Capítulo 1: Corpo frágil

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A família Vante era famosa por fazer inúmeras festas comemorativas aos aniversários dos respectivos parentes, eram horas infindáveis de banquetes bem servidos, músicas contagiantes e gritarias por todos os lados.

Eles moravam na grande metrópole Cidade do Amanhã, numa vizinhança pouco barulhenta, irritar os vizinhos com suas manias exageradas de algazarra era o maior divertimento de todos. Naquela rua todos achavam a família Vante ultrapassada com modos antigos de divertimento, mas eles não sabiam que preservar a memória da família era a maior honra que podia se adquirir.

Dentre todos destacava-se Dora, que diferentemente da sua família era a mais quieta e reservada. Ela estava sentada num canto de uma das mesas observando seu celular. Lorena Pomenin era famosa nas redes sociais por fazer grandes viagens internacionais, Dora observava cada foto e vídeo com atenção, sentia inveja, não pelas viagens que ela fazia, mas pelo corpo padronizado que ela jamais teria.

Lembra como se fosse ontem o momento em que seu corpo começara a mudar, tudo foi de maneira gradativa, mas as percepções eram notáveis, a puberdade trouxe mais do que pelo pubianos e espinhas na cara, trouxe consigo uma metamorfose física irreparável que ela jamais ousaria imaginar.

Suas roupas mudaram do M para o G em poucos meses, e do G para o GG em poucos anos. O acompanhamento médico diário que ela fazia mostrava exames constantes que faziam ela entender como seu metabolismo funcionava:

— Ele é diferente do das outras pessoas, você vai precisar mudar sua alimentação radicalmente, e praticar constantes exercícios físicos— o doutor dizia.

— Eu nunca fui de comer tantas besteiras, e faço caminhadas com meu pai todos os dias desde a infância— Dora respondeu, perplexa.

— Se seu corpo continuar a mudar desse jeito teremos que submeter a algumas cirurgias gástricas, ou algo do gênero.

Alguns anos se passaram e o peso de Dora manteve-se constante, nem mais nem menos:

—Pelo visto está conseguindo controlar seu metabolismo, se continuarmos assim a cirurgia talvez nem precise acontecer— o doutor refletiu.

—Eu já estou cansada de fazer tanto esforço para nada doutor, aparentemente eu não vou engordar mais, e também não vou emagrecer.

— Você só precisa seguir com as orientações que te passei e...

—Chega, eu desisto— ela pegou sua bolsa e foi nunca mais foi vista no hospital.

Daquele dia em diante ela não tentou se esforçar em mudar, seus exames comprovavam que ela era uma pessoa saudável, então tudo o que ela precisava fazer era aceitar seu corpo como ele era. Uma pena a prática ser tão diferente da teoria, se não fosse os olhares reprovadores das pessoas, se não fosse os padrões que ditavam a maneira como as pessoas deveriam se parecer, se não fosse toda pressão que sentia ao ver seu corpo talvez ela conseguisse enfim se amar de verdade... o que não tinha acontecido.

Agora Dora estava ficando paranoica, numa busca implacável por algo que ela não era, observava o corpo de todas as pessoas que ela via, nas ruas, nos transportes, e os comparava com o dela. "Ela é quase tão gorda quanto eu", "esse corpo eu jamais teria, mesmo com exercícios ou plástica", "ufa, existe uma pessoa mais estranha do que eu","ele só está daquele jeito por que está suando uma cinta modeladora".

Dora não contava essas paranoias para sua família, eles pouco ligavam para o corpo da garota, ficavam mais preocupados em manter com a tradição familiar.

Na mesa estava disposta as refeições favoritas de sua mãe, no autofalante do micro computador tocava uma melodia que fazia Dora se lembrar dos momentos de sua infância, episódios na qual ela daria tudo para reviver novamente.

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