|| Capítulo Único ||

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Olá queridos ouvintes. Aqui quem fala é a Lin e esta é uma gravação especial. Se você está ouvindo isso, quer dizer que eu tive coragem de mostrar ao mundo a minha história. Se estiver lendo.. bem, alguém a transcreveu.

Contudo, o modo como chegou até aqui pouco importa; o importante é ficar até o final. Não nego que tenho fascínio por detalhes mas tentarei não me prolongar. Portanto, acomode-se onde quer que esteja e entenda como uma deficiente visual ensinou um homem saudável à enxergar.

Eu estava na primavera de minha vida quando o conheci. A adolescência, que normalmente costuma ser um período conturbado, eu resumiria como interessante.

Na infância, eu frequentei uma escola especial para deficientes visuais, mas ela nunca me agradou. O ensino era ótimo, eu concordo, mas segregava-me do contato com o resto do mundo.

Por isso, aos quinze anos, fui estudar em um colégio dito normal. Meus pais eram contra, mas no fundo sabiam que não podiam segurar-me e acabaram me apoiando.

No começo, eu gerei um grande burburinho. Nem todo mundo já havia visto um deficiente visual, quanto mais convivido com um.

Andar com uma bengala feito guia no corredor lotado após o intervalo não era algo que me tornava muito popular, eu batia em todas as canelas possíveis naquele lugar *ri*; nem preciso dizer que eram poucos os meus amigos.

Geralmente, as pessoas se aproximavam de mim por pura curiosidade e eu sempre era a primeira a falar. Alguns mal intencionados *suspira*, outros achavam que faziam-me uma caridade em não deixar-me solitária.

Bem, eu aproveitava por que sempre gostei muito de falar, era uma tagarela desde meu nascimento. Acho que era isso que ia conquistando as pessoas a minha volta; pouco a pouco, eu os trazia para o meu mundo.

E era tão bonito esse meu mundo! A maioria das pessoas, quando pensam num cego, acham que nosso mundo é vazio, preto e sem vida. Pois eu lhes garanto que é totalmente o contrário.

Pelo menos, para mim é. Há tanta coisa que eu posso ver sem meus olhos. O bater de asas de um pássaro, a aspereza da grama recém cortada, o canto de uma cigarra, o cheiro da chuva e o gosto do ovo fresco recém chegado da granja. Tudo isso era apenas uma pequena parte da beleza do meu mundo escuro.

De fato, por não ter a visão, eu dava mais importância à coisas que poucas pessoas reparavam; como o som das ondas do mar quebrando e espumando sobre a areia da praia.

E foi justamente esse som que virou trilha sonora de nosso primeiro encontro. Na verdade, não foi a primeira vez que nos vimos, você entenderá mais pra frente.

Eu estava sentada no terceiro banco da direita para a esquerda, em frente à bela praia da cidade litorânea em que eu vivia. Era mais um dia rotineiro para mim.

Até que alguém, dono de uma grave voz que agradava-me muito aos ouvidos, pede para sentar-se do meu lado.

A partir deste momento, peço que os ouvintes tenham paciência e não riam; quero registrar os diálogos como bem me lembro, por isso, apesar de ser estranho, vou dizê-los em voz alta, inclusive as minhas próprias falas e adicionar alguns comentários quando necessário.

—  Oi.. os outros bancos estão ocupados então.. queria saber se tem alguém contigo, se esse lugar tá ocupado. Ao seu lado, sabe?

A voz masculina que se dirigia à mim fazia varias pausas, provavelmente procurando uma maneira para que eu compreendesse totalmente a situação usando somente as palavras.

O embaraço presente em sua voz grave de homem fazia-me ter vontade de rir, mas eu me seguro e foi-lhe uma resposta positiva.

—  Pode sentar, eu vim sozinha. Gosto de ouvir o mar e sentir a brisa daqui. Me acalma. E você, porque veio?

[👁] Far From Your Eyes || KTHOnde histórias criam vida. Descubra agora