Achados e Perdidos

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   Todos os dias, quando chegava ao seu posto de trabalho, a seção de Achados e Perdidos do Metrô Sé de São Paulo, Silvia lia a frase que ficava embaixo do balcão de informações, que ela mesma tinha impresso e emoldurado em um quadrinho pequeno, nas primeiras semanas que começou a trabalhar ali. Isso foi há quinze anos.

O GUARDA-CHUVA SÓ FOI INVENTADO
PARA PODER SER ESQUECIDO.

   Qual era o problema das pessoas com os guarda-chuvas? As carteiras, assim como cartões de banco e de vales-transporte estavam no topo da lista de procura e devolução, mas os coitados dos guarda-chuvas, pareciam ser cada vez mais dispensáveis e se amontoavam nos cantos das prateleiras. Pensando bem, para que se preocupar se ao virar a esquina vai ter alguém gritando "pequeno, tchinco reais"...

– Está tudo bem?

– Está – respondeu Silvia – só estou um pouco sonolenta, tenho dormido pouco...

– Você sabe que pode ficar à vontade para me dizer se prefere ir para casa...

– Não, está tudo bem!

"Pelo amor de Deus, eu não quero voltar para casa!". O apartamento impregnado com o cheiro de umidade misturado com perfume de lavanda estava fora de cogitação... O que seria bom para remover odores desagradáveis?

– Vocês encontraram uma caixa verde ontem?

– Ainda não terminamos de inventariar os artigos encontrados ontem, você pode esperar um momento que eu vou verificar?

– Claro!

Sílvia sempre soube que seria muito difícil quando sua mãe morresse, mesmo ela não lembrando-se mais que tivera uma filha e nem da mulher que via no espelho. Sílvia tinha trinta e seis anos e estava completamente apavorada: a partir daqui teria que cuidar da sua própria vida, e ela tinha esquecido há muito tempo como fazer isso. Na verdade, secretamente acreditava que nunca tinha feito isso, verdadeiramente.

– Aqui está. Você tem que preencher este formulário...

Tudo aconteceu muito depressa: primeiro foi o casamento e a viagem para o exterior de seu irmão; a tristeza por ele sair de casa e do país; as crises de depressão da sua mãe; a impaciência de seu pai. Não demorou vieram as discussões de pai e filha e a sua saída "amigável" de casa. De forma galopante, a doença de sua mãe e o abandono, depois de quase quarenta anos de convivência, seu pai...

– Aqui está, muito obrigada.

– O Metrô de São Paulo agradece.

Ela cuidou da mãe o melhor que pode. Em rompantes de lucidez, Angela a olhava e dizia "a vida passa muito rápido, você tem que parar de se preocupar com os outros. Cuide de sua vida" e quando ela a abraçava, era empurrada porque sua mãe achava que ela queria beijá-la a força "eu vou chamar a minha filha!".

– Já que a supervisora sempre acha que você não está bem, você poderia dizer que não está mesmo e que precisa de alguém para levá-la pra casa. Eu seria voluntária.

– E me deixaria lá sozinha!

– Você está bem e cada um tem suas prioridades. A minha, hoje, é o dono do falso Rolex resgatado na última quinta-feira...

– Sem chance!

– Eu tentei...

Cristina acreditava que não eram os guarda-chuvas que sempre estavam perdidos, e sim as pessoas. Na verdade homens, com até quarenta anos e que caiam na conversa "você não tem ideia das coisas que encontramos por aqui..."

Achados e perdidosWhere stories live. Discover now