RECURSOS HUMANOS

205 3 3
                                    

Vou comer essa guria!
Esse pensamento passava pela minha cabeça desde a entrevista de emprego e voltava toda vez que o RH da empresa me chamava... Vai ser gostosa assim lá em casa!
Desde a primeira vez que eu a vi... Não, minto. Desde quando ouvi sua voz: doce, suave, delicada e meiga. Sabe aquela voz de menina adolescente ninfomaníaca?
É, eu imaginei que sim, seu puto safado!
E apesar de apenas conversarmos de maneira formal, no primeiro 'hmmm' que ela disse pelo telefone eu fiquei de pau duro em sete segundos.
Claro que ela não poderia ser menor de idade ou não estaria trabalhando. E, sendo adulta, mas mantendo aquela voz estava ótimo para mim. Já tenho problemas demais.
Acho que ela não foi muito com a minha cara quando me viu.
Claro; eu estava de barba por fazer, a camiseta deixava um pedaço da tatuagem aparecendo e; apesar dos meus esforços, não acredito que consegui disfarçar a cara de ressaca.
Onde já se viu encher o caneco para comemorar um trampo?!?
Ah, porra. Eu tava fodido e mal pago. Se você ainda mora com sua mãe pode não entender, caso você se vire sozinho desde os dezesseis anos sabe muito bem como é.
Inclusive, foi durante a bebedeira com alguns camaradas que um deles disse: ah, aquela gorda.
Mas mesmo antes de vê-la eu sabia que não podia ser verdade. Deus não podia ser um bastardo tão fodidamente cruel para colocar aquela voz deliciosa em uma menina feia. E além do mais, o cara que disse aquilo soou como um moleque amargo que não consegue comer ninguém.
Quando vi com meus olhos tirei a prova real: sim, existe um deus e ele é bom!
E o Berne, apesar de ser meu camarada, é um puta cabaço babaca cuzão.
Embora eu confesse que meu sono alcoolizado foi assombrado por uma estagiária espinhenta.
Na manhã seguinte me encaminhei para o escritório no horário previamente marcado: sete e meia da manhã. O porteiro me avisou que antes das oito horas ninguém estaria lá. Maravilha. Fumamos um cigarro discutindo amenidades antes de eu finalmente andar os vinte metros até o prédio da administração. Passei pelas portas observando distraidamente até encontrar meu destino: RECURSOS HUMANOS.
A porta estava entreaberta, bati. Barulhos de alguém sobressaltado de susto lá dentro, olhei, tinha um guri sentado atrás de uma escrivaninha. Um moleque deveras delicado.
- Bom dia - arrisquei.
- Vai ter que esperar - bufou ele sem olhar para mim.
- Sem crise.
Sem esperar convite sentei em um sofá confortável com cobertura imitando couro preto, mas era uma boa imitação: tinha até aquele cheiro gostoso.
Ele levantou da escrivaninha e foi até uma mesa no canto, uma mesa bem pequena. Ficou lá, quieto, com uma cara de criança que foi flagrada experimentando os sapatos do pai.
Ou talvez da mãe.
Melhor me distrair antes que tenha uma crise de riso e o guri um ataque dos nervos.
Sempre achei escritórios estéreis embora este, eu admito, fosse um ambiente aconchegante. Não sei por quê. Nada novo: arquivos de metal cinza-esverdeado, estantes altas repletas de fichários com informações dos empregados, computadores e impressoras, office-boy com cara de bunda, mesas...
Ah, a mesa dela era muito maior que a dele e, na dele não tinha uma placa com o nome. É, sim, eu conheço subordinados, filho. Você pode me olhar com ar de desprezo porque trabalha no escritório, mas estamos na mesma merda.
Credo, cara. Que amargura! Foco, filho. Você não veio aqui para implicar, mesmo que mentalmente, com ninguém. Está aqui para falar com a Lara. Me mexi um pouco quando cruzei as pernas e dei uma espiada na placa com o nome completo dela coçando o queixo na minha melhor pose 'não se preocupe comigo'. LARA PARANÁ GÓES.
Sério? Paraná? Tipo... PR?!?
Forçou a barra, parceiro. Forçou feio. Esquece, não cabe a mim julgar.
Foi quando meu devaneio foi interrompido por uma voz que eu pensei conhecer. Digo, era ela sim. Pelo telefone sua voz era deliciosa só que ao vivo... Não tenho palavras para descrever e olha que meu vocabulário é bem extenso.
Ela disse 'bom dia' para uma tal de Maria e foi chegando mais perto enquanto cantarolava algo que não reconheci. Na verdade ela não estava chegando perto de fato já tinha posto um pé para dentro da sala bem a tempo de eu me levantar.
- Oi - disse ela de um jeito esquisito. Como se fosse dizer algo diferente, mas trocado as palavras quando se deparou com alguém inesperado.
- Bom dia - respondi e não sei se contive um sorriso idiota.
Ela se encaminhou para sua mesa tirando os fones de ouvido e sentando-se. Regulou sua cadeira na altura certa apertando um pouquinho os olhos, talvez pensando: alguém anda mexendo aqui.
Lara tinha no mínimo um metro e setenta, com toda a desenvoltura delicada de mulher, mas sua voz e seu rostinho eram de uma menina. Não acredito que tivesse mais de vinte e um anos completos.
Uma linda menina morena de longos cabelos castanhos e bochechas fofinhas. Seus olhos eram sérios, mas brilhantes e inteligentes com um tom castanho-esverdeado, ou talvez o contrário, até hoje não me decidi.
Estava de calças jeans um tanto largas, mas não o suficiente para esconder toda aquela bunda gostosa e as coxas grossas. Uma jaqueta preta cheia de bolsos, apenas os dois botões de cima abertos e a blusinha por baixo cobria até o pescoço, deixando seus seios generosos bem juntos. Calçava tênis que apesar de limpos já estavam bem surrados, junto com a trança um tanto desmazelada que lhe caía sobre o ombro direito e a pontinha praticamente pincelando o mamilo lhe davam um pequeno toque de charme desleixado.
Perfeita.
Não confio em pessoas demasiadamente sérias.
Ela pediu meus documentos e conversamos formalmente enquanto ela mexia no computador, fazia anotações e falava comigo. Tudo junto. Sempre invejei a agilidade feminina, fazendo tanta coisa ao mesmo tempo com facilidade.
Lara ainda fazia aquele 'hmmm' de vez em quando e agora o som tinha um biquinho que combinava perfeitamente, além da mãozinha direita com o indicador brincando enrolando a pontinha da trança.
Mesmo que eu não houvesse conseguido o emprego, aqueles valiosos vinte minutos valeriam por todo o meu dia. Ela era um tesão e ainda assim me hipnotizou usando apenas os olhos, a boca, as mãos e o cabelo.
Já se passaram quase oito meses desde este dia e ainda me lembro.
Acho que estou apaixonado.

RECURSOS HUMANOSOnde histórias criam vida. Descubra agora