2º Capítulo

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Terça-feira


Na manhã seguinte Kenan chegou mais cedo à escola. As turbulências do lar e os insultos gratuitos do pai que voltava embriagado se iniciavam com o nascer do sol. Isso o impedia de suportar ficar ali mais tempo do que o necessário. Sentou-se num canto próximo a um dos pátios e acendeu secretamente um cigarro enquanto nenhum aluno chegava. Ser rebelde sem que soubessem também tinha lá sua graça.

Quando os alunos começaram a surgir ele imaginou se Lucio teria a coragem de aparecer depois da provocação do dia anterior. Acreditou verdadeiramente que não, que Lucio não arriscaria aquele pescoço frágil como graveto, mas notou que Victor e os dois capangas pensava diferente: tinham se juntado perto de um pilar e olhavam fixamente para o portão aberto, como gaviões aguardando o momento em que o camundongo sai da toca. Se Lucio viesse, seria um suculento peixinho dourado pulando diretamente na boca dos tubarões esfomeados.

E lá estava ele. Furtivo como um gato escaldado, observando tudo por baixo dos cabelos que lhe escondiam o rosto.

Kenan mudou de ideia. Lucio não era lento para tomar atitudes.

Era suicida.

O trio levantou-se num pulo e foi até ele, passando o braço pelos ombros pequenos como se fossem camaradas. Lucio ficou estático. Não acreditava que eles fariam qualquer coisa enquanto houvessem pessoas por perto - e este era o único motivo de ter ido confiante à escola.

— Chegou nossa princesinha favorita, rapaziada! - provocou Victor, mostrando os dentes como um chacal que prepara-se para arrancar a pele de sua presa. — Foi boa a tarde de ontem, filho da puta?

Victor ainda sentia a sensação do cuspe manchando seu orgulho. A raiva que tinha sentido naquela hora não tinha se dissipado. Ao contrário, teve tempo o suficiente para evoluir para algo pior.

Fingindo que guiava Lucio amigavelmente, Victor agarrou o antebraço fino sem dó e o direcionou para um corredor externo que levava para os fundos da escola. Lucio não contava com isso, e novamente repudiou a si mesmo, desta vez por ter sido tão ingênuo. Era um cordeiro sendo arrastado para o abate. Lucio não tinha como fugir. Foi andando obedientemente, ciente de que estava com problemas. Ninguém notou quando os quatro sumiram numa curva ao fundo do pátio. Ou, quase ninguém. Os únicos olhos que os perscrutavam estavam atentos como os de uma pantera.

O lugar em que Lucio foi levado era ladeado por paredes de dois andares, sem janelas, como um beco escuro. Em volta deles havia mesas e cadeiras antigas, descartadas numa pilha de objetos inúteis e decrépitos. O lugar perfeito, pois ninguém ia até ali.

Quando Kenan se aproximou, ouviu baques surdos seguido de risos de escárnio. Lucio estava escorado na parede e recebia socos certeiros no estômago e joelhadas que vinham de todos os lados. Ele tentou se defender, e até conseguiu uma vez ou duas, mas Victor e os outros dois eram bem maiores que ele. Depois de mais alguns golpes, Lucio caiu. Ele não gritava, não dizia nada. Apenas tentava proteger sua cabeça com os braços e cravava os dentes com força, não ousando emitir o som de súplica e dor que eles tanto desejavam ouvir.

— Pare de se proteger, seu desgraçado! - gritou Victor, puxando os braços fracos do garoto. — Não quer machucar o rostinho de boneca? HEIN? NÃO VAI FALAR NADA? VOCÊ CUSPIU EM MIM E ME JOGOU NO CHÃO, SEU CRETINO! ACHA QUE PODE FAZER ISSO PARA O LÍDER d'OS SETE E SAIR SEM PAGAR?

Ao pronunciar as últimas palavras, ele puxou Lucio do chão e o arremessou de volta na parede, fazendo-o bater a cabeça. Ele sentiu uma dor aguda na nuca, e se desesperou quando suas pernas perderam a força, fazendo com que ele escorregasse novamente para o chão, zonzo. Ali voltou a receber chutes nos braços, que usava para proteger a todo custo a cabeça dolorida.

Anjo Negro (livro Yaoi/BL)Onde histórias criam vida. Descubra agora