II

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Endinheirado, o casal que contratou Alberto garantiu ao investigador duas coisas: conforto e um enorme arquivo. 

Em Comendador Fraga, o casal mantinha, apesar do trauma, uma casa afastada do centro, contando com dois andares, mobília básica na cozinha, sala e nos quartos, bem como um armário de um metro e oitenta de altura, contendo oito gavetas, todas preenchidas com fotos, notícias, hipóteses de outros investigadores, fitas cassete, disquetes, pen-drives e CDs.

Um longo e inútil trabalho pela frente, pensava Alberto. Pelo menos, tinha o tempo que desejasse.

Ao deitar suas malas ao pé da cama bem-cuidada e cheirosa do quarto principal, o detetive observou com orgulho uma ausência: nada de álcool. Apesar disso, lá estava o maço de cigarros com filtro vermelho, esperando para ser o próximo depois do fim daquele que habitava o bolso da calça social do homem. 

Suspirando, ergueu-se. Decidiu que terminaria a organização das roupas e tralhas que trouxe consigo após uma volta na cidade. Em sua visão, o melhor método de investigação era a observação do todo, antes da parte, pois, só assim, seria possível ligar deduções das categorias gerais do ambiente com aquele caso em particular. 

Esta mentalidade era instintiva, não deliberada. Após anos de prática, era como o reflexo condicionado que sua igualmente longa experiência no boxe concedeu aos seus socos, movimentação de pernas, cabeça e olhar. 

Era final de tarde. Apesar do cansaço da viagem relativamente longa de avião, seguida de ônibus, Alberto ainda tinha alguma disposição para conhecer seu terreno e espairecer um pouco. 

Após separar um paletó preto para eventuais frios, segui até o centro da pequena cidade. 

No caminho, sob o céu púrpuro-escarlate, notou os olhares curiosos de alguns moradores das casas de arquitetura tipicamente ibérica, que dividiam espaço com comércio enquanto erigiam sua magnitude clássica sobre o paralelepípedo predominante na pavimentação das ruas.
Ainda assim, notou que eram poucos estes que bebiam uma cerveja, fumavam cigarros ou só conversavam em rodas nas calçadas. A maioria absoluta já partira ao repouso. 

Após quarenta minutos de caminhada, mais ou menos, encontrou uma pequena padaria. Entrou, acomodou-se e pediu um "pingado", esquecendo-se dos regionalismos paulistanos. Todavia, logo notou o olhar curioso do atendente (estranhamente, a seu ver) sem uniforme, e corrigiu o pedido: gostaria de um café com leite. 

A luz pastel do ambiente logo iluminou o cinzeiro sobre a mesa, levando Alberto a acender o quinto cigarro desde que saiu da casa onde estava instalado. 

Uma moça, sentada na banqueta frontal em relação ao balcão nos fundos da padaria, uma das cinco pessoas sentadas em frente ao mesmo, levantou-se, como que sentindo o cheiro de nicotina, e foi até o encontro do investigador. 

Sem cerimônias, sentou-se à mesa, em frente ao homem, que já erguia uma sobrancelha curiosa. 

"De onde você vem não pagam bebidas pra mulheres bonitas?" perguntou ela, sorrindo. 

Alberto reservou um momento para estudar a jovem. 

Cabelos lisos, pretos, na altura da cintura. Pele caucasiana curtida pelo sol, tipo físico esguio. Roupas curtas, não condizentes com o ambiente conservador dominante em pequenas cidades. 

"A garota sem muitos amigos que puxa conversa com todo detetive que para aqui para descolar uma bebida de graça..." comentou ele, sem emoção. 

"Um ponto pra você, detetive: é o primeiro que não acha que sou prostituta. E o papo da bebida também! Estou tomando uma cerveja, mas um uísque é sempre bom." gargalhou irreverente. 

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⏰ Last updated: Aug 28, 2018 ⏰

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Instinto PrimitivoWhere stories live. Discover now