Meu peito subia e descia desesperado. Ansiava seu colo, seu cheiro, sua pele. Inúmeras vezes, queria seus lábios. Inúmeras vezes, queria sentir seu perfume. A desejava...Estava alheio. Tão alheio que não pensava em Karl, tão alheio que me desliguei do mundo exterior.
Só me desperto assim que vários pedaços de cacos de vidro voam a minha frente.
Assusto. Me alerto bruscamente. Percebo então o que acontecia ao meu redor.
Theobaldo estava batucando respectivamente uma caneta bic no fino copo de vidro. Theobaldo estava descontando seu nervosismo e medo no fino copo de vidro.
A cinco minutos atrás nos corredores do colégio, ele parecia menos exaustivo. Talvez fosse a aglomeração de pessoas que o distraia, antes tivera como passar seu angustioso tempo. Porém, não se pode dizer o mesmo de agora. Ele havia dado de cara pela primeira vez do dia com o seu problema, eu.
Karl, Piter e Hunter o encaram assustados com a ação repentina.
Eles não estranharam o fato dele ter quebrado um copo e sim de sua expressão, direcionada a mim. Medo.
O irmão bastardo de Karl hoje estava estranho e todos perceberam.
A verdade, era que Theobaldo estava prestes a explodir. Suas veias estavam expostas nas laterais de sua testa, sinalizando seu estresse. Ele iria explodir. Não suportava guardar tanta coisa para si, não suportava mentir. Sua consciência e sua religiosidade não o deixava e era por isso que seu pavio tinha acabado de se acender, e cada vez ele queimava mais e mais.
Então intervi. Não estava na hora.
— Theobaldo, nos fale sobre suas férias.
Não fora o suficiente, ele ainda estava fora de si. Por isso insisto:
— Vamos Theobaldo, vai dizer que o passeio no orfanato rabugento da sua mãe não foi bom para você?
Piter, Karl e Hunter se estabilizam quando ouvem de seus feitos.
— Você foi naquele muquifo? — Karl torce o nariz o questionando.
— Não é rabugento, muito menos um muquifo! — ele volta a si. Agora então, deixa de manter seus olhos em mim. — É o meu empreendimento, meu primeiro negócio. — se orgulha, mas, menos entusiasmado do que o normal.
Estranho suas últimas palavras. Até onde eu sabia Theobaldo era apaixonado por crianças, ( apesar de viver reclamando sobre suas atitudes nojentas) mas o orfanato pertencia a sua mãe.
Ele vinha de uma família evangélica. O falecido pai havia o ensinado os caminhos cristãos. Seu falecido avô era pastor do mesmo lugar que hoje Theobaldo diz que se construiu o orfanato. A igreja acabou mudando de local e deixou uma vasta área vazia.
O terreno era deles e sua mãe achou que seria a vontade do seu sogro que aquele lugar - de onde passara tantos anos de sua vida - não ficasse juntando traças abandonado, foi então que teve a ideia da construção do orfanato evangelista.
Não foi preciso uma vasta construção, a igreja era grande o bastante para abrigar os oitenta órfãos e os funcionários.
Uma vez fui lá, quando ainda estava em construção. Ela apenas mudou a fachada e fechou algumas paredes, fazendo então quartos separados.
Aquele não era um dos melhores lugares para Theobaldo. Ele tinha pavor de crianças. Tinha pavor de seus narizes catarrentos, de seus choros sem motivos, de suas besteiras o tanto quanto idiotas, de suas birras. Ele passava por cima de suas repulsas pra ajudar a mãe a tomar as rédeas do novo negócio de caridade.
Eu até o admirava, sua fé, seus bons atos, suas atitudes. Ele era um bom garoto, talvez o único que prestasse de todos nós.
— Até parece que vai sair grana daquele lugar. — Karl rola os olhos.
— É um movimento de caridade Karl, é claro que não vai sair dinheiro. Mas só de saber que tudo está sob minha administração, já é uma responsabilidade e um começo de experiência. — se explica.
Eles compreendem, mas Karl ainda achava perda de tempo e de grana. Digamos que ele não tenha esse coração bondoso, e quando ele me olha sorrindo debochado eu o entendo bem. Aquilo era bondade demais para nós dois.
Karl podia ser considerado meu melhor amigo, mas antes de mim veio Piter.
Piter desde a oitava série fora melhor amigo de Karl. Ambos membros do futebol clube. Sem contar que eram vizinhos, alunos da mesma escola, membros da mesma banda, companheiros do mesmo trabalho e namorados da mesma garota - ainda não sei como não nasceram grudados.
Esses dois se viam tantas vezes ao dia que se era de enjoar.
Bom, na parte do namorados da mesma garota, convinha lembrar que em meados de 2015 Piter e sua namorada terminaram, por um único motivo, Karl. Eles eventualmente estavam atraídos um pelo outro, e essa atração era forte a tanto de criar uma richa entre Karl e ele.
Esse foi um dos motivos que causaram a inimizade dos dois.
E por um acaso Karl e eu nos aproximamos de uma maneira incomparável a amizade dele com Piter.
Theobaldo percebe nossos olhares debochados, mas não dá moral.
Ele também era um acaso no nosso "grupo de amigos". E principalmente na vida de Karl.
No primeiro ano do ensino médio ele se tornou meio-irmão de Karl.
A mãe viúva de Theobaldo casou - se com o pai solteiro de Karl. Unindo então, duas famílias.
No começo Karl não se conformava muito com a idéia de ter um irmão, principalmente em saber que Theobaldo era sempre melhor em tudo do que ele.
Mas isso foi mudando com o tempo.
— Então, quer dizer que você agora é dono de um orfanato?
— Sim. — Theobaldo responde Piter orgulhoso.
Levanto as sobrancelhas o admirando.
Como eu havia dito, ele era um garoto prodígio, o sonho de qualquer sogra.
— É, grande conquista com o dinheiro da mamãezinha. — Karl implica e não sou capaz de segurar o riso.
É ele aceitou o novo irmão, mas as implicâncias nunca se cesaram.
Theobaldo resolve ignorar mais um vez seu irmão. E continua:
— Bem, não totalmente. Minha mãe quer que eu me foque nos estudos e ela acha que essa posição de "chefe" é muito sobrecarregada, então somente durante as férias o orfanato João será oficialmente meu. Lá é legal, as crianças também. — ele torce o nariz nessa parte, sabíamos que essa não era totalmente a verdade. — Você deveria ir um dia Karl.
— Não, obrigado. — Karl o olha enojado.
Piter chama a atenção quando sorri de canto fazendo barulho e mira o nada.
— Tenho certeza que suas férias não foram tão inebriantes como a minha. — Piter sedutoramente apoia os dois braços na ponta da mesa tentando dar um ar de superior para algumas meninas do ensino médio sentadas a algumas mesas à frente. Que davam risadinhas em nossa direção.
Uma garota morena me encarava, do mesmo modo como as outras três encaravam a Piter. Dava risos menos histéricos que as amigas, eram sedutores e eram para mim. Era uma pena que meu olhar era somente de uma, e não era o desta.
— E como elas foram? — Hunter pergunta.
Ah! Eu de verdade, ao contrario de Hunter, não queria saber.
Piter era provocador, e naquele momento, apesar de saber somente uma página de toda a história, ele fazia justamente isso: me provocava.
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Quero repetir o verão passado
Teen Fiction"Ele podia ter tudo, menos ela. Ele não queria tudo, queria ela. Em meio a tamanha cobiça, ele caiu e se perdeu." *** Conto escrito para o quarto desafio do concurso ficção adolescente.