa; porque os botões de Yuqi eram rosas bem cultivadas, que cresciam belamente. Mas certas coisas nunca mudavam.

A pureza de sua essência se estendia até o final do arco-íris de seus sonhos. E não havia aldeão sequer que podia tirar do coração de um brotinho uma semente que daria planta maior que o pé de feijão.

E foi enquanto o sol era engolido e a lua surgia que Yuqi deixou que os olhos refletores do céu se misturassem com o recém pescado arco-íris na ponta do anzol, resultando num mundo vibrante que se iniciava ali, naquele instante, encolhida na pedra-morro.

Yuqi era uma menina crescida. Mas seu coração permanecia tão jovem quanto o eterno céu em seus olhos.

ㅡ rainbow. (g)i-dle | yuqiOnde histórias criam vida. Descubra agora