O pedante

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Livre de dores, em meio à selva,

No alto da torre, a salvo da névoa.

Trilhava entre as páginas.

Sem descanso. Sem trégua.

"O mundo lá fora o que tem de especial?"

"Por que enfrentar essa fera, que se faz cordial?"

"É aceitável trancar-se, pra fugir do brutal".

Dizia ser normal, tornar todo dia igual.

Abrir mão do essencial. Desviver o real.

Tornar o ano um marco trivial.

Fazer do riso, só um ato banal,

Fazer do mar, uma poça sem sal.

Ver no ócio, seu inimigo fatal.

Tornar o tempo, um grande rival.

Sentir na lógica seu ponto vital.

Para cada livro lido, havia mais pra ler.

Para cada página virada, havia mais pra ver.

Pelas mãos ele sentia o tempo escorrer.

Temendo. Que pra cada dia vivido...

Menos a se viver.

Mas por mais que sentisse o tempo esvair,

Que sentisse a alma rosnar e grunhir,

Que lhe pesasse a feiura do fingir.

Nunca deu um passo.
Da torre não ousava sair.

Acreditava ser o único sábio entre tolos.
Dentre o mofo, o único broto.

Das ovelhas, o único lobo.

Do melhor vinho, a última taça.

Acreditava ser a razão que nem o tempo estilhaça.

A cada passa de ano, menos sagrado, mais mundano.
Tornava-se mais um.

Feio.

Humano.

Agarrar-se aos livros,

Era o único plano.

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Fiz o que tive, sobrevivi para tal dia,

Tracei as selvas, encontrei a torre esguia.

Procurei pelo sábio,

Mas ele era só...

Um velho entregue às traças.

Afundado em livros ou na própria desgraça?
Quis uma lenda testemunhar,

Mas dela só tive o último pulsar.

Com humildade, ele se fez paciente.

A grande verdade, ele segurava nos dentes:

"Aproveite a vida, vá em frente.
Só está preso, quem aceita a corrente.
Não olhe para trás,

Mas carregue na mente:

A morte não difere o ruim e o decente;

E que quando de tudo souber...

Desejará ter feito diferente."

O pedante - PoemaWhere stories live. Discover now