CAPITULO 4

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A primeira coisa que eu vejo quando eu paro na entrada é o Prius prata do
Munoz, o que, pra ser bem honesta, basicamente me faz querer dar meia volta e ir
pra qualquer outro lugar, mas eu não vou, só suspiro e entro na garagem, sabendo
que eu não tenho escolha a não ser encarar.
Encarar o fato que minha tia/ guardiã legal está se apaixonando sério pelo
meu professor de história. Encarar o fato que é um milhão de vezes melhor sentar
em volta da mesa de jantar do que da mesa de café da manhã, se as coisas continuarem a progredir no ritmo rápido que estão, é apenas uma questão de
tempo antes de dizer adeus Senhor Munoz e olá Tio Paul.
Eu previ isso e é certo, agora estou apenas esperando que eles se dêem
conta.
Eu entro pela porta ao lado levemente na ponta dos pés esperando passar
pelo cômodo sem ser vista para que eu possa ter um tempo pra mim mesma,
tempo que eu preciso desesperadamente, para colocar algumas coisas em ordem.
Preparada e pronta pra arrancar lá pra cima, quando Sabine enfia a cabeça
no canto e diz — Oh bom, eu pensei ter ouvido seu carro na garagem, nós vamos
comer daqui a mais ou menos meia hora, mas porque você não vem aqui e nos faz
uma visita um pouco antes?
Eu olho por cima do ombro dela procurando pelo Munoz, mas graças à
parede que nos separa da sala de estar, tudo o que eu consigo ver é um par de
sandálias de couro masculinas empoleiradas sob a super cheia, poltrona
parecendo relaxadas e casuais como se não pertencessem a outro lugar se não
neste mesmo lugar. Mudando meu olhar pra ela e vendo a vassoura de cabelos
loiros que vão até os ombros, suas bochechas coradas e olhos azuis brilhantes e
renovando meu voto de ficar feliz por ela estar feliz, apesar de não estar
exatamente excitada pela razão por trás disso.
— Eu... eu já vou descer em um minuto.— Eu digo forçando um sorriso, —Eu só vou me lavar e tal— meu olhar passa para Munoz incapaz de se afastar, não
importa o quão perturbadora é a visão, quer dizer, sério apenas porque é verão
não significa que eu deva ver os pés de membros do corpo docente na minha
própria casa.
— Okay, bem não demore — ela começa a virar com o cabelo balançando
sob os ombros, e ela acrescenta — Eu quase me esqueci, isso chegou do correio
pra você.
Ela pega um envelope da cor creme da mesa do lado e oferece pra mim, as
palavras impressas em roxo no canto esquerdo e, acima, meu nome e endereço
escritos nos garranchos angulares de Jude na parte da frente.
— Mystics & Moonbeans.
Eu fico parada lá encarando sabendo que eu podia agarrar, pôr minha mão
na frente, e intuir o conteúdo sem nem mesmo ter que retirar o lacre, mas o
negócio é o seguinte, eu não quero tocar, eu não quero ter nada haver com o
emprego que eu tinha antes ou Jude, o chefe que aparentemente teve um papel
significativo em basicamente todas as minhas vidas, reaparecendo de novo e de
novo sempre tendo a minha afeição, até Damen aparecer em cena e me carregar
pra longe. Um triângulo amoroso de séculos que terminou no segundo em que eu
vi a tatuagem de Ouroboros dele, na última quinta-feira.
E, apesar de Damen dizer que várias pessoas as possuem, e que a original
não era má de forma nenhuma, e que Roman e Drina apenas a fizeram assim, eu não posso arriscar a chance de ele estar errado. Não posso arriscar a chance de
Jude não ser um deles, quando eu estou bem certa de que ele é.
— Ever?— Sabine entorta a cabeça e lança um olhar comum que diz: Não
importa quantos livros eu leia sobre o assunto, adolescentes poderiam ser aliens.
Um olhar que eu conheço muito bem.
Um olhar que me impulsiona a pegar o envelope da mão dela,
cuidadosamente pelas pontas enquanto eu dou um sorriso franco e subo as
escadas, mãos trêmulas, corpo batendo, enquanto o conteúdo do envelope revela-
se em um cheque de pagamento, que eu definitivamente mereci, mas não tenho a
intenção de compensar, junto com um bilhete breve perguntando se eu tenho
algum plano de retornar ao trabalho e se eu poderia por favor, deixá-lo saber para
que ele possa contratar outra vidente no meu lugar. É isso. Nada de: Que diabos
aconteceu? Ou: Porque você foi de quase me beijando pra me jogando através do
jardim da frente na mobília do pátio?
Isso é porque ele já sabe, ele sabia o tempo todo e, enquanto eu não posso
saber exatamente o que ele está planejando, claramente ele está planejando algo,
ele pode estar à frente do jogo no momento, mas é desconhecido para ele que eu
estou alcançando.
Eu jogo o envelope na direção do lixo, presumindo que minha falta de
resposta deve ser resposta suficiente, direcionando em uma complicada coreografia de voltas e círculos no local perfeito na forma de oito, antes de cair
com uma pancada leve e vou em direção ao meu closet grande onde eu pego uma
caixa na prateleira de cima, aquela em que guardo os meus suprimentos, tudo o
que eu preciso pra desfazer o que eu fiz.
O tempo está correto, provendo um começo novo, a oportunidade perfeita
(a única oportunidade, segundo Romy e Rayne) de quebrar o feitiço que eu fiz
sem vontade quando acidentalmente chamei os poderes da escuridão para me
ajudar. A lua está crescendo agora o que significa que a Deusa está levantando,
fazendo a sua ascensão enquanto Hécate, a que eu equivocadamente chamei
antes, cai para o submundo onde ela marcará seu tempo até um mês a partir de
agora quando voltará o círculo cheio novamente.
Eu alcanço dentro da caixa retirando as velas, cristais, ervas, óleos e
incenso que eu vou precisar, usando o momento para organizá-los e colocando-os
na ordem em que eles serão usados, então eu tiro a roupa e me abaixo na banheira
para o banho ritual, trazendo junto um sachê cheio de angélica para proteção e
remoção de feitiços, junípero para banir entidades negativas e arruda, que ajuda
na cura de poderes mentais e quebra as maldições, junto com algumas gotas de
óleo de laranja, que promete banir o mal e remover toda a negatividade.
Afundando até o fim até meus pés atingirem a ponta e a água preencher ao
meu redor, pegando alguns cristais de quartzo claros e mergulhando eles enquanto eu canto:
“Eu limpo e exijo esse meu corpo
Para que minha mágica possa se atar apropriadamente
Meu espírito renascido e pronto para voar
Permitindo que minha mágica tome posse esta noite”
Mas, ao contrário da última vez em que eu cedo ao banho e eu não
visualizo Roman na minha frente, eu não quero vê-lo até que eu esteja pronta, até
que seja absolutamente necessário, até que seja verdadeiramente a hora de
desfazer o que eu fiz. E mais cedo é um risco que eu não posso correr, desde que
os sonhos começaram eu não consigo confiar em mim mesma.
A primeira noite que eu acordei naquele suor frio e pegajoso com as
imagens de Roman ainda dançando na minha cabeça, eu estava certa de que era
resultado de uma noite horrível que eu havia tido, conhecer a verdade sobre Jude,
transformar a Haven dando o suco pra ela, mas o fato é que eles retornaram todas
as noites desde então, o fato de que ele se intromete não só nos meus sonhos de
noite, mas também de dia, o fato de que eles vêm acompanhados desse estranho
impulso estrangeiro que fica tocando constantemente dentro de mim, bem,
basicamente, me convenceu que Romy e Rayne estão certas.
Apesar de me sentir perfeitamente bem logo após o feitiço estar completo,
depois, quando tudo começou a se desenrolar, ficou bem claro que o dano que eu havia causado era muito grande. Ao invés de ligar Roman a mim, eu me atei a ele.
Ao invés de me procurar para atender minha vontade, eu estou
procurando por ele vergonhosamente, desesperadamente. O que é algo que
Damen não pode saber nunca, ninguém pode saber. Não apenas prova o aviso
que ele deu mais cedo sobre o lado negativo da mágica, insistindo que não é algo
que devemos brincar, e que, amadores que imergem a si mesmos muito rápido,
freqüentemente acabam além de suas cabeças, e pode ser o fim de sua paciência
comigo, pode ser a última gota.
Eu respiro fundo e afundo mais pra baixo, gostando do jeito que a água
bate no meu queixo, enquanto eu me encharco de todas as energias de cura que as
pedras e ervas são feitas pra prover, sabendo que é apenas uma questão de tempo
antes de eu me livrar dessa não sagrada obsessão, e colocar tudo certo. E quando a
água começa a esfriar eu esfrego cada centímetro de pele esperando lavar embora
essa nova versão corrompida de mim para poder recuperar a velha, então eu saio
da banheira direto para meu roupão de seda branco com capuz, amarrando a
faixa confortavelmente enquanto eu caminho de volta pro meu closet e alcanço
minha adaga, a mesma que Romy e Rayne criticaram dizendo que era muito
afiada, que a intenção era de cortar a energia e não matéria, que eu havia feito
toda errada, me encorajando a queimá-la, derreter em bloco de metal e passar
para elas para que elas completassem o ritual de banimento, não confiando essa
complexa tarefa a uma novata mal guiada como eu.
E apesar de eu ter concordado em queimar na frente delas, correndo a lâmina na
chama de novo e de novo, numa espécie de santificação mágica, eu dispenso o
resto do plano delas, convencida que elas estão apenas aproveitando a chance de me fazer de boba mais uma vez, quer dizer, se o problema real, como elas
afirmam, foi eu tecer um feitiço na noite da Lua Negra, então que diferença uma
simples faca faz?
Mas dessa vez, apenas pra me certificar, eu adiciono algumas pedras a
mais no seu cabo, adornando com Lágrima Apache, para proteção e sorte (o que
as gêmeas parecem convencidas que eu preciso muito), plasma para coragem,
força e vitória (sempre uma boa combinação) e turquesa para cura e
fortalecimento dos chakras (aparentemente o meu chakra da garganta, o centro do
discernimento, sempre foi um problema para mim). Então, salpicando a lâmina
com sal antes de corrê-la através da chama de três velas brancas, eu chamo os
elementos de fogo, ar, água e terra para mandar embora toda a escuridão e
permitir somente a luz, para empurrar todo o mal e apenas chamar o bem,
repetindo o canto três vezes antes de convidar o maior dos poderes mágicos para
ver que está feito, dessa vez, certa de que estou convidando o poder mágico certo,
intimando a Deusa ao invés de Hécate, a rainha do submundo, com três cabeças e
cabelos de cobra.
Limpando o espaço enquanto eu caminho três vezes ao redor dele,
segurando o incenso alto em uma das mãos e a adaga na outra, entrando no
círculo mágico e visualizando uma luz branca fluindo através de mim, começando
do topo da minha cabeça e descendo pelo meu corpo, pelos meus braços até a adaga e pelo chão, tecendo círculos e descendo em volta, encorajando finas cordas
da mais brilhante das luzes brancas se enroscarem e crescerem se juntando até
formar uma, até que eu esteja embrulhada em um casulo prateado, uma rede
complexa da mais brilhante e cintilante luz que me sela completamente.
Eu me ajoelho no chão do meu limpo espaço sagrado, seguro minha mão
esquerda na minha frente enquanto eu traço a lamina ao longo da minha linha da
vida sugando uma afiada ingestão de respiração enquanto eu enterro a ponta
profundamente na minha carne e uma grande onda de sangue corre pra fora.
Fechando os olhos e rapidamente manifestando Roman sentado de pernas
cruzadas na minha frente, me tentando com seus irresistíveis olhos azuis e um
convidativo e largo sorriso, me esforçando para passar pela sua beleza fascinante
e apelo inegável e direto para o cordão encharcado de sangue amarrado no
pescoço dele. Um cordão encharcado com o meu sangue.
O mesmo cordão que eu coloquei lá na ultima quinta-feira à noite quando
eu criei um ritual similar, um que parecia funcionar até que tudo deu
tragicamente errado, mas dessa vez, tudo é diferente, minha intenção é diferente,
eu quero meu sangue de volta, eu tenho a intenção de me desvincular.
Eu me apresso pelo canto, antes que ele desapareça, cantando:
“Com esse nó que eu desfaço
Banindo a mágica diante dos meus olhos finos Quando uma vez esse cordão esteve amarrado e apertado
Eu agora reverto pra acertar as coisas
Sua influência não mais potente agora de desprende de mim
Eu desato esse cordão e me liberto
Não permita que faça mal a ninguém enquanto eu mando embora
Essa mesma mudança terá influência hoje
Essa é minha vontade, minha palavra e meu desejo, que assim seja.”
Apertando meus olhos contra a força do vento do vendaval que gira
através do meu círculo, empurrando as paredes da minha teia até o limite delas
enquanto um flash de raios e trovões faz barulhos altos que são ouvidos por alto.
Minha palma direita erguida aberta preparada, meu olhar se tranca ao dele
enquanto eu mentalmente desfaço o nó no pescoço dele e chamo o sangue de
volta pra mim.
De volta pra onde se originou, onde pertencem, olhos se abrindo
excitadamente enquanto se forma um arco direto na direção do centro da minha
palma ferida, o cordão em volta do pescoço dele ascendendo, clareando até ficar
limpo e puro como o dia que começa.
Mas, assim que eu estou pronta pra bani-lo pra sempre, me libertar dessa
ligação profana, aquele estranho pulso estrangeiro, aquele odioso intruso
serpenteia dentro de mim com tanta força e determinação, me ultrapassando tão
rapidamente que eu não consigo parar.
O monstro dentro de mim acordado totalmente agora, ascendendo, se
esticando, com a sua fome pulsante demandando ser conhecido, causando um
colapso no meu coração tão violento que meu corpo treme, e mão importa o
quanta força eu lute contra ele, não adianta. Eu sou refém da cobiça dele, cativa de
seus desejos, eu sou inconseqüente, meu único propósito é conhecer todas as suas
necessidades, pra me certificar que sejam satisfeitas.
Assistindo desesperadamente enquanto o ciclo se repete novamente, meu
sangue diante, encharcando o cordão no pescoço de Roman até sucumbir
vermelho e pesado pingando um grosso traçado abaixo que vai até o peito dele e
não importa o que eu faça, não importa o quanto eu tente, não tenho como parar.
Não tem como parar a inegável atração do seu olhar, meus membros se
projetando na direção dele, não tem como parar o feitiço que me ata a ele.
O corpo dele é como um imã que procura somente por mim, fechando o
pequeno espaço entre nós em menos de um segundo e agora com os nossos
joelhos pressionados levemente juntos, nossas testas niveladas. Eu estou sem
defesas, impotente incapaz de conter esse insuportável desejo por ele. Ele é tudo o
que eu consigo ver, é tudo o que eu necessito.
Todo meu mundo reduzido ao espaço entre seus olhos e os meus. Seus
lábios convidativos a apenas na largura de uma lâmina de distancia, enquanto
esse atrevido, estranho, pulso estrangeiro me encoraja a ir em frente e nos unir como apenas um.
Meus lábios se empurram a frente na direção dos lábios dele, se movendo
cada vez mais perto. Quando de algum lugar profundo que eu não consigo
alcançar exatamente, a memória de Damen, seu cheiro, sua imagem treme por
dentro, nada além de um breve flash de luz no meio dessa escuridão, mas ainda
sim o suficiente pra me lembrar de quem eu sou, o que eu sou e a razão pela qual
eu estou aqui. Apenas o suficiente pra me libertar desse cenário de pesadelo
horrível e gritar — NÃO!—
Eu salto pra trás me removendo dele... disso, movendo tão rápido e
violentamente que a rede a meu redor entra em colapso, enquanto as velas se
extinguem e Roman se dissolve da minha vista. O único sinal do que acabou de
acontecer é meu coração batendo, roupão manchado de sangue e as palavras
reverberando na minha garganta.
Não, não, não, Deus, por favor, não!
— Ever?
Eu olho ao redor do closet, meus dedos freneticamente apertando meu
roupão de seda agora manchado de sangue além de reparo, esperando que ela
apenas vá embora, me dê algum espaço, ou pelo menos tempo suficiente pra
descobrir isso.
— Ever, você está bem ai? O jantar está quase pronto, é melhor você descer?
— Okay, eu vou...— Eu fecho meus olhos, rapidamente banindo meu
roupão e manifestando um vestido azul simples no lugar, sem ter idéia do que
vou fazer agora, e pra onde ir agora. Apesar de que uma coisa é clara, eu não
posso contar isso pra Romy e Rayne, elas já testemunharam minha última
tentativa falha, e eu nunca vou escapar dessa, além do mais, elas são muito
próximas a Damen e eles nunca vão me perdoar.
— Eu vou estar lá em um segundo, realmente!— eu digo sentindo a energia
dela do outro lado da porta, debatendo consigo mesma se ela entra ou não.
— Cinco minutos!— ela avisa voz resignada. — Então eu vou entrar pra te
pegar pessoalmente!
Eu fecho meus olhos e sacudo minha cabeça enfiando meus pés em um
chinelo enquanto penteio meus cabelos com a mão, cuidando pra me assegurar
que tudo parece limpo e puro superficialmente, porque por dentro eu não tenho
dúvida que as coisas se saíram pior.

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