O auditório era grande e silencioso. Dezenas de pessoas estavam sentadas, vestidas formalmente, em silêncio. O ar estava um pouco denso, a tensão vinha de diversos lugares diferentes. Um telão suspenso bem no meio do auditório não deixava os convidados olharem pra nenhum outro lugar, mesmo estando apagado.
-"O Filme" começará em alguns momentos - Anunciou a voz, sem vida - Repito, "O Filme" começará em alguns momentos.
As pessoas sentadas começaram a murmurar, de que se tratava esse tal filme?
Aos poucos, os lugares restantes eram preenchidos. O auditório estava cheio, mas não tinha ninguém ali. As luzes aos poucos se apagaram. A mesma voz de antes, ainda sem qualquer tipo de expressão, voltou a falar:
-O que vocês estão prestes a ver não é nada novo. Vocês já viram seu nascimento, sua vida e todo o resto.
As pessoas abaixaram suas cabeças, colocando as mãos nos joelhos.
Aqueles que estavam assistindo aquela apresentação eram filhos de delegados, políticos, embaixadores, monarcas, e afins. Sua presença ali não era inesperada, eles viveram toda a sua vida em função de seus pais, jamais fizeram algo por si.
Uma garota se levantou, enquanto os outros continuavam fixos.
-Estou saindo - Disse ela
-Para onde vai? - Perguntou a voz
-Atravessarei a manhã
A voz hesitou, mas logo disse:
-Não corra por entre as nuvens.
A garota deu alguns passos, mas foi parada por um homem que estava sentado. Suas pernas a trançaram, imobilizando-a
-Não faça isso, todos os seus amigos estão aqui. Nós os trouxemos.
-Quando poderei vê-los?
-Após você pagar. - O homem tirou um sorriso de sua pálida face
-Não trouxe dinheiro.
A voz interrompeu os dois, dessa vez, com certa dominância em seu tom:
-O senhor está atrapalhando nossa sessão. Deixe-a ir.
O homem soltou suas pernas, seu sorriso havia desaparecido, o padrão havia voltado. Nenhuma expressão em nenhum rosto. Nenhuma autonomia em nenhum corpo. Exceto a garota. Ela era diferente.
O tal filme finalmente começou, mas as pessoas não pareciam mais interessadas. Elas viam, porém não assistiam nada. A garota já havia subido grande parte da escadaria, relutando em não olhar para trás. Os sons indescritíveis chamavam sua atenção, a explosão de luzes que se refletiam no chão a tentavam, mas ela estava determinada.
Quando chegou na grande porta do auditório, a garota conseguia sentir um leve cheiro de tulipas, algo que ela nunca havia experimentado antes. Com uma mão apenas, ela abriu a porta, a luz a cegou por um instante.
Ela se viu deitada, seus longos cabelos passavam pelo seu pescoço e terminavam em seu peito. Seus braços estavam cruzados, e o cheiro de tulipas estava mais forte do que antes. Um rosto se aproximou, olhando em seus olhos, disse:
-Tão jovem.
Sua visão foi ficando turva, ela via cada vez mais figuras de rostos aparecendo, todos olhavam diretamente em seu rosto. Finalmente, sua visão escureceu por completo.
Na total escuridão, ela voltou a ouvir a voz
-Você não devia ter feito isso.
-Eu perdi o filme.
-Não. Não perdeu. Você ganhou.
-Eu saí da sessão. Todos assistiram. Eu não.
-Senhorita, você teve um bom mundo quando morreu?
-Bom o suficiente pra se basear um filme.
-Creio que essa conversa terminará aqui.
Um grito agudo pôde ser ouvido, e a garota perdeu o resto de seus sentidos. Pro resto da eternidade, ela assistiria ao filme que criou, o filme de sua vida.