• Pós-morte •

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"Eu não me arrependo de nada. Faria tudo de novo" - Catarina de Lurton havia dito suas últimas palavras e sabia que a sua hora havia chegado. A sua frente, várias pessoas assistiam, entre elas, Afonso e Amália. Como havia conseguido sentir algo por aquele homem antes? Agora, a única coisa que conseguia sentir era nojo. Nojo daquele casal que vivia na hipocrisia. Sabia que Amália tinha seu sangue mas agradecia ter vivido todos esses anos longe daquela cara de sonsa.
A corda em seu pescoço apertava cada vez mais e ela sentia sua vida indo embora. Tudo poderia ter sido tão diferente, era destinada a reinar. Por que descobrira que era filha de bruxa se não tinha poderes? Brice. Estava morta. E até o último minuto a tentou proteger. "Perdão, minha filha", foram suas últimas palavras. Apesar de tudo, sentia pena daquela mulher. Nos seus últimos momentos de vida, sua voz e feição vieram em seus pensamentos como se estivesse ao seu lado, assistindo tudo. Logo em seguida, sua filha recém nascida veio em sua mente. Nunca poderia cuidar dela. Era melhor não vê-la. Sofreria menos.
Era isso. Deu seu último suspiro e sentiu se desprender daquele corpo. Como era a vida pós-morte? Descobriria mais rápido do que já imaginou antes.
Catarina ainda sentia a sua conciência viva. Mas não respirava mais. Aliás, não precisava respirar. Saiu de seu corpo, o vendo desacordado, com centenas de pessoas comemorando sua morte como se fosse um nascimento. Sua morte era mais comemorada do que o nascimento de sua filha.

"Venha cá..."

Catarina ouvia uma voz a chamar. Mas onde iria? Sentia-se leve, podia voar. Passar entre as pessoas. Não era mais feita de matéria, ou de átomos. Era o vazio. Mas existia. Até que a experiência da morte não estava sendo tão ruim assim.

"Quem está me chamando? Da onde? Você também vai me julgar como eles? Vou queimar no fogo do inferno como diziam?" - Catarina grita. Se estivesse viva, chamaria a atenção de todos. Mas ninguém olha em sua direção. E seu corpo continua intacto.

"Sou eu, minha filha. Sua mãe"

"Cecília? É você?" - Responde.

"Cecília não é sua mãe. Eu sou." - Brice aparece na frente da filha, abrindo um sorriso ao vê-la.

"Você? Você está morta. Te vi virando pó no dia do meu julgamento"

"Você também está morta, filha. Mas, sou uma bruxa. E nós vivemos assim depois que nos desprendemos de nosso corpo."

"Nós? Você é uma bruxa. Eu não sou"

"Não ter poderes não significa que você não seja uma, querida. E um dos nossos dons é esse. Poder viver sem estar viva. Vamos, aproveite. É divertido. Você pode fazer o que quiser, nunca irão nos notar."

As duas descem até onde o povo está, e Catarina para na frente de Amália.

"Você acha que eu morri, é? Está muito enganada, irmãzinha. Estou mais viva do que nunca" - Diz Catarina. Amália fica tonta e para por um instante.

_ Nossa, senti uma coisa estranha agora. Uma sensação tão ruim... - Comenta Amália.

_ Não deve ser nada, meu amor. - Responde Afonso.

"Vocês ainda vão sofrer muito." - Termina Catarina, subindo para cima novamente, sendo acompanhada por sua mãe.

"Filha, acho melhor você esquecer aqueles dois. Não faz bem para a nossa alma."

"Nunca. Não vou descansar até que paguem caro por tudo que fizeram comigo. Aliás, você foi a única que me apoiou até o fim. Tenho que lhe agradecer. Deu a sua vida para me salvar."

"A minha vida já estava no fim. A sua, apenas no começo. O amor de mãe é uma coisa muito forte."

"Agora sei disso. Sabe, as últimas pessoas que vieram em minha mente foram você e a minha filha." - Confessa Catarina.

"É sério? Eu... eu nunca pude cuidar de você o tanto quanto sempre quis. Passei a vida inteira a sua procura e quando a encontrei, a sua rejeição doeu. Doeu muito. Sei que nunca trocaria a sua vida de princesa por uma vida de plebéia comigo, entendo. Mas no fundo, isso me machuca."

"Agradeço muito ter tido uma vida como princesa de Artena. Mas agora reconheço que você é a minha mãe. Amo Augusto, ele cuidou de mim toda a minha vida. Mas no fundo, ele me decepcionou. Me entregou no julgamento. Já você, me surpreendeu. Tinha todos os motivos para me condenar mas ao contrário de todos, me apoiou."

"Eu sempre vou te apoiar, minha filha. Eu posso te pedir uma coisa? Me deixe cuidar de você nessa pós-vida. Por favor" - Brice implora para Catarina, que fica balançada.

"Eu não encontrei ninguém além de você mesmo... Eu deixo" - Brice sorri e vai em direção da filha, que a interrompe. - Mas sem abraços! Eu não sei se nessa forma se pode abraçar mas... Eu aceito que cuide de mim com uma condição."

"Qual?"

"Que me leve para ver a minha filha."

"Mas é claro. Minha neta... também estou ansiosa para vê-la." Pegá-la no colo. Assim como queria fazer com você".

"Então vamos... Mãe?"

Brice mal acredita que havia ouvido aquelas palavras. Sua filha estava ao seu lado agora, e sua neta, perto de si. Faria de tudo para conquistar a confiança de Catarina e sentia que estava próxima de conseguí-la.

Cecília de LurtonOnde histórias criam vida. Descubra agora