A Song About Love.

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É tudo que você queria? Canções sobre o amor? É isso que você esperava encontrar quando se está queimando por dentro mas uma canção sobre o amor não é suficiente.

Acho que estou apaixonada por Dan Reynolds. Na verdade, sei que estou apaixonada por Dan Reynolds. Até o som do nome dele provoca essa coisa no meu sangue, faz com que ferva um pouco, deixa a minha cabeça toda zonza.

Vinte e sete vai ser a melhor idade de todas.

Estamos em meados de outubro e São Francisco está passando por mais uma onda de calor. Estou usando shorts de couro preto no meu trabalho na All Saints, tentando ignorar os pequenos sinais de celulite que, sob a luz errada, aparecem na parte superior da minha coxa. Ainda estou na faixa dos 20, a vida ainda é boa. Posso ignorar o fato de que minha própria pele maldita esteja me traindo.

Às vezes, me pergunto se preciso virar vegetariana, talvez comer mais couve e nozes e menos bolo e coquetéis de frutas. Ontem, quando fiz 27, tomei a decisão deliberada de começar a usar creme noturno, sérum e filtro solar bom. Pode ser que meu pai tenha a pele mais escura por causa da sua herança cubana, mas eu sabia que não estava isenta.

Também decidi que precisava começar a fazer ioga e treinar para maratonas. A da cidade foi há algumas semanas, e todas as mulheres em forma e magras faziam suas corridas sem esforço pelo parque Golden Gate ou seus sprints subindo as escadas para o Twin Peaks. Eu costumava levar a vida numa boa, sem levantar um único peso, mas agora meu corpo está começando a acrescentar gordura extra nas minhas coxas, na barriga e nos seios. Com a parte dos seios dá pra conviver, porém sinto que, se não fizer alguma coisa logo, vou virar uma bolha com seios grandes.

Só quero ir levando, levando, como sempre fiz, mas não dá mais. Tenho objetivos. Claro, ainda sou gerente da All Saints, mas sinto como se minha própria loja estivesse bem ao meu alcance. E minha vida amorosa está, enfim, onde deveria estar.

É claro que o Dan não é perfeito. Ele é contador em um grande escritório no centro da cidade, então é muito bem-sucedido, só que trabalha demais e não tem aquela mentalidade sonhadora. É bonito, com uma aparência americana bem cuidada, que é ótimo, embora suas orelhas sejam um pouco grandes e pontudas. E adora falar sobre golfe, quando eu preferiria que falasse sobre hóquei.

Apesar de tudo isso, é difícil achar uma falha. Quero dizer, outras falhas. Ele é bem bom na cama, e temos um monte de assuntos para conversar. Acima de tudo, é confiável, e é disso que preciso neste exato momento, em especial quando o restante da minha vida está meio que em suspenso.

Meus pais estão se separando e provavelmente vão se divorciar, outro tranco do ano passado e uma surpresa total. Sempre pensei no divórcio como algo que arrebentava as famílias dos meus amigos no ensino fundamental, com efeitos prolongados no ensino médio, mas nunca imaginei que pudesse acontecer depois do tumulto da adolescência. No entanto, de repente, ou pelo menos parece que de repente, meu pai decidiu que queria se livrar da minha mãe. Fez as malas e se mudou para Oklahoma.

Ainda não sei o motivo. Minha mãe também não sabe, ou pelo menos diz que não sabe. Perguntei a ela se meu pai se apaixonou por outra pessoa, perguntei ao meu pai se ele encontrou outra pessoa, mas a resposta é sempre a mesma: mudança. Ele precisava de mudança.

Não consigo entender como você pode ser casado com uma pessoa durante 35 anos, e então, do nada, precisar de mudança. Por que aos 35? Por que não aos 30? Vinte? Depois de tudo que minha família passou com meu irmão, Bruce, e os anos e anos lidando com isso e seguindo em frente... Por que justo agora?

Por isso, agora passo os fins de semana com minha mãe em Petaluma, por culpa. Meu pai raramente telefona ou manda e-mails. Talvez também sinta culpa. Detesto ver o quanto minha mãe está triste, o quanto a casa está vazia, o quanto minha mãe está cansada da vida.

Vai ver é por isso que eu, de fato, me dei bem com Dan, para mostrar a ela que eu poderia ter alguém e fazer dar certo, mesmo que ela não conseguisse. Os homens confiáveis são os que permanecem, e é com esses que você se casa. Não com alguém como meu pai, ao que parece.

Além disso, tanto faz o que ela pense. Amo Dan Reynolds.

Desde que comecei a namorá-lo, há alguns meses, tenho visto menos Shawn e Lauren, e mais minha amiga Aurora. Na verdade, fui para a escola fundamental com Aurora, embora não tivéssemos ficado amigas então, e nos reaproximamos quando frequentamos o Art Institute durante um ano, ambas em merchandising de moda. Dan gosta de Aurora e não gosta de Shawn nem de Lauren. Vou supor que seja porque um é meu ex-namorado e Lauren por ser uma amiga bastante íntima. E por ser Lauren.

Mas finalmente, finalmente, por ser meu aniversário, consegui planejar jantar com eles. Termino meu expediente – hoje de apenas quatro horas, a maioria delas organizando as roupas nas araras e mexendo com papelada – e corro para casa, feliz por estar dirigindo em vez de num ônibus.

Dan já está no meu apartamento, servindo-se de um copo de vodca pura. Não sei bem por que ele bebe a vodca desse jeito, um copo de vodca pura tem que ser a bebida mais merda de todas, mas ele tem 33 anos e imagino que a pessoa saiba o que quer nessa idade.

Ele está usando uma camisa de listras fininhas, calça justa e sapatos lustrosos. É tudo de designer e cai muito bem nele. Ele pertence ao mundo dos magros e parece estar ficando mais enxuto enquanto eu estou engordando, mas no momento temos um bom equilíbrio. Moderei minha tendência a me vestir provocante, e me vejo usando mais manga comprida para cobrir minhas tatuagens nos pulsos (o nome do meu irmão em um, a palavra "acredite" no outro). Parecemos um bom casal, em especial agora que meu cabelo está tingido de um castanho avermelhado parecido com o dele.

Somos bons. Somos confiáveis.

Enfio uma regata de seda sob o meu short e dou um jeito no rosto bem a tempo de Shawn e Lauren chegarem. Não percebo o quanto estou nervosa até sufocar um grito quando eles batem à porta. Gostaria que minha colega de apartamento viesse conosco ou pelo menos estivesse em casa. Bella tem o dom de dissipar a tensão, e sinto que as coisas vão ser um tanto desconfortáveis hoje à noite.

Ou muito desconfortáveis.

E são, pelo menos da parte Shawn e Dan. Shawn entra e me faz um breve aceno de cabeça, me deseja feliz aniversário e depois acena com a cabeça para Dan. Seu maxilar está tenso e seu comportamento é bem parecido com o de Dan, cheio de suspeita antagônica. Eles se olham como dois leões em relação ao resto de uma refeição, e estou um tanto surpresa de ver isso em Shawn, que costuma ser uma figura discreta na retaguarda.

Talvez seja porque, para começar, ele parece ter essa maneira hostil em relação a si mesmo. Tem cabelo preto maltratado, tatuagens, compleição abatida e esguia. Ao contrário do que parece, não é durão ou rebelde. Na verdade, é um baita de um sentimental, que se preocupa muito com o que cada um pensa, mas é preciso conhecê-lo para saber disso.

Vou admitir, foi esta a primeira coisa que me atraiu em Shawn: a pessoa que pensei que fosse. A realidade de cada um de nós não funcionou muito bem juntas.

E tem a Lauren. Ela irrompe na sala e me apanha num enorme abraço de urso, me apertando com força. Cheira a sálvia e alguma coisa amadeirada. Seus braços parecem aço quente. Parece tão incrivelmente segura que de repente lamento um pouco não tê-la visto por tanto tempo.

– Feliz aniversário atrasado, Baby Pink – ela murmura no meu pescoço, e fecho os olhos.

Quando nos separamos, percebo que Shawn e Dan estão olhando para nós. Os olhares suspeitos apenas se aguçaram.

– Obrigada – digo a ela, limpando a garganta, como se tivesse perdido o controle por um momento, enquanto ela caminha a passos largos em direção a Dan, com a mão esticada.

– Prazer em vê-lo de novo – Lauren diz a ele.

Dan demora um instante para reagir e apertar sua mão de volta, de maneira rápida, leve e impessoal:

– Igualmente – ele diz, e depois comprime os lábios.

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⏰ Última atualização: Jul 05, 2018 ⏰

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