Aquele quarto de hospital me daria pesadelos nos próximos dias, eu tinha certeza disso. Um quarto de UTI ironicamente colorido... Colorido por flores, balões, fotos e desenhos. O irônico nisso é que aquele quarto, que na maior parte do seu tempo de existência tinha sido tão branco e monótono, estava agora tão colorido e aquele garoto deitado naquela cama, o garoto que na maior parte do seu tempo de existência tinha trazido cor para minha vida, estava agora tão pálido.Na cabeceira havia um cronômetro, marcando dez minutos, seus últimos dez minutos.
Eu me sentei no banco que estava do lado da cama e peguei a mão dele, o garoto que sempre foi tão quente estava agora frio.
Eu observei sua pele e vi aquela pele, que alguns meses antes estava em um tom moreno tão vivo e tão lindo, estava agora pálida.
Dirigi o meu olhar para a sua boca, aquela boca que havia vivido espalhando sorrisos, estava agora tão pálida quanto a pele.
Olhei para suas bochechas, aquelas bochechas que carregaram lindas covinhas durante toda a sua vida, estavam agora lisas.
Observei seus olhos, aqueles olhos que sempre haviam se mostrado alegres, estavam agora fechados.
Deixando os detalhes de lado, eu olhei para o seu rosto e mesmo com tudo aquilo, mesmo com todos aqueles detalhes e com aquele tubo, o tubo que estava ligando ele aos aparelhos que o mantinham vivo, ele parecia calmo. Eu sorri com aquela calmaria, ele merecia aquela calmaria.
Olhei para o cronômetro e ele já estava marcando nove minutos. Nove minutos, era todo o tempo que me restava para me despedir dele.
Eu deixei o banco de lado e me sentei na beirada da cama, apertei a mão dele e uma lágrima caiu na cama, só então eu percebi que estava chorando.
Pensei em levá-lo para algum lugar, em sair correndo com ele, mas de quê adiantaria?
Oito minutos.
Eu me lembrei de estar brava com ele e com meu irmão por terem estragado as minhas bonecas, onze anos antes daquele momento e sorri olhando o seu rosto pálido.
Sete minutos.
Me lembrei de quando ele teve que ser internado por desidratação e eu fui visitá-lo no hospital, ele não podia ficar sozinho e a mãe dele estava com fome, ela pediu para eu ficar dez minutos com ele enquanto ela comia e eu não queria ficar todo aquele tempo, refleti em como agora eu daria qualquer coisa para ter mais do que apenas dez minutos com ele e apertei sua mão fraca.
Seis minutos.
Eu me lembrei do dia em que contei pra ele o que sentia por ele, minha voz estava tremendo com medo de ser rejeitada por ele naquele dia, ele sorriu pra mim, me abraçou e disse que eu era uma pirralha mas que ele também gostava de mim. Fiz carinho no rosto dele enquanto imaginava se aquele momento teria sido mais fácil se ele tivesse me rejeitado naquele dia.
Cinco minutos.
Meu coração viajou para o dia do nosso primeiro beijo, eu lembrei-me de como eu estava quentinha naquela noite fria, eu me lembrei de como era quentinho o abraço dele e de como era bom poder beija-lo. Deitei me aconchegando ao lado dele naquela cama desconfortável de hospital.
Quatro minutos.
Recordei-me do dia em que ele me pediu em namoro, de como o vermelho daquelas rosas era vivo, de como sua voz rouca fazia meu coração acelerar, de como seu olhar carinhoso me fazia corar, de como seu sorriso era lindo. Passei a mão em seus lábios, tentando não tocar no tubo que estava ali.
Três minutos.
Lembrei do dia que eu, ele, meu irmão e alguns de nossos amigos próximos saímos para acampar e eu acordei no meio da noite, ele estava olhando pra mim, de um modo tão carinhoso que me transbordou. Eu olhei para seus olhos fechados, eu prestei atenção em seus cílios, incrivelmente longos e escuros.
Dois minutos.
Eu orei, orei pedindo para que quando aqueles curtos minutos acabassem os meus pulmões continuassem funcionando e para que meu coração continuasse batendo quando o dele parasse. Eu olhei para ele com muita atenção e passei os meus braços em volta de seu corpo frio.
Um minuto.
Eu fechei os olhos e apertei o seu corpo contra o meu, tentando trazer ele para mais perto de mim, tentando guardar uma parte dele em mim, para que eu não sofresse tanto quando tudo aquilo acabasse.
- Eu te amo - eu disse ainda com os olhos fechados e por isso consegui imaginar ele sorrindo ao meu lado - eu sinto tanta falta de você, eu sinto falta das suas bochechas coradas, eu sinto falta do seu sorriso carregado com aquelas covinhas lindas, eu sinto falta dos seus olhos brilhantes, eu sinto falta da sua risada, eu sinto falta do seu abraço...
Eu não havia terminado de falar, mas a minha voz trêmula foi interrompida pelo barulho agudo e alto que o aparelho ao meu lado fez quando todos os outros pararam de funcionar. O coração dele havia parado de bater.
Uma enfermeira entrou no quarto e eu tive que sair do lado dele. Quando eu percebi que aqueles dez minutos já haviam se passado eu notei que a minha oração tinha sido ouvida, pois os meus pulmões estavam funcionando e o meu coração estava batendo. Mas a minha tentativa de guardar uma parte dele em mim falhou, no momento em que o coração dele parou de bater o meu se partiu. Eu levei a minha mão ao peito tentando fazer com que a dor parasse, mas ela não parou.
Naquele momento eu desejei ter tido mais de dez minutos para me despedir dele.
~Rapha Araújo
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Textos e frases que acabarão com seu psicológico
RandomTextos e frases quase cruéis demais, mas ainda fofos o bastante.