como se você estivesse vivo

396 78 35
                                    

À frente da lareira apagada jazia um alvo corpo molhado pelo suor da última luta. O vermelho do seu cabelo era quase tão intenso quanto o escarlate do sangue que tanto fluíra do seu peito. O último crepitar do fogo tinha marcado o seu último suspiro de vida, cujo esvaiu-se para nunca mais.

Um rapaz de dezoito anos e meio vestia vermelho, mas esta era a cor do suéter velho do seu falecido pai. A noite era fria, embora não fosse inverno e estivesse longe deste. Ao contrário do corpo à sua frente, teu coração batia acelerado e com todo o vigor.

Suas mãos firmes seguraram aqueles ombros mortos já conhecidos. Apertou-o como se ainda pudesse sentir, sacudiu-o como se pudesse acordá-lo e abraçou-o como se pudesse ser amado de volta. As lágrimas deslizavam sobre a sua pele branca e firme. Mas ele não estava lamentando.

Na vitrola, Elvis Presley encantava, como sempre. Sua voz e melodia pareciam mais grosseiros, apesar de fazer com que o rapaz dançasse. E ele ergueu minimamente aquele corpo, prometeu que dançariam o rei até os sapatos desgastarem e nos pés formar-se bolhas.

Pela janela, a Lua assistia os dois enamorados, iluminando-os com o seu banhar branco por uma última vez. O rapaz abraçava aquele corpo como se estivesse vivo, chamava-o de "meu garoto" e admirava o seu olhar fixado no seu.

Mesmo estando morto, a sua beleza continuava ali. Ainda era afagado pelo rapaz, embora não pudesse sentir. Os lábios pequenos eram acariciados, mas ele também não podia fazer o mesmo com o outro. Era belo e precioso; era o que, se estivesse vivo, poderia escutar daquele quem tanto dizia amar-te.

E quem tanto dizia amar-te tinha seu sangue nas mãos, acariciava-o com carinho e prometia-o que estava num lugar melhor e bom. Mas todo mundo estava procurando o seu menino, sua casa estava rodeada de polícia. Mas o menino era seu e não da polícia. Seu menino tinha morrido como seu e somente. Não amaria mais ninguém, não seria mais de ninguém, senão seu.

O seu menino era um anjo, ele só fez questão de devolver para o céu. Mas foi somente para tentar livrá-lo daquele mundo sujo e imundo, daquele mundo tão cruel. Aquele maldito mundo que não merecia a inocência e a formosidade daquele corpo, daquele garoto que, agora, estava tão pálido e e gélido, mas que antes era quente como o verão.

As sirenes gritavam do lado de fora, a luz azul e vermelha projetada pela pela cortina creme, pela persiana da janela. O som era alto, mas não podia sobrepor a voz do rei. As mãos vermelhas do rapaz adentrou os fios vermelhos daquele antes vivo, e, inclinando-se, beijou-o com a mesma doçura de antes.

Não importava-se em não ser correspondido, e por isso apenas afagou-lhe as madeixas e sussurrou-lhe seu amor.

A porta fora arrombada, dois homens armados gritavam para que levantasse e erguesse as mãos. Suas graves vozes e o tom grosseiro irrompiam o cômodo da casa, onde os dois estavam presentes.

Ignorando aqueles homens, o rapaz de dezoito anos e meio desejou que o seu menino estivesse num lugar muito melhor. Beijou-lhe a testa e prometeu que fora apenas por amor, gritou para aqueles homens que fora apenas por amor e, no final, desejou ter morrido por amor.

Na manhã seguinte, um jovem de cabelo azul abriu a porta ainda com o seu pijama e recolheu o jornal do chão. Com passos sonolentos, decidiu arrancar as pantufas de Monstros S.A dos pés bem antes de alcançar a poltrona da sala de estar.

Provou o quente do seu café com leite e mordeu a língua por tê-la queimado. Enfim, o garoto tirou o jornal debaixo do braço e arqueou o cenho com a principal notícia. Sua xícara, a qual segurava com a outra mão, foi ao chão, derramando todo o líquido no tapete que sua mãe tanto alertou sobre não sujar.

"Omma!", o menino gritou entre lágrimas. "Omma, veja isso daqui", correu sobre o café no tapete, tropeçou nos degraus da escada e quase atropelou o seu cachorro no corredor.

Ao encontrar-se com a sua mãe, ergue o papel impresso e leu a notícia.


"Noivo Cadáver: Jovem assassina impiedosamente o próprio namorado e alega que foi somente por amor.

O chinês Huang Renjun foi encontrado abraçado ao corpo do seu namorado, Lee Donghyuck, cujo estava desaparecido há duas semanas, ontem por volta das 21hs. A polícia ainda investiga os detalhes do caso, porém já sabe-se que o apelidado Rena matou o jovem e cuidou do seu corpo até a chegada da polícia. Renjun não demonstrou arrependimento, apenas disse que matou Dong Hyuck somente por amor e que "queria tirá-lo do meio de tantos loucos imundos." Alguns familiares da vítima alegam que o chinês sofre de problemas psicológicos, e por conta disso tinham proibido a relação (tanto amorosa ou amizade) do Lee com o rapaz. Renjun tem dezoito anos e foi preso logo quando foi denunciado por vizinhos que estranharam o barulho de uma possível luta entre Dong Hyuck e o chinês. Aguarda-se apenas a conclusão da investigação policial para a apuração do caso."

Noivo Cadáverッhae. junOnde histórias criam vida. Descubra agora