Todos os lixos estavam postos frente aos portões, empilhados ou não, revirados pelos cães, vasculhados por andarilhos ou não. Uma espécie de silêncio da madrugada imperava naquele momento. E a quietude, o repouso digno de uma jornada desordenada, outrora estupidamente maculada por uma amargura desenfreada, era a cólera que transbordava em palavras soltas, expulsas para fora da goela bêbada, atropelando sonos alheios. Já que todas as pessoas sensatas ou insones encontravam-se acomodadas em seus devidos leitos, estava tão tarde que já era quase cedo...
Luís reduziu-se ao copo vagabundo de plástico de 1,99 da lojinha do seu Zé, seguia pela rua deserta afrontando as leis de Newton, mas o copo vagabundo, esse sim, segurava com firmeza. Buscou o smartphone no bolso do jeans amarrotado, desbloqueou a tecla de acesso, e concentrou-se por alguns minutos, cambaleando, fingindo sobriedade, misticismo ou seriedade, simulava pensar, chegou a um estado onde o engano anestesiava-o de certa forma.
- The knife wants slit me, do you think you can help me?... Entoou sua angústia como um hino, uma ode, com os olhos fechado e a voz alterada, por fim a cantoria desajeitada despertou os moradores da rua antes silenciosa.
- Cale a boca! Eu vou chamar a polícia! Gritou um senhor de meia idade.
- ...and I know it's over, I still cling, I don't know where else I can go...
- Vai para o inferno imbecil, vá cantar na rua da casa da sua mãe... Reclamou uma mulher com uma criança no colo que chorava repetidamente. Um coro de latidos, xingamentos, choro de criança e outras manifestações raivosas embaraçavam a canção de Luís, mas que mesmo cambaleante seguia em frente como a canção do Almir Sater. Desabafava cabisbaixo, batendo no próprio peito com uma certa violência. Depois do relapso de fúria passional acomodou-se em uma calçada qualquer recém reformado pela prefeitura. Dobrou os joelhos, encostou a cabeça perturbada e confusa, e quase como um mendigo, clamava por ajuda, sozinho, inquieto... proferindo palavras incertas até para um louco and over, over, over...
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Solilóquio | Yellow Ledbetter já parou de tocar...
Short Story"O repouso da meditação se perdia no sarandeio das cortinas compassadas pelo vento, a janela esquecida aberta convidava a visitante da madrugada, uma brisa gentil..."