Capítulo 2 - Vida Urbana

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Duas horas.

Já faziam duas horas desde que a porta de um certo banheiro foi trancada e que assim continuou. Do lado de fora desse banheiro, uma garota alta, com um estilo gótico aguardava, batendo seus pés no chão impacientemente.

- "Aaahh, mas que merda, Moshi! Abre logo essa porta!" Exclamou a menina, batendo na porta com seus punhos apertados.

- "Nyeeeeeh!!! Espera só mais um pouquinho que a coisa aqui tá feia!" Disse uma voz vinda do banheiro. Uma voz tão nasal e irritante, que fazia quem quer que tivesse de escutá-la chegar ao ponto de lágrimas.

A menina esperando do lado de fora era uma Melinda Madoshi, estudante colegial que dividia seu humilde apartamento com seu irmão maior, Moshi Madoshi. Com a proposta dos dois pagarem o aluguel, metade cada um, eles tentavam se tolerar. Ênfase em 'tentavam'.
Melinda não dava descanso à porta, batendo nela como um martelo. Já era a terceira vez que ela batia naquela porta chamando seu irmão; A primeira quando ele havia acabado de entrar, chegando primeiro na 'corrida diária' ao banheiro que os dois sempre tinham; A segunda uma meia hora depois, um pouco por preocupação da parte dela, temendo que o garoto havia se matado naquele meio tempo; E agora a terceira, cheia de fúria e ódio, com toda a intenção de destruir aquela porta (e Moshi junto, de preferência).

- "Gghhrrraah!!! Vê se morre, seu aborto!!!" Mas enfim, com um último grito de guerra e chute na fuça da porta, Melinda desiste e segue furiosa para o sofá de sua sala. Talvez ela planejava descarregar sua ira nas almofadas do cômodo.

O apartamento onde os dois moravam se encontrava em um dos últimos andares de seu condomínio. A vista vinda da janela, porém, era bloqueada por outros prédios, amontoados uns aos outros, o que dava à rua uma sensação claustrofóbica. Melinda olhava através dela enquando mordia uma almofada, e de lá conseguia ver sua rua claramente. As motos rachando o concreto, bêbados sendo jogados pra fora do 'Bar do Zé' local, casais sendo assaltados em plena luz dos postes; o de sempre.

Os céus da noite, carregados de nuvens baixas, reflectiam fracamente as fortes luzes que eram soltas pelo centro da cidade. Uma das razões que Melinda escolheu seu apartamento atual (além do preço mais baixo do aluguel) foi sua intenção de ficar o mais longe possível do brilho ofuscante da cidade grande, cheia de gente barulhenta e tumultos rotineiros.

- "Hhnggnn... Hm..." Mas ainda assim, olhando para a luz piscando no céu como uma mini aurora boreal, com sons abafados que se misturavam em um ruído incompreensível, porém agradável, até mesmo Melinda conseguia sentir seus nervos se acalmando aos poucos. E com isso, lentamente ela tira seus dentes do acento manchado de saliva e se apoia sobre sua varanda.

- "...?"

Porém, no meio de todo aquele brilho nos céus, algo encomodou Melinda. Um pressentimento estranho a possuía, como se um alarme estivesse apitando em seu subconsciente. Algo que ela não conseguia identificar, mas que sabia, com toda a certeza, estar lá.

Apoiando-se mais sobre a varanda e forçando sua visão o máximo que ela podia, Melinda estava determinada a descobrir o que era de tão estranho dentre aquela aurora boreal urbana. E não levou muito tempo de investigação para que ela encontrasse a anormalidade: Uma pequena sombra se locomovia pelo céu escuro em alta velocidade. E enquanto a sombra se misturava completamente com a escuridão da noite, os breves momentos em que ela voava na perspetiva certa para que as nuvens servissem como um fundo eram quando Melinda conseguia a avistar. Não que ela compreendesse ou tivesse alguma ideia do que se tratava, claro.

- "Eeeeeiiiii Melindaaaaaaa!!!"

Pulando de surpresa pelo grito repentino em seu ouvido, a menina virou à sua direita para ver um garoto magro, fraco e corcunda de óculos ao seu lado. Enfim, lá estava ele; Moshi Madoshi, em toda sua 'glória'.

- "Se você não vai usar o banheiro, então eu volto pra lá-aaAAACCK!!!" O comentário do menino foi interrompido no meio por um puxão em sua orelha e uma mão em sua garganta, cortesia de sua irmã irritada.

- "Grita assim de novo e eu te garanto que na próxima vez, você não vai ter mais cabeça pra gritar." Melinda estava com seus dentes expostos, espirrando cuspe em sua respiração alterada, como um cão com raiva. Estava claro para Moshi que uma palavra errada podia custar-lhe a vida.

Enquanto a menina demonstrava sua liderança, seus olhos se desviavam rapidamente para o céu nublado, assim percebendo que o vulto voador havia sumido. Estranho, de fato, mas algo que ela decidiu não ter tanta importancia no final das contas. Então soltando o filhote de Quasimodo, Melinda se virou para, finalmente, ter sua vez no banheiro.

Um segundo.

Só levou um segundo para que a situação mudasse completamente.

Nesse segundo em que Melinda estava com suas costas expostas, algo pequeno como um rato e rápido como uma flecha lhe deu uma investida por trás, a jogando pelos ares. Mesmo com as leis da gravidade eventualmente a puxando devolta ao chão, seu rosto ainda foi arrastado alguns centímetros pelo piso da sala, graças à tremenda força daquele golpe.

Moshi não tinha ideia alguma do que havia testemunhado. Tudo que ele podia fazer era olhar em choque para sua irmã nocauteada, tentando processar em vão o que tinha acontecido.

Melinda, ainda atordoada, contorcia seu corpo ferrido, tentando não perder sua consciência. Mas mesmo assim, era fútil tentar compreender a situação em seu estado. Tudo que ela podia fazer era tentar readquirir a sensação em seu corpo e levantar do chão frio.

E no topo das costas da garota, podia-se avistar uma criatura pequena, totalmente preta e um pouco fálica. Um ser que nenhum dos dois naquela sala já haviam visto em suas vidas.

- "Ei, você." Uma voz saiu da boca daquela coisa. Uma voz que, embora infantil em sua natureza, ainda tinha um fator intimidador que mandava calafrios nos dois.

- "Você me viu, né."

E essa voz se dirigia diretamente à Melinda.

- "... Heheh. Quer saber... É, isso deve dar certo."

Com um sorriso malicioso, a criatura se aproximou lentamente do pescoço da menina caída.

Uma mordida rápida.
Uma dor afiada.
Um rastro de sangue.

E assim, Melinda caiu em um sono profundo.

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⏰ Última atualização: Jul 19, 2018 ⏰

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