– capítulo 3 –
Um Café– Un... deux... trois...– A voz da professora parecia longe. Mera figurante. Como naqueles desenhos em que a professora diz nada com nada, apenas meros "blablabla". Apesar de não encarar Marisa, minha mente recriava nossa conversa e não só isso: criava diálogos inéditos e respostas ainda mais inusitadas. Quando por fim a aula encerrou, olhei em desespero para meu lado, no receio de que ela não estivesse mais ali como da última vez.
Mas ela estava. E sorriu de volta.Os alunos foram deixando a sala, um a um, sem pressa, conversando sobre a aula, o dólar e o caos político que o Brasil enfrentava. Apesar de gostar de economia e política, aqueles assuntos não me interessavam no momento e agradeci por Marisa não falar sobre isso. Ficamos ali, ajeitando lentamente nosso material, até restar apenas nós e a professora. Eu queria protelar aquela despedida e sentia que a mulher ao meu lado desejava o mesmo.
– Filles, bye! – a professora se despediu em francês com a sacola ecológica no ombro.
Sorrimos e acenamos para ela quase que no mesmo instante e caminhamos lado a lado até o lado de fora do velho casarão.
– Você vai pegar um táxi? – Marisa indagou, quando já estávamos na calçada.
Fui pega de surpresa. Pouquíssimas pessoas na minha idade pegavam táxi, a não ser quando voltavam de uma balada e estavam bêbadas demais para dirigir ou esperar o metrô abrir.
– Pode ser! – respondi de imediato, com vergonha de confessar que o máximo que eu costumava pegar era o ônibus para minha casa.
– Podemos dividir um táxi – ela sugeriu me pegando, mais uma vez, de surpresa.
Eu não fazia ideia de onde ela morava, muito menos quanto daria aquela corrida de táxi. Mas só a ideia de passarmos mais algum tempo juntas, mesmo que fossem minutos, era o suficiente para fazer com que eu concordasse com aquilo.
– Claro, é uma ótima ideia!
Marisa sorriu de volta, segurando a bolsa junto ao corpo. Observei-a em pé, próximo à rua, à espera de um táxi. Impressionei-me mais uma vez em como poderíamos nos dar tão bem. Lá estava ela, de calça jeans da melhor grife possível, blazer branco, sapato alto e cabelo impecável, enquanto eu sentia vergonha do meu cardigan surrado e sapatilha do dia a dia.Um táxi se aproximou da calçada e, assim que ele parou, Marisa abriu a porta.
– Pode entrar...
Segurei a porta atrás dela e respondi:
– Entra você primeiro! – Pisquei e ela não retrucou, eu entrei logo em seguida.
Sentamos lado a lado e ela falou as coordenadas, o nome de uma rua que eu nunca ouvira falar na vida. De qualquer forma, depois eu daria um jeito de chegar até o metrô mais próximo.
– Aula que vem é feriado – informei receosa do que aquilo poderia significar. Ficaríamos sem nosso encontro?
Eu só podia estar ficando louca! Que encontro? Que encontro, Valentina?
– Nem me fala! Eu esperava que a professora dissesse que não emendaríamos... – A moça de mechas douradas confessou.
Olhei-a e seus olhos, na claridade do sol, tornavam-se ainda mais azuis, mais difíceis de serem encarados. Pareciam duas pedras preciosas, dois topázios azuis.
– Acho que eu vou esquecer toda a matéria – disse, porque não me passou outra coisa pela cabeça.
– Acho que eu vou esq... – Mas ela parou a frase na metade, me deixando curiosa e tive vontade de implorar a ela que continuasse o que havia começado.
– Eu nem perguntei, para onde você vai?
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Valentina
RomanceValentina é uma moça determinada, bem resolvida, que sabe o que quer. Marisa é uma mulher madura e bem-sucedida profissionalmente, mas que, fugindo dos seus fantasmas, muda-se para São Paulo, em busca de uma chance para recomeçar sua vida do zero. O...