Deveria ser mais fácil com o passar dos dias, mas parece que cada manhã é uma nova tortura. Abrir os olhos e saber que ele não estará mais ao seu lado... abrir os olhos e saber que ele nunca mais poderá abrir os dele.
Levantar é uma luta, mas continuar à viver é uma guerra. Observar pessoas passando. Observar pessoas sorrindo. Observar pessoas que têm as suas vidas sem a marca que ele deixou para trás. Tudo isso a matava, mas no fim das contas, ela já estava morta.
Fechou os olhos e se preparou para vestir a sua melhor máscara. Todos a elogiavam por ter superado, por não mais sofrer por alguém que se foi há muito tempo, mas ela é a pessoa que se foi, ele foi a pessoa que ficou.
Sua casa era um santuário. As marcas dele estavam por todos os lugares. A xícara de café que ele bebeu naquele dia continuava sobre a mesa. Seu casaco ainda estava pendurado, esperando pelo dono o pegar em dias de frio, mas o inverno já havia passado.
Olhou-se no espelho. Suas olheiras causadas pela falta de sono continuavam lá. Ela não dormia direito desde que ele se foi, talvez se ela pudesse sonhar tempo suficiente, ele apareceria e diria que ela ficaria bem. Em algum momento ela ficaria bem, mas por enquanto apenas não dormia do lado dele da cama e sentia o frio que emanava dali. Cobriu as olheiras com maquiagem.
Saiu do quarto e estancou no mesmo lugar. Ali estava ele.
Um fantasma.
Um fantasma que só existe para ela.
Aquela era uma imagem que já estava acostumada. Todas as manhãs ele estava ali. Ela sabia que era a ilusão de uma lembrança, ela sabia que não era real, mas todas as manhãs sorria ao o ver sorrindo para ela como fazia antes. Seu coração doía de dor e alegria enquanto o via sentado no sofá com o braço aberto, apenas esperando que ela se aconchegasse ali e pudesse dar um beijo em sua testa.
Desviou o olhar e foi para a cozinha. Abriu a geladeira em busca de algo que poderia enganar a sua fome, quando virou, o viu encostado na bancada, com uma expressão de reprovação. Ele não gostava quando ela não comia o suficiente. Podia ouvir a brisa de sua voz a repreendendo.
- Não brigue comigo. Você me abandonou, de qualquer forma. – Ela disse e lhe deu as costas.
Ela se segurou na pia quando a dor a atingiu com força, a ponto de deixá-la tonta. Sentiu as lágrimas escorrerem por seu rosto e não aguentou mais ficar em pé. Desabou no chão, segurando os seus joelhos, enquanto tentava parar de sentir aquilo.
Por que doía tanto? Quando pararia? Por que ele tinha que ir? Porque ela tinha que continuar a viver quando a sua vida já era tão vazia?
Levantou os olhos e o viu ajoelhado ao seu lado. Uma mão em seu ombro e outra acariciando seus cabelos, mas ela não sentia.
Queria esquecer. Queria apagar da memória a vida que teve, então não poderia mais comparar. Queria que tudo desaparecesse. Queria que sua dor sumisse. Queria que ele sumisse. Queria que ele nunca tivesse ido. Queria nunca o ter conhecido. Queria continuar. Queria parar. Queria viver. Queria morrer. Ela queria que algo acontecesse, qualquer coisa, apenas queria, apenas precisava.
Enxugou as lágrima de seus olhos e se levantou. Decidiu que era hora de deixar, de seguir. Sem olhar para trás caminhou até a porta, pronta para sair e voltar como outra pessoa, mas antes que pudesse pôr um pé para a fora, não resistiu à tentação de olhar para trás.
Ali estava ele, com a mão estendida, sorrindo docemente. Ela o encarou por alguns segundos e estendeu a própria mão em sua direção. Seus dedos se tocaram e suas mãos se entrelaçaram. Ele a puxou ao seu encontro. Uma mão em sua cintura, a outra segurando firmemente a sua. Seus olhos negros se encontraram. Lágrimas desciam pelos seus rostos, sorrisos estampavam seus lábios. Ele pôs a mão dela em seu ombro e enxugou as lágrimas da menina.
Ele a segurava apertado contra si e a guiou em uma dança sem música. O silêncio da casa se transformou em uma bela melodia. Passo por passo, valsaram por toda a casa, como costumavam fazer em dias de chuva. Ela descansou a cabeça na curva de seu pescoço e inspirou a lembrança de seu perfume. Lembrou-se das tantas vezes em que estiveram daquele mesmo jeito. Lembrou-se da primeira vez que dançaram juntos naquela casa. Eles eram muito jovens e tolos naquela época para saberem sobre amor, mas sabiam. Ela estava cansada pela mudança e triste por ter perdido algumas coisas, do lado de fora chovia e ela era afetada pelo clima, para animá-la, ele pôs uma música para tocar em seu celular e a puxou para dançar. Desde então, ele sempre valsaram quando tristes.
Ele a rodou, mas quando iria voltar para seus braços, se viu sozinha de novo.
Aquele era o adeus.
Olhou para o apartamento vazio. Suspirou e saiu, limpando as lágrimas pela última vez.
Olhou para o céu cinza, não sabe por quanto tempo ficou o encarando, apenas voltou quando sentiu algo cair em seu ombro. Ao se voltar viu uma pétala de rosa seca ali, a segurou em sua mão e a encarou. Outras caíram. Choviam pétalas de rosa.
Ela sorriu.
Era um adeus.
...Mas ela sabia que nunca mais dançaria.
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Ghost of You
Short StoryUm pequeno conto inspirado na música "Ghost of You" da banda 5 Seconds of Summer.