São Paulo, 05 de fevereiro de 1975;
Caro diário, hoje eu estava atônito. Por nenhum momento consegui parar de pensar naquela bela moça, aquela que eu via todos os dias, no mesmo lugar, no mesmo vagão... não a vejo há longos trinta dias. Minh 'alma está aflita, o coração bem apertado, e a angústia consome o meu ser. Não sei o que se passa com ela, não responde mais às minhas cartas... Em um dia estávamos juntos e no outro, não tive a mesma sorte.
Hoje mais cedo, pela manhã, resolvi tomar um pouco de café na lanchonete do Sr. Pedro, aquela ao qual ela e eu costumávamos ir, em frente à recém inaugurada estação Santa Cruz. Não sei explicar-lhe o que, mas algo me levou até lá novamente, e desde então, passei a lembrar de todos os cafés que tomamos juntos, e das histórias que cada gole trazia. Desde que ela sumiu, continuo a recordar o que vivemos durante este ano.
Me lembro do dia que a conheci, é como se fosse ontem. Naquele dia, na manhã de 20 de setembro de 74, misteriosamente, acordei enérgico e um tanto vaidoso, o que é estranho em demasia, pois até nos mais importantes eventos do Gallet, eu não me ajeito tanto como me ajeitei naquele dia. Mas, algo me dizia para eu me vestir um pouco melhor do que casualmente, e eu como bom supersticioso que sou, não questiono minha própria intuição.
Para começar, penteei o meu cabelo para trás, e o fixei com um gel que eu tinha no banheiro, ficou tão charmoso quanto a de um galã de Hollywood. Me perfumei com o Tabu, que só uso em ocasiões importantes, e agora creio que ressaltei o nome do perfume. Depois de pôr uma camisa social, um colete não foi uma ideia ruim, deu um ar de formalidade junto com uma calça preta e um sapato social brilhoso com fivela dourada.
Antes de sair, dei uma rápida folheada no jornal para ver as notícias do dia, como sempre faço, enquanto tomava um gole de café, o qual não vivo sem. Peguei minha maleta de couro, as chaves do apartamento, e me adiantei indo ao trabalho. Todos que conhecem Paulo Schiavon, sabem que eu sempre fui uma pessoa pontual, mas nunca ao ponto de adiantar-me em duas horas, e digamos que isto foi muito benéfico para mim no fim das contas.
Em continuidade, neste dia em que fiz tudo diferente, resolvi ir de metrô ao invés de usar um táxi, para variar um pouco, eu sempre tive curiosidade para ver como funcionava o novo metrô de São Paulo, e a situação era perfeita para isto. Ao andar um pouco, cheguei na estação Jabaquara, bairro onde moro, e para evitar os transtornos e correrias, resolvi prolongar a caminhada até o fim da plataforma, onde parava o terceiro vagão da ponta, a fim de garantir um lugar. Passados 5 minutos, eis que os carros chegam até a plataforma, e sem hesitar passo pelas portas do A43, um dos carros da frota. Tudo cheirava a novo, era esplêndido, e eu, um entusiasta de sistemas metroviários, amei aquilo mais do que ninguém, lembrei-me de imediato da viagem que fiz à NY depois da faculdade, é um tanto estranho andar de metrô enquanto turista, mas eu amei. Ao olhar no fim do terceiro vagão, havia dois lugares vagos, não perdi tempo e logo fui me sentar.
Não demorou muito e logo estávamos na estação Conceição, ao abrir a porta, algumas pessoas com expressões apáticas entraram, e no meio delas, ela, uma bela moça de cabelos castanhos claros presos em um coque, olhos azuis-esverdeados, de pele clara e um tanto alta, diria que ela tem em média 1,65m. Percebi que ela usava um lenço vermelho no pescoço de modo que o mesmo quase não aparecia, uma jaqueta de manga comprida e uma calça boca de sino, roupas bem longas para uma manhã agradável como aquela, por isso não teve como não reparar nela, claro, de maneira discreta.
A moça viu que havia um lugar vago ao meu lado, chegou perto de mim e disse em um tom educado:
— Bom dia, seria importuno se eu me sentasse ao seu lado?
— De maneira alguma, fique à vontade. – Respondi.
Ela gentilmente se sentou, e nos quinze minutos adiante até a Santa Cruz, ela começou a puxar conversa comigo, ao menos tentou. Nesta altura do campeonato no dia do contra, eu larguei minha timidez de lado e cedi à conversa. Até hoje eu me pergunto como conseguimos conversar tanto, e sobre muitos assuntos em tão pouco tempo, e logo comigo, uma pessoa tão antissocial, que odeia falar. Ela de longe foi uma das pessoas mais interessantes com quem já conversei desde que cheguei de Blumenau. Em nossas conversas, descobri que ela desceria na mesma estação que eu, e ao descer, convidei para tomar um pouco de café, levando em conta que nós estávamos adiantados.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Moça do Vagão N°3
RomanceMisteriosamente, a paixonite de Paulo Schiavon, a qual conheceu no metrô, desaparece. Enquanto procura por seu paradeiro, ele relata em seu diário situações pelo qual passou com ela, e isto o ajuda a levantar possíveis hipóteses sobre seu desaparec...